A terra como premio, por Egon Heck

“Inicio de ano, tradicionalmente tem sido tempo de fartura nas comunidades Guarani. As roças ofereciam seus abundantes frutos, dentre os quais se destaca o milho. Tempo de rituais, da benção e batismo do milho – jerosy puku, avatykyry…Tempo de celebração, de festa, de partilha, de agradecimento e consolidação de alianças. Porém os tempos estão mudados. Nos confinamentos ou beira da estrada, a dependência, festa…só da cesta básica. Pobre festa, é o que resta da fartura de antigamente. Mas nada consegue vencer os resistentes Kaiowá Guarani. O milho branco –  avati moroty, sobrevive em meio ao milho transgênico, hibrido e outros mais fabricados pelas modificações genéticas.  E na casa do Nhanderu Getulio, em plena terra indígena Dourados, um grupo faz as celebrações e rituais da benção e batismo do milho. Ao mesmo tempo acontece a entrega do premio de Direitos Humanos, às comunidades e reunião do Conselho da Aty Guasu. É a esperança sendo oxigenada, é a vida pedindo passagem…”, escreve Egon Heck, coordenador do CIMI-MS, ao enviar o artigo abaixo. Eis o artigo.


“Naquele momento, ao receber aquele premio, apertar a mão do presidente da República, não consegui sentir emoção nenhuma. Imaginava a terra dos Kaiowá Guarani. Não consegui comemorar nada. O premio que nosso povo espera é a terra. E essa nós não recebemos ainda. Por isso não consegui sentir nada”.

Com essas palavras, entrecortadas de silencio e sentimento, a liderança indígena, professora e universitária, Leia Aquino, foi desfilando seu sentimento diante de uma grande platéia reunida na Universidade Federal da Grande Dourados, dia 21 deste mês.  Ela foi uma das lideranças indicadas para receber o Premio de Direitos Humanos, conferido pela Secretaria Especial da Presidência da República, às pessoas e entidades que se destacaram na defesa dos direitos humanos. Pela primeira vez foi incluído a categoria Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. E o primeiro premio foi para a Aty Guasu.

Antes de chegar à sala da entrega oficial do premio a todas as comunidades Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, a expressiva estatueta de bronze, uma mãe com um filho no colo, esteve passando de mão e mão dos indígenas participantes do ritual do batismo do milho na casa do Nhanderu Getulio Juca. Ali o premio parecia contagiar de animo o grupo em ritual. Depois parte do grupo foi fazer também a reza na universidade.

Apesar do angustiante grito pela demarcação das terras, as manifestações também ressaltaram a importância do premio que significa o reconhecimento por parte do governo da luta dos Kaiowá Guarani pelos seus direitos e ao mesmo tempo expressa que os direitos desse povo continuam sendo desrespeitados. A fala do deputado Pedro Kemp foi neste sentido. Por sua vez o procurador do Ministério Público Marco Antonio ressaltou que “o principal mérito do Premio é dar visibilidade à luta dos Kaiowá Guarani, pois essa é uma situação que não pode mais ser adiada”. Concluiu dizendo “que a pior violência é a que mata um pouco a cada dia”.

As lideranças indígenas expressaram sua alegria pelo recebimento do premio, pois além do reconhecimento das lutas do povo, é uma expressão de que existimos, estamos vivos. Isso é que queremos dizer ao Brasil e ao mundo. Anastácio Kaiowá lembra que o presidente Lula reconheceu o fato de estar deixando a presidência sem ter conseguido devolver as terras aos Guarani. Léia lembrou que “será que acham que ao nos conceder o premio vão nos calar?”

No dia 22 se realizou reunião do Conselho da Aty Guasu. Mais uma vez foi lembrado a importância desse momento histórico, em que o premio concedido à Aty Guasu e ao povo Kaiowá Guarani, anima ainda mais na luta. Mas também decidiram enviar uma carta à presidente Dilma, na qual lembram a dívida  que o governo Lula e todos os anteriores  deixaram ao não demarcarem as terras de seu povo. E alertam que se a identificação de suas terras não acontecer até a metade deste ano, isso representará um desrespeito ao premio e à Constituição.

Neste importante final de semana de celebração do premio em meio ao batizado do milho – jerosy puku, e definição das estratégias do movimento para este ano, vale lembrar que o que todos os Kaiowá Guarani desejam com urgência é o reconhecimento e demarcação de suas terras. Esse é o premio mais esperado. O premio é a terra.

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