A mulher Negra Brasileira

Walkyria Chagas da Silva Santos*

Ser mulher e ser negra no Brasil significa está inserida num ciclo de marginalização e discriminação social. Isso é resultado de todo um contexto histórico, que precisa ser analisado na busca de soluções para antigos estigmas e dogmas.

A abolição da escravatura sem planejamento e a sociedade de base patriarcal e machista, resulta na situação atual, em que as mulheres afro-descendentes são alvo de duplo preconceito, o racial e o de gênero.

Ascender socialmente é algo muito difícil para a mulher negra, são muitos obstáculos a serem superados. O período escravocrata deixou como herança o pensamento popular, em que, elas só servem para trabalhar como domésticas ou exibindo seus corpos.

As que se destacam, tiveram que provar mais vezes do que as mulheres brancas a sua competência, por isso, é que é possível afirmar que a questão de gênero é um complicador, mas se esta for somada a questão de raça, o resultado é maior exclusão e dificuldades.

Analisando dados de pesquisas realizadas pelo DIEESE e outros órgãos, é possível verificar que o preconceito resulta em salários mais baixos para os negros em relação aos brancos, incluindo o item gênero, inferi-se que o homem negro ocupa um patamar abaixo do da mulher branca quanto ao rendimento salarial. Mas as mulheres negras se encontram ainda mais abaixo na pirâmide ocupacional.

No que diz respeito a escolaridade, pesquisa realizada em 2006, revela que entre as mulheres negras com 15 anos ou mais, a taxa de analfabetismo é duas vezes maior que entre as brancas, no que tange ao trabalho doméstico infantil, 75% das trabalhadoras são meninas negras.

Devido à extrema pobreza, as meninas ingressam muito cedo no mercado de trabalho, sendo exploradas pela sociedade, que sabendo da sua condição financeira, oprime e humilha. Como é possível verificar, para as mulheres afro-descentes o mercado reserva as posições menos qualificadas, os piores salários, a informalidade e o desrespeito.

Apesar dos avanços alcançados pelas mulheres no mercado de trabalho, ocupando posições importantes a nível profissional, este avanço é muito reduzido quando se observa o universo negro. Há poucas mulheres negras trabalhando como executivas, médicas, enfermeiras, juízas, dentre outras profissões de destaque; o que se verifica ainda é a grande maioria realizando trabalhos domésticos e recebendo baixos salários.

Mesmo as que possuem diploma universitário, sofrem as discriminações do mercado. Muitas não conseguem exercer a profissão que se dedicaram na universidade e sem opção continuam exercendo as mesmas profissões de outrora.

Quando o item analisado é a saúde, verifica-se a continuidade da desigualdade. O percentual de mulheres negras que não possuem acesso ao exame ginecológico é 10% superior ao número de mulheres brancas; pesquisa de 2004 revela que 44,5% das mulheres negras não tiveram acesso o exame clínico de mamas, contra 27% das mulheres brancas; entre 2000 e 2004, a infecção por HIV/AIDS subiu de 36% para 42,4% entre as mulheres negras, enquanto na população feminina branca, a incidência de casos diminuiu, no mesmo período.

Vale salientar, ainda, que as mulheres negras possuem menor acesso a anestesia durante o parto e a esterilização cirúrgica; apresentam menor expectativa de vida se comparada as mulheres brancas; e, 58% dos óbitos de jovens negras por causas externas referem-se a assassinatos.

Além da violação ao direito a um trabalho digno, a ascensão social, a educação e saúde, as mulheres negras são as mais vulneráveis quando o assunto é violência, isso porque, desde a época da escravidão a mulher negra é vista como objeto sexual, povoando as fantasias dos homens.

A mulher negra então é aquela que não possui vida psicológica, afetiva e intelectual. Enquanto a mulher branca era ”guardada e vigiada”, a mulher negra era submetida ao abuso sexual, ao estupro e a humilhações. No período escravocrata estuprar uma negra não era crime, e sim um sinal de virilidade do homem branco.

A mulher negra, por diversas vezes têm se mostrado a mantenedora da família, não só no contexto atual, em que sozinha criam e educam seus filhos, como também no passado. Isso por que, após a abolição e a imigração européia, não havia mercado de trabalho para o homem negro, coube a mulher negra o sustento da família, trabalhando nas casas dos ex-senhores ou vendendo quitutes.

Além de criarem seus filhos, abriram casas de candomblé, criaram seus filhos-de-santo e mantiveram vivos os laços comunitários originários da África. As fundações das casas de Axé foram imprescindíveis para a preservação da cosmovisão africana, da identidade e da cultura negra, da religiosidade que perpassa por todas as esferas da vida do povo africano. Foram estas casas que preservaram a tradição do culto aos orixás, bacuros, inquices e voduns, e as línguas africanas.

Enquanto na visão do colonizador a mulher possuía uma posição inferior, na cosmovisão africana as mulheres tinham e têm lugar de destaque, nas religiões de matriz africana elas são guardiãs dos segredos, zeladoras do povo de santo, e um dos atores responsáveis pela perpetuação da cultura e da reconstrução da identidade negra no país.

Uma questão importantíssima a ser analisada com relação ao vagaroso progresso da efetivação dos direitos das mulheres negras, é quanto a representatividade política destas. Não há um contingente significativo de mulheres negras no parlamento, isso resulta muitas vezes na falta de criação e concretização políticas públicas voltadas para esta parcela da população.

As políticas implantadas são em sua maioria de cunho genérico, e num universo de desigualdades social, racial e de gênero é necessário a realização de políticas públicas específicas para as mulheres negras, posto que, são as mais vulneráveis em casos de ocorrência de violação de direitos humanos.

A mulher negra precisa ser valorizada não só pelos deliciosos quitutes, pelo seu molejo contagiante, pelo corpo sensual, mas principalmente pelas suas qualidades como ser humano, pelos seus dotes intelectuais. O mundo tem mostrado que é tempo de mudança, os Estados Unidos da América elegeu um presidente negro, os avanços raciais estão ocorrendo.

A melhoria da posição social do negro e especificamente da mulher negra é resultado de um esforço gigantesco. Homens e mulheres afro-descendentes têm lutado para levar dignidade ao povo negro, resgatar a sua identidade e auxiliar na busca da ascensão social.

O movimento negro brasileiro, algumas autoridades engajadas e outras pressionadas pela sociedade têm lutado para que o negro tenha o lugar que sempre mereceu, que o negro seja tratado com dignidade. Nesta luta surgiram os movimentos feministas, na busca pela implementação de leis que garantam os direitos básicos das mulheres negras.

É preciso lembrar que algumas contra toda adversidade conseguiram chegar à universidade, alcançaram um lugar de destaque na sociedade, mas as barreiras continuam. Não é possível haver satisfação enquanto outras continuam nos guetos passando fome, sofrendo as humilhações desta sociedade desigual e opressora.

O povo negro brasileiro está se organizando, as mulheres negras precisam “tomar” o poder, comandar seu destino, lutar, se organizar, transformar. Há de chegar o dia, em que vê uma negra recebendo diploma na área de medicina, advocacia, odontologia, não causará mais espanto, porque teremos alcançado a tão almejada igualdade.

As mulheres negras, necessitam reencontrar a sua identidade, valorizar sua história e suas raízes, se assumir enquanto afro-descendentes e agentes ativos desse processo de democratização racial.

*Pós-graduanda em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia -UFBA

http://africas.com.br/site/index.php/archives/6858

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