MG – O Quilombo dos Cariris, em São João do Paraíso

Flávio José Gonçalves

A origem do município de São João do Paraíso está ligada à comunidade quilombola a ser etnografada, e é originária de escravos negros fugidos, alforriados, livres e libertos oriundos do sul da Bahia, como também do antigo Rio Pardo de Minas e Monte Azul (Tremedal). Tal como outras cidades da região, sabe-se que a região, foi, outrora, habitada por índios Tapuias (Relatos antigos mostram que os índios Chacriabas e alguns Tupis, foram os primeiros habitantes da região e que habitavam as margens dos rios.), e desbravada por volta de 1770 a 1780, quando o Governo da Metrópole determinou que se pusesse cobro ao constante contrabando de ouro e pedras preciosas, que se fazia pelos caminhos outrora percorridos pelas bandeiras que ligaram São Paulo à Bahia, através do território das Gerais.

Quase toda a área do município pertenceu a um só proprietário, o conde da Ponte, terceiro nome, personagem aparentada com a Casa reinante e latifundiário também na Bahia e em quase todo o norte mineiro. Uma das maiores fazendas pertencentes ao conde da ponte, a de Veredinha, com cerca de 64 léguas quadradas, foi vendida por oitenta cruzeiros a uma velha escrava forra. Por volta de 1867, o fazendeiro Leonino Borges de Carvalho doou uma sorte de terra para nela se construir o povoado, em torno da igreja então também construída e que ainda hoje existe como Matriz da freguesia. No último quartel do século XVIII, Dona Maria Rosária Pereira da Rocha, adquiriu ao Conde da Ponte, as terras de Boa Vista do Tremedal e São João do Pernambuco, doando uma gleba de terras para a construção de uma capela em honra à Senhora das Graças, em torno dessa capela formou-se o arraial de Boa Vista do Tremedal, que posteriormente viria a se chamar Monte Azul, no Estado de Minas Gerais. Maria Rosária Pereira da Rocha era amante do Português Pompéo, que foi morto em companhia de seu enorme grupo de escravos e capangas, por um inimigo seu, por questões de terras. Maria Rosária e Pompéo tiveram uma filha que se casou com Joaquim Fernandes dos Anjos.

A origem dos quilombolas pode estar ligada aos índios Tapuias e às suas relações e trocas entre os escravos negros fugidos, alforriados, livres e libertos. A distância entre a sede urbana e os principais quilombos (Quilombo dos Cariris, Salinas e Quilombo do Morro). Conforme uma das guardiãs da memória local, a região foi ocupada pelos índios Tapuias e depois pelos povos de cor que vieram da Bahia desde o ano de 1870. O Quilombo dos Cariris atualmente conta com aproximadamente 40 famílias patriarcais consangüíneas, com sobrenomes de gentios, tais como de Jesus e Pereira de Jesus, as principais famílias.

O topônimo do Quilombo de Cariris é originado, conforme uma das informantes do grupo quilombola, que tem origem de uma espécie de manaíba ou maniva (espécie de mandioca ou macacheira) como também pode ser dos índios Cariris. Que da origem dos Cariris do São Francisco para o Sul, os Dzubukuá (cariris) chegaram a habitar diversas missões de padres capuchinhos situadas nas ilhas do rio, no século XVIII, sobre os quais há dois importantes relatos feitos por esses padres: o de Bernardo de Nantes, hoje uma obra rara; e o de Martinho de Nantes, Relação de uma Missão no São Francisco, editado na coleção Brasiliana da Companhia Editora Nacional. Ambos trazem preciosos relatos dos costumes dos Cariris.

Mas também não há, atualmente, nenhum grupo nessa área que reivindique identidade cariri, apesar de haver na região, hoje, diversos outros grupos indígenas (Aticum, Trucá, Pancará, Tuxá etc.) aos quais, possivelmente, cariris tenham se associado aos quilombolas de várias localidades do Rio São Francisco e de seus tributários, tais como o Rio Pardo e de seu afluente menor o Rio são João. Os índios tapuias ou Cariris ao fixar uma rede de relações sociais com os quilombolas criaram laços de consangüinidade e de reciprocidade através de trocas simbólicas e de compadrio garantindo assim o seu Território Trilhado ou de fronteiras. Kariri ou Cariri é a designação da principal família de línguas indígenas do sertão do Nordeste e vários grupos locais ou etnias foram ou são referidos como pertencentes ou relacionados a ela.

Na literatura especializada, existe uma larga discussão sobre os pertencimentos dos grupos indígenas do sertão à família cariri ou a outras famílias como a Tarairiu. Historicamente, esses grupos aparecem denominados de modo genérico como Tapuias e podem ser vinculados ao tronco macro-jê. Atualmente Minas Gerais possui 467 quilombos levantados pela relação do Cedefes. Esse salto se deu quando as comunidades negras começaram a tomar conhecimento do direito ao território legado por seus antepassados e solicitaram o reconhecimento, além de muitas prefeituras municipais que passaram a também fazê-lo após a instituição do Programa Brasil Quilombola do governo federal. O programa destina recursos exclusivos para essas comunidades, e as administrações municipais têm usufruído desses recursos, que muitas vezes não chegam aos beneficiários legítimos, conforme sustenta o antropólogo João Batista de Almeida Costa, da Unimontes.

*Professor MSc. Flávio José Gonçalves, Colaborador de Quilombos do Norte de Minas – São João do Paraíso (MG), contratado pelo prefeito de São João do Paraíso (MG), Sr. Manoel Andrade Capuchinho, para a realização de laudos antropológicos. O professor atua como coordenador da pesquisa na Comunidade Quilombola de Cariri, situada no sudeste deste município.

Fonte: OQ – http://www.koinonia.org.br/oq

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