Marina: a responsabilidade de vinte milhões de votos

Quando lançaram o “Movimento Marina Presidente” aderi de imediato. Marina Silva seria a peça que faltava no jogo político a favor do meio ambiente e dos movimentos sociais. Fiel à posição assumida de impulso ou ao meu subconsciente que ansiava colocar na pauta governista a questão ambiental e social, assisti ao ato da sua filiação ao Partido Verde. Seu discurso foi emocionante.[1]

Telma Monteiro

As frustrações dos movimentos sociais e dos ambientalistas durante o governo Lula decorreram, principalmente, das indecisões ou fraquezas de Marina à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ela nos entregou aos leões e nos levou ao desespero quando descartou a discussão sobre o futuro da Amazônia diante do autoritarismo de Dilma Rousseff, mãe dos Planos de Aceleração do Crescimento (PAC1 e PAC2). Para mim, Marina Silva simplesmente se acovardou quando deixou o ministério.

E com isso, infelizmente, acabamos nas mãos de Carlos Minc, seu substituto no MMA e agora de Izabella Teixeira, a atual ministra. Esse ônus Marina legou aos que acreditaram, ingenuamente, ser possível tratar de desenvolvimento sustentável no governo de Lula que apesar de não ter invisibilizado os movimentos sociais, também não lhes deu o respeito que merecem.

Marina errou e se deixou convencer por argumentos errados em momentos cruciais das nossas lutas, como quando se dobrou ao lobby dos transgênicos ou quando foi enganada quanto à viabilidade ambiental e social das usinas do Madeira. Acreditou na fábula sobre menores impactos ambientais e sociais meramente pela adoção das famigeradas turbinas bulbo e da usina a fio d’água, entre outros engodos. Em ambos os casos ela e assessores ignoraram e descartaram as centenas de provas produzidas pela sociedade civil e acabaram reféns de um modelo de desenvolvimento perverso instrumentalizado com obras faraônicas. Belo Monte é decorrência disso.

Nós precisávamos de Marina Silva como a terceira via, sim, mas dentro do governo Lula, enfrentando a guerra contra a opção por um modelo desenvolvimentista predatório, ao lado das populações tradicionais e a favor da equidade social. A terceira via que ela quis criar com o PV, ao contrário do que esperavam, poderá simplesmente nos fazer retroceder nas questões já avançadas que vão desde exploração dos recursos naturais em terras indígenas até a ressurreição da energia nuclear.

O PV fisiologista, de Gabeira a Zequinha Sarney, ficou eufórico em assumir a responsabilidade de acolher a Marina presidenciável e viveu seus minutos de glória resvalando para a história como receptáculo de um mito descartado. Mas o PV não tem estofo nem para receber a bagagem ética de Chico Mendes que resta em Marina.

Marina talvez tenha acreditado na utopia de reconstrução do conteúdo programático do PV, coagida pelo desafio ou pela fé em alguns dos seus integrantes. Ela não entendeu que é difícil reconstruir aquilo que não existe no PV: conteúdo programático – a palavra certa seria construir e não reconstruir.  Só vimos, mesmo, um esforço pífio para emplacar o tema sustentabilidade e não um anseio de construir um conteúdo efetivo de respeito ao meio ambiente, aos movimentos sociais e aos povos indígenas.

O tal conteúdo programático do PV na campanha de Marina Silva não aprofundou temas como os direitos indígenas e quilombolas, matriz energética, incentivos a fontes alternativas de energia, programas de eficiência energética ou hidrelétricas na Amazônia. Eu tive a oportunidade de testemunhar, em duas ocasiões, em que Marina Silva se limitou a dizer sobre Belo Monte que “movimentos sociais e indígenas estão dizendo que não foram ouvidos”.  Simples semântica. Falar em Belo Monte e posicionar-se publicamente contra sua construção parecia ser blasfêmia!

Marina, ministra, cercou-se de assessores e representantes de ONGs que a seguiram para o PV; depois, já candidata, cercou-se de empresas que precisam explorar a riqueza da Amazônia e o trabalho de comunidades extrativistas. Isso rendeu filiações de pe$o para um partido desacreditado e distante do seu inspirador europeu. O Partido Verde brasileiro que assumiu Marina, ou melhor, assumido por ela, não tem pedigree, não tem sustância e não tem identidade. Fragmentado pelo Brasil em miríades de alianças questionáveis eticamente e dissociadas da causa que deveria defender, o grupo dos verdes é um anátema que ambicionou abrigar o mito e chegar onde não poderia por si mesmo.

Triste, pois, que, com a Marina e suas falas às vezes emocionantes, estivessem também os mesmos já omissos integrantes do seu staff no MMA e coadjuvantes das decisões causadoras de males que a história futura comprovará. Sob a égide da Marina que um dia se inspirou em Chico Mendes, assessores facilitaram o caminho para o licenciamento ambiental de empreendimentos que amargarão a vida de gerações futuras, cujos direitos a ministra do meio ambiente, reverenciada internacionalmente,  deveria ter defendido.

A tentativa do Partido Verde de chegar à presidência com Marina, por enquanto, virou pó e poderá catapultar ao poder interesses que condenarão ecossistemas e povos tradicionais, os mais fragilizados, à derradeira destruição. Marina é ingênua e crédula? Sonhadora e ética?

Marina Silva terá que mostrar autoridade, firmeza e coragem para desfazer os erros que cometeu em momentos cruciais e resgatar a dívida que contraiu como ministra. Terá também que honrar a responsabilidade que adquiriu ao receber quase 20 milhões de votos. Por sua vez, o Partido Verde quer renascer das cinzas do verde que pouco defendeu ao apresentar uma “plataforma programática mínima” aos candidatos à presidência.

[1] Esse texto é reedição de outro, de minha autoria, intitulado “Marina errou em momentos cruciais” publicado em setembro de 2009

Comments (2)

  1. Telma,
    gostei muito do artigo, revelador de várias coisas – seria importante apontar quais membros do Staff de Marina foram também adjuvantes ou operadores de quais licenciamentos.
    De outra forma, é importante entender como e quais setores do atual governo agiram e co-agiram para que estes programas tenham tido o “sucesso” ou o licenciamento que tiveram. O MMA não é uma instância isolada e com poderes ilimitados – o que permite diante de certas circunstâncias, que o/a titular renuncie ao cargo de confiança – o que aliás foi bem questionado por Plínio de Arruda Sampaio. Então… falta completar a análise, dando ao leitor uma percepção mais completa dos demais atores governamentais que subscreveram estes feitos – ou você acredita que foram obra exclusiva do MMA na gestão Marina?! É possível que ela tenha aguentado esse tranco, para salvar coisas “maiores”, se é que salvou – e talvez fosse hoje presidenta eleita no primeiro turno, se tivesse saido fora há mais tempo.
    As circunstâncias destas realizações, tenho a impressão, foram coordenadas pelo Palácio do Planalto, fazendo mais ouvidos a outros setores governamentais.
    Um abraço,

  2. Faltou considerar muita coisa nessa avaliação. Foi o presidente quem tirou da Marina o rumo da amazônia colocando nas mão de uma pessoa mais que despreparada, o Mangabeira. Para piorar, Dilma et all, com o PAC, tento o ambiente como um entrave ao desenvolvimento. Não havia outra saida a Marina senão deixar o barco. O apoio que ela teve no começo, e que possibilitou diversas ações que até hoje impactam positivamente a amazônia positivamente se esvaia na força do desenvolvimento a qualquer custo, da pressão da balança comercial e da forma como nosso presidente, com todos os méritos que sei que tem, vê o meio ambiente. Ficam ainda algumas perguntas, a primeira que faria é: quanto tempo você acha que uma ação voltada a combater o desmatamento na amazonia teria efeito? Será que a queda dos indices de de desmatamento são consecução das açoes do MInc (o carimbador maluco) ou da burocrata de plantão hoje no ministério? Não, é força inercial de açoes estruturantes de uma outra ministra que veio antes deles.
    Mas o mais triste do texto é ver que em função de uma avaliação política, a autora joga na lata o trabalho de pessoas e instituições sérias.

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