JFPB determina a reintegração de posse aos índios potiguaras de Rio Tinto

Um dos mais antigos processos em tramitação na 2ª Vara da Justiça Federal na Paraíba, datado de 1990, teve sua sentença prolatada, no mês passado, pelo juiz Rogério Roberto Gonçalves de Abreu, substituto daquele Juízo. Trata-se da ação ordinária 90.366-0, de autoria da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Paraíba contra indústrias e empresários que se instalaram em área de reserva indígena, no município de Rio Tinto. Na sentença, o magistrado determina a desocupação das terras por parte dos réus e a consequente reintegração de posse pelos potiguaras.

Ele julgou procedentes os pedidos fundamentados pela Funai e pelo Ministério Público Federal em benefício dos índios da aldeia indígena Jacaré de São Domingos e improcedentes todos os pedidos contrários formulados pelos industriais, reconhecendo a prática de posse irregular.

No início da sentença, o juiz declarou o julgamento de 3 processos conjuntamente, devido a conexão existente entre eles. Além do 90.366-0, também foi sentenciada a ação ordinária de nº 93.8204-3, que tem como autores a Rio Vermelho Agropastoril, a Destilaria Miriri e a Usina Nossa Senhora de Lourdes contra a União, a Funai e a comunidade indígena de Jacaré de São Domingos.

O outro processo julgado (94.11346-3), trata-se de uma ação possessória movida pelo Ministério Público Federal na Paraíba, Funai e União contra os empresários e indústrias instalados na região. Nas ações movidas pela Funai e MPF, os réus são Emílio Acioli de Morais, Fernando Régis Filho, Luís Franco da Rocha, Francisco Xavier de Andrade, João Rozendo de Menezes Filho, Aniano Vijuela Di La Cal, Rio Vermelho Agropastoril, Geraldo Cavalcanti de Morais Sobrinho, Destilaria Miriri, Rival Neves Bastos, entre outros.

No relatório da sentença, a Funai argumenta que os índios da tribo Potiguara habitam a localidade de Jacaré de São Domingos, no município de Rio Tinto/PB, desde a época do descobrimento do Brasil, ou seja, ocupam o litoral nordestino – mais precisamente os estados do Rio Grande do Norte e Paraíba – desde o século XVI, espalhando-se por 400 léguas de costa entre a Paraíba e o Maranhão.

“O Mapa de Cantino, considerado um dos mais antigos documentos sobre o descobrimento do Brasil, publicado em 1502, indica o Rio Paraíba, à época denominado de São Domingos. Por sua vez, no mapa Terra Brasilis, publicado em 1519, já aparece a indicação acerca da Baía da Traição. Em 1549, uma carta escrita por Gonçalo Coelho ao Rei de Portugal já denominava a costa do litoral paraibano como Costa dos Potyguara”.

O relatório acrescenta ainda que “com a conquista definitiva da Paraíba pelos portugueses, iniciou-se o processo de catequese dos índios. Em documentos do século XVIII, surgem referências ao aldeamento de Montemor ou Preguiça, oriundo de uma dissenção interna do aldeamento de Baía da Traição. O relatório dos Negócios da Agricultura de 1861 informava que havia duas aldeias na Paraíba, uma delas era a Montemor, habitada por cerca de 150 indígenas e cujas terras estavam em parte arrendadas a terceiros. Em outubro de 1866, Antônio Justa Araújo comunicou oficialmente haver concluído a demarcação da sesmaria de Montemor e iniciada a medição do perímetro da Baía da Traição”.

De acordo com a sentença, “os réus ocupam parte das terras indígenas de Jacaré de São Domingos em Rio Tinto/PB, inclusive com títulos de domínio, matrículas e demais elementos imobiliários registrados, os quais, utilizando-se de meios ilícitos e de titulação dominial nula de pleno direito, invadiram áreas de terras localizadas no interior dos limites da Colônia Indígena de Jacaré de São Domingos, ficando caracterizado o esbulho das terras de usufruto indígena”.

No mérito da ação, o juiz Rogério Abreu disciplinou a ocupação das terras, resguardando o direito dos silvícolas sobre as áreas demarcadas pela Funai e homologadas por decreto presidencial, concedendo um prazo de 60 dias para os réus desocuparem os espaços indevidamente utilizados, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 para pessoa jurídica e de R$ 100,00 para pessoa física, em caso de descumprimento da sentença. “As terras ocupadas pelos índios na região foram demarcadas e a eles entregues, constituindo a “Reserva Indígena Potyguara”, devidamente demarcada pelo Decreto n. 89.256/1983 e, consequentemente, foi reconhecido aos silvícolas o direito sobre a área que ocupavam”.

Na sua fundamentação, o magistrado enfatizou que nas três ações conexas, “podemos observar um mesmo núcleo de argumentos de parte a parte: a titularidade do direito de propriedade, o exercício legítimo do direito de posse, a existência de elementos invasores e a ilegitimidade da ocupação da contraparte”. Segundo o juiz, o ponto controvertido não está no fato de uns e outros estarem ou não a ocupar aquele espaço de terra, mas na legitimidade dessa ocupação.

Para a decisão, o juiz federal Rogério Abreu investigou os fatos através de estudos históricos. “Exatamente por isso que cada parte, em sua pretensão e resistência, trouxe aos autos inúmeras referências a estudos e pesquisas de diversos profissionais para a reconstrução da história das terras daquela localidade. Esses estudos, assim, haveriam de servir – e efetivamente serviram – de base para o esclarecimento de eventuais pontos controvertidos na narração empreendida por cada um dos litigantes”.

De acordo com esses estudos históricos sobre o tema, trazidos aos autos pelas partes, as terras em que habitavam os índios da tribo Potiguara na localidade conhecida como Sesmaria de Montemor foram demarcadas e loteadas, sendo os lotes entregues às famílias indígenas. “Essas terras teriam sido, nos anos seguintes, alienadas a terceiros, desaparecendo completamente a aldeia indígena de Jacaré de São Domingos”.

O processo concluiu que as terras loteadas por Antônio Gonçalves da Justa Araújo foram concedidas às famílias indígenas da antiga Sesmaria de Montemor. “A natureza indígena das populações que habitam a aldeia de Jacaré de São Domingos restou devidamente atestada pelos estudos técnicos antropológicos realizados pela FUNAI”. Segundo a sentença, a posse realmente legítima é aquela exercida pelos habitantes indígenas da região, embora a propriedade imobiliária seja da União.

http://www.jfpb.gov.br/site/det_noticias.asp?chave=656

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.