Nos deixem viver! – manifesto do Conselho da Aty Guasu Kaiowa Guarani

O documento abaixo foi publicado pela Adital como anexo ao texto de Egon Dionísio Heck, uma vez que foi resultado, inclusive, do encontro na Terra Indígena Sassoró, município de Tacuru. Pela sua importância e contundência, entretanto, opto por dar-lhe destaque, divulgando-o em separado.  TP.

Nós do Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani queremos externar ao Brasil e ao mundo nossa dor e sofrimento, esperanças e propostas de vida. Estivemos reunidos na comunidade de Sassoró, município de Tacuru, que tem um sentido muito importante para nosso povo. Foi aqui que há poucos meses foi aprovado pela câmara dos vereadores, a língua Guarani, como cooficial. Neste lugar, há dois anos, os nhanderu abençoaram e enviaram os membros dos Grupos de Trabalho para que cumprissem sua importante missão de identificar todas as terras do nosso povo no Mato Grosso do Sul. Este é um dos poucos, senão o único município que tem um indígena na presidência da Câmara dos vereadores. É a partir daqui que decidimos lançar nosso grito pela vida: nos deixem viver! Reconheçam e demarquem nossas terras! Não continuem assassinando nossas lideranças! Não deixem impunes os assassinos de nossos parentes! Não matem a terra e os animais! Não destruam o pouco que resta de mata nativa! Não poluam e matem nossos rios que correm sobrem a terra como o sangue que corre em nossas veias! Esse é o nosso grito de vida!

Lamentamos que o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, não esteja sendo cumprido, dentro do cronograma de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani. Já se passou mais de um ano em que deveriam estar publicados os relatórios de identificação. Queremos denunciar a ação criminosa daqueles que estão impedindo a demarcação de nossas terras rasgando assim a nossa Constituição. Caso continuem essa ação certamente passarão para história como genocidas, como negadores da vida do povo Kaiowá Guarani.

Aos nossos amigos de todo o mundo solicitamos que antes de consumir etanol, açúcar, soja, verifiquem a origem e forma de produção, pois poderá estar embebidos de sangue Kaiowá Guarani. Entendemos que antes de continuar com grandes investimentos internacionais no Mato Grosso do Sul, se deverá definir e respeitar as terras dos povos originários dessa região. O atual modelo de desenvolvimento na região dificulta cada vez mais o reconhecimento de nossos territórios, uma vez que aumenta o valor de mercado das terras e os grandes investimentos tornam cada vez mais difícil o reconhecimento das nossas terras. Achamos inadmissível que o governo federal não demonstre maior empenho para que efetivamente sejam reconhecidas nossas terras.

Em conseqüência disso temos estatísticas que apontam para a morte de um parente nosso por semana, em decorrência da violência externa e interna a que estão submetidas nossas comunidades. Isso indica um quadro proporcionalmente pior do que regiões em guerra pelo mundo afora. É um absurdo vermos nossos irmãos enchendo as cadeias da região, sendo criminalizados, enquanto os matadores de nossas lideranças continuam impunes.

Os confinamentos superpovoados, como Dourados, Amambai, Caarapó, Porto Lindo, dentre outros, se encontram submetidos a uma violência diária que não é mais possível agüentar. Exigimos providências urgentes e eficazes, que começam com a volta dos inúmeros grupos familiares aos tekoha, terras de onde foram expulsos e passam ter políticas públicas, que precisam ser discutidas com nossas comunidades.

Queremos medidas urgentes para localizar o corpo do professor Rolindo foi sumido no tekoha Ypo’i, quando os pistoleiros e fazendeiros assassinaram também o professor Jenivaldo e espancaram vários dos Kaiowá Guarani que voltaram para sua terra. Que os responsáveis por esse crime infame sejam punidos e que a comunidade possa voltar à sua terra em breve.

Dirigimos nosso apelo a todas as pessoas e organizações que lutam pelos direitos e pela vida dos povos nativos, indígenas, no mundo inteiro. Mas de maneira especial nos dirigimos à Organização das Nações Unidas, que há pouco tempo aprovou a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, que o Brasil assinou. Não adianta ter bonitas leis que só ficam no papel. Venham ver e sentir a dor da nossa gente e da nossa terra. Venham nos visitar nos acampamentos à beira da estrada, nos confinamentos, nos barracos onde sobrevivemos em meio a muita necessidade, mas com muita dignidade e esperança.

Estamos reunidos durante a copa do mundo. Torcemos muito para que seja feito o melhor gol que esperamos a dezenas de anos: a demarcação de nossas terras para podermos voltar a viver em paz. Também estamos perto de mais uma eleição. Não queremos políticos de promessas, mas proposta clara de respeito a nossos direitos e devolução de nossos territórios. Para isso estamos discutindo nossas políticas com nossos políticos. Chega de sermos usados e enganados!

Com a força, sabedoria e reza dos nossos nhanderu, com o fortalecimento da nossa cultura, com nossas professores e agentes de saúde cada vez mais lutadores pelos nossos direitos e nossa vida, com nossas lideranças cada vez mais conscientes e organizadas, vamos seguir nosso caminho de conquista de nossos direitos, da terra sem males.

Cada vez mais unidos e organizados, com sempre mais amigos e aliados no Brasil e no mundo, temos a certeza de que justiça será feita, reconquistaremos nossas sagradas terras, o finalmente, poderemos de novo viver em paz nesse país “tão grande e tão pequeno para nós”, como afirmava Marçal de Souza Guarani, assassinado em 1983, por lutar pela terra do nosso povo.

Terra Indígena Sassoró, município de Tacuru, 20 de junho de 2010

Conselho da Aty Guasu Kaiowa Guarani

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.