Massacre de Carajás: passados 14 anos, Amazônia ainda é palco de violência no campo

Fotos: site Bico do Papagaio - Agricultura familiar em assentamento do MST no Pará
Local: São Paulo – SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br

Fabíola Munhoz

No próximo sábado será lembrado o Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996, com a morte violenta de 19 militantes da reforma agrária no Pará.  Até hoje, o caso permanece impune.  Dos 144 acusados julgados, apenas dois foram condenados, o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, mas ambos aguardam, em liberdade, a análise de recurso à sentença.

A comoção despertada por esse episódio fez com que ele se tornasse o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária no Brasil, por meio de lei aprovada em 2002 durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

“O massacre foi um crime emblemático de todos os processos de violência que ocorrem no campo brasileiro.  Foi um crime organizado pelo Estado, que demonstra uma alteração na natureza da luta de classes no campo.  Durante muito tempo, houve disputa por terra entre os camponeses e os jagunços dos grandes proprietários.  A partir de Carajás, houve maior repressão do movimento sem-terra por parte do Estado, que desencadeou no assassinato de Corumbiara, em 1995, e Carajás em 1996”, conta Ulisses Manaças, membro da coordenação regional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), no Pará.

De acordo com ele, de 1985 a 2009, houve 1500 assassinatos no campo entre trabalhadores, lideranças populares, religiosos e advogados dos movimentos sociais.  No Pará, em específico, 686 trabalhadores foram assassinados nos últimos 20 anos.Para o coordenador e assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT), José Batista Gonçalves, na data que relembra o massacre de Carajás, os movimentos camponeses são chamados a fazer uma articulação mais forte de atração da opinião pública para a necessidade de mudança do atual modelo de desenvolvimento econômico do país.

“É ocasião para se fazer um chamado de que é preciso respeitar um outro modelo de desenvolvimento, que está em curso na Amazônia há séculos, e é baseado no extrativismo, no convívio das populações com a floresta e na economia camponesa da região.  É preciso haver respeito por essa economia e incentivo ao seu fortalecimento”, afirma.

Ele também defende que o dia seja voltado à denúncia de projetos do capital, que têm causado conflitos sociais e danos ambientais na região amazônica, como a produção de gado, soja, eucalipto e outras monoculturas, além de empreendimentos mineradores, como os liderados pela empresa Vale, especialmente no Pará.

Outras ações que devem ser combatidas, segundo Batista, partem do Estado e de seus investimentos em obras que têm como objetivo viabilizar os grandes projetos econômicos, como a construção de hidrelétricas, hidrovias, portos e aeroportos, e a restauração de estradas federais.

“Os pequenos agricultores que viviam na região foram expulsos para dar lugar a esses grandes projetos, o que causa tensionamento e ampliação dos conflitos, já que famílias são retiradas de suas terras sem terem seus direitos respeitados”, explica.

Manaças concorda que os confrontos são causados pela opção do governo federal por privilegiar os grandes proprietários e detentores de capital.  “O modelo agroexportador, que concentra terras, maquinário e usa agrotóxicos, recebe 6 vezes mais recursos que a agricultura familiar, sendo que essa emprega 74% da mão-de-obra brasileira do campo e produz 70% dos alimentos consumidos no país”, afirma.

Ele diz que, infelizmente, o governo federal optou por apoiar o modelo de agricultura de exportação, que busca atrair divisas para o país, com um custo grave de destruição dos biomas brasileiros, como a Amazônia.  “A região amazônica é a última grande fronteira a ser aberta pelo agronegócio no país.  Há necessidade de se desenvolver uma agricultura sustentável para essa área”, defende.

A concentração dos conflitos e mortes do campo no Estado do Pará, segundo o militante do MST, tem causas históricas, como a ocupação violenta e irregular do território, impulsionada pelo Estado, e ausência de políticas públicas.  “O aumento dos conflitos no Pará é decorrente do deslocamento de projetos de ocupação irregular do território amazônico liderados por grandes mineradoras, como Vale e Alcoa, contra as populações que já viviam na região e são vistas- assim como a floresta-, como obstáculo”, diz Batista.

Permanência dos conflitos

Para Batista, da CPT, embora com a repercussão de assassinatos, como o da missionária Dorothy Stang e o de Chico Mendes, tenha sido dada maior publicidade aos problemas amazônicos, com o aumento do apoio às vítimas da violência no campo por entidades ambientalistas e outros movimentos sociais, essa comoção não tem sido suficiente para conter a expansão dos conflitos.

“Como advogado, sou ameaçado por enfrentar os interesses dos poderosos.  Mas, mais ameaçados são os trabalhadores que são mais vulneráveis e não recebem proteção do Estado”, afirma.  Ele também diz que, apesar da recente condenação de Bida, um dos mandantes do assassinato de Dorothy, o Judiciário no Brasil, e especialmente da Amazônia, continua sendo um poder conservador e reacionário, que defende os grandes interesses.

Manaças concorda.  “No ano passado, houve diminuição do número de assassinatos no campo, mas cresceu o número de conflitos, de repressão policial e tentativas de assassinatos.  Esse quadro permanece por causa de tentativas de entidades reacionárias, como a CNA [Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária], de criminalizar os movimentos sociais”.

Manistação durante enterro do líder sem-terra Dezinho, em Rondon (PA), no ano de 2000

Criminalização dos movimentos sociais

De acordo com a CPT, o crescimento de conflitos e violência no campo se insere num contexto nacional de crescente criminalização dos movimentos sociais.

No âmbito do Poder Judiciário, a entidade destaca a figura do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que, no início de 2009, acusou publicamente os movimentos de praticarem ações ilegais e criticou o Poder Executivo pelo repasse de recursos públicos ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.  De acordo com a CPT, essa postura forneceu munição para a bancada ruralista do Congresso Nacional criar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do MST.

Quanto ao Poder Legislativo, foram apresentados mais de vinte (20) projetos de lei e propostas de fiscalização que, direta ou indiretamente, criminalizam os movimentos agrários ou visam impedir avanços na política agrária. O primeiro deles é a PEC 361, de 2009, que pretende estender as competências constitucionais relacionadas à política fundiária para Estados, Distrito Federal e Municípios. Outros projetos propõem transferir competências do Executivo Federal para o Congresso Nacional como, por exemplo, a decisão sobre desapropriações por interesse social, ou a aprovação dos índices de produtividade da terra.

No plano do Poder Executivo, em 2009, foram dados incentivos à expansão e ao avanço do capital por novas áreas, em detrimento dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Como exemplo, a CPT aponta a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, de modo particular a de Belo Monte, no rio Xingu (PA), que enfrenta oposição das comunidades afetadas pela obra.

Ações previstas para a data

Neste ano, no Estado do Pará, o MST realiza duas ações: um acampamento pedagógico da juventude, que começou no último dia 10 e vai até o dia 17, no KM 4, em Eldorado dos Carajás (entrada do Assentamento 17 de Abril), e outro acampamento em Belém, que começa hoje a vai também até o dia que relembra o massacre de 1996.

Programação do Acampamento da Juventude

Dentre as principais atividades estão debates e estudos.  De acordo com Márcio Jandir, do coletivo estadual de juventude do MST Pará, haverá leitura e discussão sobre o momento histórico-político enfrentado pelos jovens, apontando perspectivas e desafios para a construção de um projeto popular. Também haverá debate sobre esse projeto nos eixos da educação, dos valores, do trabalho e da articulação campo/cidade entre a juventude.

Em Belém

Na capital, será montado um grande acampamento na Praça Mártires de Abril, com 1000 pessoas.  A jornada, com o tema: “Luta por Reforma Agrária e Justiça Social” será uma ação construída coletivamente pelos diversos movimentos e organizações sociais existentes nas regiões norte e nordeste do Estado, com a participação de Movimento dos Ribeirinhos das Ilhas e Várzeas de Abaetetuba (Moriva), Movimento Sem Teto Urbano (MSTU), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Consulta Popular.

Tradicionalmente realizado em Belém, o acampamento terá em sua programação a Assembléia Popular, com o objetivo de debater os desafios dos movimentos sociais na Amazônia e a construção de um Projeto Popular. Dentre os problemas para a concretização da reforma agrária que serão discutidos estão a criminalização dos movimentos sociais e os modelos predatórios de desenvolvimento da Amazônia, como a UHE de Belo Monte.

O MST também reivindicará suas demandas para as áreas de acampamentos e assentamento junto aos órgãos públicos, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=351711

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