OEA demonstra preocupação com indígenas afetados por obras brasileiras na Amazônia

IIRSA

(Reportagem de João Peres, publicada pela Rede Brasil Atual, 29-03-2010)

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) classificou de “muito preocupante” o informe que recebeu a respeito do deslocamento forçado de milhares de pessoas devido aos megaprojetos de infraestrutura em curso na América do Sul. A entidade integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) manifestou atenção especial à Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), projeto comum entre doze países do subcontinente.

As maiores ações da IIRSA são de iniciativa do Brasil, muitas delas cortando a Amazônia e os Andes para chegar ao Pacífico. Há hidrelétricas e corredores bioceânicos que sempre despertaram alerta entre entidades que visam a preservação dos principais ecossistemas regionais.

A Rede Jurídica Amazônica (Rama), responsável pelo pedido de audiência durante o último período de sessões da CIDH, reclamou que os povos indígenas amazônicos não são ouvidos a respeito dos projetos. Para a instituição, isso representa uma violação à Constituição brasileira – e a de outros países –, que prevê o direito dos povos originários a seus territórios. Além disso, o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata especificamente dos direitos indígenas.

“É um tema de grande interesse para a comissão porque afeta os grupos indígenas. No meu caso, minha preocupação especial é com os meninos e meninas indígenas, que sofrem extremamente com esse processo”, afirma Paulo Sergio Pinheiro, primeiro vice-presidente da CIDH.

O tema ganhou espaço durante as sessões, a ponto de ser citado no relatório final. Em comunicado, a comissão manifestou que é “especialmente alarmante que em muitos casos estes projetos se executam sem consulta prévia aos povos indígenas afetados e sem medidas suficientes para proteger seus territórios ancestrais.”

Como lembrado pelos representantes da Rama, no caso brasileiro o financiamento e até mesmo as empresas participantes são definidos antes mesmo que se apresente o devido Estudo de Impacto Ambiental (EIA), gerando pressão sobre o Ibama, responsável por tal relatório, e tornando praticamente inviável parar uma obra que se mostre nociva ao meio ambiente e aos seres humanos.

A IIRSA é uma iniciativa de 514 projetos cujo orçamento inicial foi estimado em US$ 69 bilhões. Um entre muitos que geram preocupação é a rodovia Rio Branco – Cruzeiro do Sul – Pucallpa (Peru), que gera o deslocamento da população Ashankinka, que habita a região fronteiriça entre Acre e Peru.

Desprotegidos

Há relatos que dão conta de que esta etnia resistiu desde os tempos incaicos até as tentativas de exploração madeireira na segunda metade do século XX, e agora pode se ver prejudicada pelos projetos expansivos.

A Rede Jurídica Amazônica alerta que, apenas em parte da área de projetos da IIRSA, há 23 povos indígenas afetados e 11 áreas que são de proteção ambiental. David Cordero Heredia, advogado da Fundação Regional de Assessoria dos Direitos Humanos, aponta que o Brasil tem não apenas princípios constitucionais, mas decisões judiciais nas quais deve embasar sua posição de proteção aos indígenas.

“O direito constitucional sul-americano é complexo. Tem o reconhecimento de direitos à coletividades e ao mesmo tempo tem esse tipo de resíduo de uma época extrativista, vigentes ainda. Quando há essa tensão, deve-se ponderar cada caso e isso implica o reconhecimento da integralidade dos direitos envolvidos. Não poderíamos dizer que há uma resposta absoluta sobre o tema”, destaca.

A CIDH reforçou que há convenções americanas que obrigam o Estado a pedir autorização dos indígenas sobre cada projeto que possa lhes afetar. “Além disso, a comissão observa com preocupação a debilidade nas ações de proteção dos territórios ancestrais, o que coloca os povos indígenas em uma situação permanente de vulnerabilidade ante os interesses de terceiros.”

Os “interesses de terceiros” também são chamados de ação empresarial. Se há megaprojetos, obviamente, há empreiteiras de olho nos lucros. Os responsáveis pelo pedido de audiência pública reclamam que, em muitos casos, a existência de estudos não garante a lisura do processo devido a pressões sobre órgãos governamentais.

“Um processo de consulta prévia tem de cumprir um requisito fundamental, que é ser levado com boa fé. Quer dizer, que ajude o entendimento claro das circunstâncias em que um Estado vai tomar uma decisão, que é uma decisão fundamentalmente política, e que também permita incorporar a visão dos afetados, tratando de construir um consenso”, pontua Mario Melo, da organização Pachamama, do Equador.

Efeitos diversos

O BNDES é o grande financiador do IIRSA – direta ou indiretamente, através de órgãos de fomento regionais dos quais é o principal acionista. Por isso, como contrapartida, exige que os países contratantes fechem parceria com uma empresa brasileira para tocar as obras.

Em entrevista à Rede Brasil Atual em abril de 2009, Eduardo Gudynas, analista do CLAES D3E, um centro de pesquisas sobre desenvolvimento sustentável na América Latina com sede em Montevidéu, criticou a falta de transparência do banco e as intenções brasileiras.

“Os projetos de conexão que promovem a iniciativa, e dos quais o Brasil participa, estão orientados a saídas exportadoras para os mercados globais, e não têm por finalidade a integração com os vizinhos. Em outras palavras, Brasília está olhando para Pequim, Bruxelas ou Washington, já que ali estão seus mercados de destino (…) Não podemos confundir interconexão, como uma ponte internacional, com a integração com os vizinhos. São conceitos muito diferentes”, afirma.

Outro que tece críticas à IIRSA é o sociólogo peruano Roberto Espinoza. Durante passagem este ano pela semana de abertura do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, ele deixou claro que acha estranho o fato de a iniciativa ser pouco conhecida pelos brasileiros. Espinoza aponta que projetos para gerar energia ao Brasil provocam o deslocamento de comunidades indígenas no Peru, que não vão desfrutar em nada os resultados.

“Como dizemos no Peru, é um negócio a três dentes. Ganha o BNDES, emprestando US$ 2,2 milhões para uma hidrelétrica que não foi solicitada pelo povo. Ganham as empresas construtoras, que são brasileiras. E a energia vai para São Paulo, ficando uma ínfima quantidade para o Peru que, por sua vez, fica com o desmatamento, que contribui para o aquecimento global. As pessoas pressionam para que, antes que façam o relatório de impacto ambiental, assinem a compensação”, manifestou.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=31097

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