Lideranças indígenas Guarani, Kaiowá, Terena e Kadiwéu reunidas em Campo Grande (MS) com a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), Maria do Rosário, entregaram na segunda-feira, 25, uma carta endereçada ao governo federal. Entre outros pontos, o documento exige o afastamento de dois delegados da Polícia Federal (PF) de Dourados, e que o governo “interceda imediatamente de maneira enérgica com um plano de segurança para os povos indígenas” do estado.
Na carta, os indígenas resgatam o histórico recente de ataques, ameaças e despejos sofridos pelas comunidades e responsabilizam a morosidade do governo federal na demarcação das terras indígenas como principal causa dos conflitos e violências. “Estamos todos cercados”, dizem os indígenas, quando denunciam o envolvimento das polícias civil e militar e da imprensa com o poder econômico local.
Leia o documento na íntegra
Carta dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul ao Governo Federal
Nós, representantes dos povos indígenas, caciques e lideranças Guarani Ñandeva, Guarani Kaiowá, Terena e Kadiwéu, representantes do Conselho do Povo Terena, Conselho do Aty Guasu, do Conselho Continental da Nação Guarani (CCNG), Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reunidos em Campo Grande, vimos a público exigir que o Governo Federal interceda imediatamente de maneira enérgica com um plano de segurança para os povos indígenas no Mato Grosso do Sul.
No último período, as comunidades indígenas da região sofreram ataques inaceitáveis. Os Kadiwéu, cuja terra indígena foi demarcada há mais de 100 anos e homologada há quase 30, tem ao menos 23 fazendas incidindo sobre seu território. No segundo semestre do ano passado, a Polícia Federal realizou reintegrações de posse na área em função de uma liminar da Justiça Federal concedida a fazendeiros. Neste contexto, ameaças e ataques de pistoleiros contra lideranças indígenas foram e são recorrentes.
Em janeiro, famílias Terena da terra indígena Buriti, com 17 mil hectares declarados como território tradicional indígena em 2010 pelo Ministério da Justiça, mas apenas 2 mil ocupados, sofreram ataques de jagunços de fazendeiros. Os conflitos advém da morosidade do Estado em promover a demarcação física dos limites da terra e os sucessivos passos para a homologação do território.
As violências constantes contra os povos Guarani e Kaiowá revelam na dor do nosso povo a incapacidade do governo de demarcar nossas terras e de proteger nossas comunidades. Somente esse ano foram contabilizados ao menos 10 ataques de pistoleiros e fazendeiros contra acampamentos indígenas, culminando na execução do jovem Kaiowá Denilson Barbosa, de 15 anos, do tekoha Tey’ikue, em Caarapó, cujo assassino é o confesso proprietário de uma fazenda vizinha à aldeia.
Além da perseguição de fazendeiros, seguranças e jagunços, também sofremos quando há envolvimento da polícia civil e militar – via de regra comprometida com o latifúndio. Também sofremos o descaso e a difamação nos veículos da grande imprensa local que está a serviço dos fazendeiros e do agronegócio no Mato Grosso do Sul. Estamos cercados, em todos os sentidos.
Exigimos que todos os casos relacionados a direitos indígenas sejam tratados, investigados e julgados pela Justiça Federal e Polícia Federal. Exigimos que o Governo Federal garanta a segurança plena de nossas comunidades indígenas em situação de conflito devido a luta por seus direitos constitucionais.
Denunciamos, também, o comportamento declaramente anti-indígena e preconceituoso dos delegados da Polícia Federal de Dourados Chang Fan e Fernando José Parizoto. Após o assassinato de Denilson e os sucessivos ataques de fazendeiros sofridos pela comunidade do Tey’ikue, lideranças Guarani e Kaiowá foram a Dourados discutir um planejamento emergencial de segurança para a comunidade com a PF. Na presença da Fundação Nacional do Índio, o delegado Fernando Parizoto, de forma arrogante e autoritária, negou aos indígenas o auxílio da Polícia, retrucando que os equivocados nessa história eram os próprios Guarani e Kaiowá que, segundo ele, haviam invadido propriedade privada e seriam investigados por isso. Por temermos mais represálias, perseguições e ambos não terem sensibilidade e clareza para lidar com a questão indígena, exigimos que o Governo Federal os afaste do cargo.
A tudo isso, somam-se os ataques anteriores e toda a violência a qual fomos historicamente submetidos e que resultaram em mortes, empobrecimentos, perda de território e de identidade – quadros que são reforçados quando, na prática, governos ignoram nossas demandas.
Por fim, não nos resta outra alternativa a não ser reafirmar a carta de Pyelito Kue. Estamos preparados para morrer em nossas terras. Não vamos desistir nunca. Vamos retoma-lás uma a uma, fazendo nossa autodemarcação. Basta de impunidade, de fazendeiros assassinos andando à luz do dia, enquanto na terra se abre mais uma cova, que destruiu os sonhos de mais um jovem indígena.
Num contexto em que as comunidades e lideranças ameaçadas, mesmo as que estão sob proteção de programas de governo, não tem segurança; em que todos os nossos assassinos e expropriadores continuam impunes; em que não temos acesso à água, comida, saúde, escola e terra; nós exigimos Justiça. Nossos filhos não podem sofrer como nós já sofremos.
Campo Grande, 25 de fevereiro de 2013
Lideranças Terena, Kadiwéu, Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva
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http://campanhaguarani.org/?p=1780
Enviada por Janete Melo.