“Houve um aumento muito grande de consumo de energia nessa região com a instalação de indústrias. No último Plano Decenal de Energia isso fica muito claro. O consumo de energia indústria na região norte pulou de 6,3 para 8,6%. E para se resolver o problema desse consumo de energia constroem hidrelétricas”, descreve.
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Você pode nos falar um pouco sobre o contexto em que está se organizando a construção da Usina hidrelétrica de Teles Pires?
Telma Monteiro – É tão complexo. Os estudos de inventário de Teles Pires datam de 1980. Já o EIA Rima foi entregue em abril deste ano. Mas os estudos começaram e depois foram interrompidos e em 2001 foram retomados por um consórcio formado por duas empresas que finalizaram o relatório. Inicialmente, o estudo previa seis aproveitamentos do Teles Pires, sendo cinco nesse rio e um no Apiacás, que chamam de hidrelétrica Foz do Apiacás. Os aproveitamentos que foram confirmados são:
– São Manoel, com 747 megawatts;
– Teles Pires, que é a que o Ibama acabou de dar o aceite, com 1820 megawatts;
– Colíder, com 342 megawatts;
– Sinop, com 461 megawatts;
– e Magé, com 53 megawatts.
Além disso, está previsto uma potência de 275 megawatts na hidrelétrica de Foz do Apiacás. Então, em 1980 tivemos a análise da bacia do Teles Pires e a retomada, em 2001, foi finalizada em 2005. Esta, aí sim, foi feita pela Eletrobrás, Furnas e Eletronorte. Os estudos de viabilidade foram elaborados por Leme e Concremarte.
A hidrelétrica de Teles Pires está situada bem na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. O barramento deste está bem no limite de uma sequência de cachoeiras ajuzantes conhecidas por Sete Quedas. Só o sistema de transmissão que precisa ser feito para essa hidrelétrica de Teles Pires vai ter mil quilômetros para chegar ao sistema interligado internacional com 20 quilômetros de largura de corredor. A área de influência indireta da hidrelétrica de Teles Pires tem 3.149 quilômetros quadrados. Ela afeta diretamente os municípios de Paranaíta, Jacareacanga e Alta Floresta. No entanto, o EIA Rima considera Paranaíta e Jacareacanga como área de influência indireta e nesses dois municípios é onde estão terras indígenas importantíssimas. Para o documento, a área de influência direta está no entorno de 1610 quilômetros quadrados. A área alagada de Teles Pires será de 333 quilômetros quadrados para produzir 1.820 megawatts de potência instalada e 911 de energia fixa. Não faz sentido se criar um impacto monstruoso nessa região para produzir tão pouca energia. Vivem nesse entorno 79 mil pessoas. A área rural é bastante grande tem 20 mil habitantes, é de difícil acesso e está cercada de vegetação nativa. Imagine o impacto quando chegarem os 40 mil trabalhadores.
O objetivo do governo com esse projeto de ‘desenvolvimento regional’ nada mais é transformar essa região numa produtora de energia – e estamos cansados de saber para onde vai toda essa energia – para indústrias que estão se instalando na região norte. Houve um aumento muito grande de consumo de energia nessa região com a instalação de indústrias. No último Plano Decenal de Energia isso fica muito claro. O consumo de energia indústria na região norte pulou de 6,3 para 8,6%. E para se resolver o problema desse consumo de energia constroem hidrelétricas. Na Amazônia, esses complexos hidrelétricos são considerados energia limpa e renovável, o que não é verdade. A biodiversidade que será perdida não é renovável, os ecossistemas afetados não vão se recuperar, a cultura dos povos indígenas e ribeirinhas será perdida.
IHU On-Line – Você pode falar um pouco sobre a região onde as hidrelétricas podem ser instaladas?
Telma Monteiro – Esse é o grande problema. A região onde estão projetadas todas essas hidrelétricas é limite das terras indígenas Caiabi e Munduruku. A hidrelétrica Teles Pires está exatamente a 50 quilômetros da hidrelétrica de São Manoel que é a juzante. O rio Teles Pires se junta com o rio Juruena e os dois deságuam no que chamam de Tapajós. Imagina aquele bico do Mato Grosso que de um lado é Pará, do outro é Amazonas e embaixo é Mato Grosso. Bem ali se junta o Teles Pires e o Juruena e, a partir dali, o Tapajós entra no Pará. Portanto, Teles Pires está há 50 quilômetros das terras dos Caiabis em direção ao Pará. Ela está localizada bem na divisa de Jacareacanga (no Pará) e Paranaíta (que está no Mato Grosso) e seu reservatório terá 70 quilômetros de cumprimento. Imagina isso! é um absurdo!
Essa é uma região pouco ocupada. O maior problema virá quando for construída a de Teles Pires porque no pico das obras haverá 40 mil empregados trabalhando. Para você conseguir chegar até onde vão fazer a hidrelétrica é preciso andar 990 quilômetros partindo de Cuiabá, e esse é o único acesso que se tem para levar todos os materiais. É uma área, portanto, de floresta e onde há a presença de duas importantes terras indígenas e que não tem acesso. Desses 990 quilômetros, 660 são pela BR 163 e o resto é tudo por vias que não existem ainda, ou seja, são de difícil acesso. Imagina a logística disso tudo. Estão fazendo um conjunto de hidrelétricas no meio do nada para onde serão levados 40 mil pessoas
IHU On-Line – E o povo da região tem conhecimento sobre essa obra?
Telma Monteiro – Não, porque o Ibama acabou de dar o aceite ao EIA Rima e, a partir disso, eles têm 45 dias para marcar as audiências públicas. O Maurício Tolmasquim já afirmou que o leilão será feito em dezembro. Isso é uma loucura!
IHU On-Line – O EIA Rima foi apresentado em abril e aprovado cinco meses depois. O que isso significa?
Telma Monteiro – A coisa transcorreu de forma muito rápida. Todos pensávamos que as usinas do Tapajós seriam as próximas a serem aprovadas e, de repente, o Ibama analisa e dá seu parecer tão rapidamente sobre um EIA Rima tão complexo e imenso. Nós não temos notícias ou documentos sobre complementações pedidas, processo que geralmente ocorre. Todos fomos pegos desprevenidos com relação ao Teles Pires, embora saibamos que esta hidrelétrica estava presente nos planos do governo. O que surpreende é a velocidade com que esse projeto foi analisa e, agora, a urgência que se tem para que seja expedida a licença prévia. Temos 45 dias para as audiências públicas e a previsão é de que o leilão seja feito em dezembro. Isso é uma insanidade.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36873
Na omissão do Poder Público, quem sabe não é a hora das ONGs ingressarem com ações civis públicas (múltiplas) com pedidos liminares? A Lei ambiental e o interesse coletivo (meio ambiente saudável) precisa prevalecer. Barra Grande e Belo Monte são “belos” exêmplos de insensatez, retrocesso,obras eleitoreiras para enriquercer meia dúzia de empreiteiras e investidores. É hora de se mexer, lembrando que as ações civis públicas podem ser ingressadas via fax, gratuitamente, de qualquer parte do Brasil e por ONGs e associações de qualquer tamanho.