“Portaria 303 é golpe aos povos indígenas”

Cacique guarani Werá Kwaray – Aldeia Boa Esperança (Foto: Apoena)

Manaira Medeiros

Uma das principais lideranças Guarani do país, o cacique Werá Kwaray, da aldeia Boa Esperança, em Aracruz (norte do Estado), considera a Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU), um golpe do próprio Estado Brasileiro aos povos indígenas. Para ele, a manutenção das novas regras estipuladas para as terras tradicionais fere a Constituição e a dignidade dos povos indígenas. Werá Kwaray integra o grupo de lideranças que realiza os protestos nacionais cobrando a revogação da portaria e as ações que alertam os organismos internacionais sobre a medida.

“A Constituição não foi feita por meia dúzia de deputados e senadores ruralistas”, pontuou. Para ele, somente Deus pode dizer que os povos indígenas não têm direito a usarem o território destinado a eles, não os governantes da terra, que só querem explorá-la.

Werá Kwaray ressalta ser inconstitucional o que propõe a portaria, principalmente no item que permite intervenções (obras prioritárias do governo federal e do agronegócio) no território indígena sem consulta prévia. E considera a extensão das 19 condicionantes do caso Raposa Serra do Sol (Roraima) aos demais territórios indígenas uma camuflagem aos direitos legítimos de demarcação. “A AGU e os ruralistas se valeram de uma brecha no processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para usarem contra os povos indígenas”, enfatizou.

O cacique Guarani já percorreu vários estados desde que a portaria foi publicada, em junho deste ano. Neste domingo (23), viajou para São Paulo, onde se reúne com coordenadores de outros movimentos indígenas para discutir propostas e decidir as próximas mobilizações. A data da viagem havia sido marcada considerando o prazo final da primeira suspensão da portaria publicada pela AGU, nesta segunda-feira (24).

Mas na última terça-feira (17), uma nova portaria (n°415) suspendeu a anterior, até a publicação do acórdão com a decisão do julgamento dos embargos declaratórios (esclarecimento de sentença) a respeito das condicionantes impostas pela própria Corte, em 2009, para que o território Raposa Serra do Sol fosse mantido em terras contínuas. Ainda não, porém, data para que isso ocorra.

A medida não agrada aos índios, pois não resolve o problema, apenas o adia. Por entender que somente a revogação devolverá a segurança jurídica aos povos indígenas, os protestos serão intensificados em todo o país.

A Portaria 303 proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas e permite a revisão de processos já concluídos, o que pode acirrar os conflitos agrários e a violência contra os índios.

Pelas novas regras, também ficam proibidas a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios, se isso significar a restrição do pleno usufruto e a posse direta da área pelas comunidades indígenas; o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além da cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.

As mudanças ameaçam, após décadas de luta, o território indígena Tupinikim e Guarani em Aracruz, homologado no final do governo Lula, totalizando pouco mais de 18.154 hectares.

PEC 215

Também é motivo de resistência e protesto dos povos indígenas a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a competência exclusivade decidir sobre as terras indígenas, abrindo prerrogativas para as áreas quilombolas e protegidas. A matéria foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, em março deste ano.

Junto com a proposta, estão apensadas outras 11 PECs, que permitem ao Congresso dar a palavra final em processos de demarcação de terras tradicionais e áreas de conservação ambiental. Significa dizer que os parlamentares decidirão sobre as futuras demarcações das terras e ainda poderão ratificar as já homologadas. Essas poderão deixar de existir e não mais serão criadas por atos presidenciais.

A matéria teve como primeiro signatário o ex-deputado Almir Sá (PPB – atual PP), de Roraima, em 2000, mas passou anos nas gavetas da Câmara dos Deputados. No ano passado, foi desarquivada.

No caso de sanção, além das terras indígenas do Estado, estarão ameaçados  os processos de reconhecimento das terras quilombolas do antigo território de Sapê do Norte, formado pelos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, explorados pela Aracruz Celulose (Fibria) e grandes fazendeiros, desde a ditadura militar.

O cacique Werá Kwaray já denunciou as manobras da bancada ruralista no caso da Portaria 303 e da PEC 215 às imprensas da África do Sul, Argentina, Paraguai e Bolívia.

http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=1003

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