Por Luana Luizy, de Brasília
Em audiência na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) a vice-procuradora geral da República Deborah Duprat manifestou ao movimento indígena repúdio à Portaria 303, da Advocacia Geral da União (AGU). “Caso não ocorra uma reação forte contra toda essa conspiração a situação vai piorar”, alertou Deborah.
A vice-procuradora afirmou que sob pressão da Anistia Internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que a consulta prévia e informada é imprescindível aos povos e que, portanto, deve ser um consenso.
“O problema é que todos estes atos administrativos já estão surtindo efeito na prática, todos estão utilizando estes atos contra nós. A minha preocupação é que desde que saiu essas condicionantes, as propostas legislativas estão sendo baseadas nelas para entrar em nossas terras”, afirma Rosane Kaingang.
Presentes no encontro, os servidores da Funai em greve denunciaram a possibilidade da demarcação das terras indígenas passarem pelo Ministério de Minas e Energia e pedem que a presidente do órgão indigenista estatal, Marta Azevedo, dê retratações sobre tal possibilidade.
Os servidores também mencionaram que um relatório de pauta de reivindicações trabalhistas foi entregue à presidência da Funai. No documento denunciam o caos administrativo dentro do órgão e exigem um posicionamento institucional sobre essa questão, assim como orientação da presidência a respeito dos processos de regularização fundiária.
As lideranças indígenas denunciaram ainda que nos bastidores a Portaria 303 já estava sendo articulada. Além disso, já teria sido pautada entre a AGU e Ministério da Justiça, pois caso contrário não haveria um artigo fazendo referência a uma possível regulamentação via ministro da Justiça.
“A portaria foi publicada no Supremo em um contexto da petição 3388, que trata da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A luta agora é para que o Executivo recue e revogue a Portaria”, pontua Cléber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Efeitos da Portaria 303
A portaria pretende estender condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol para as demais terras indígenas. Porém, a decisão dos ministros ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou serem anuladas.
Justificando “flagrante inconstitucionalidade”, juristas, como Dalmo Dallari, e setores do próprio governo federal se levantaram contra a portaria. Durante o contexto de publicação da medida, a presidente da Funai, Marta Azevedo, revelou estar sendo pressionada. Para o movimento indígena e indigenista, justamente pelos interesses e interessados que articularam a iniciativa da AGU.
Isso porque a Portaria 303 determina, entre outras medidas, que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos. Por um mero instrumento, a AGU desconstrói o direito constitucional indígena de usufruto exclusivo da terra de ocupação tradicional.
Desconsidera, assim, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004. Para os indígenas, o governo federal é cínico ao não revogar a portaria, publicada no momento em que os povos indígenas são chamados para “dialogar” sobre a promoção e a proteção dos direitos indígenas no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e para regulamentar a Convenção 169.
Por fim, a Portaria 303 determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – ou melhor, ainda não decidiu.
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