Um mês sem a sensibilidade e inteligência do companheiro Egídio Brunetto

Por Vanessa Ramos*

O céu estava claro, onde uma grande festa acontecia sob o calor de dezembro, no Mato Grosso do Sul. Ônibus e carros chegavam e não paravam de chegar.

Era gente do Brasil todo para prestigiar a festa que uma liderança indígena realizava para casar a sua filha, chamada Atiliana, uma indígena da tribo Terena, com o camponês e militante Sem Terra Egídio Brunetto.

O ano da união de uma indígena com um Sem Terra foi 1995. Dez anos antes, no dia 25 de maio de 1985, o MST realizou a primeira ocupação no município de Abelardo Luz, em Santa Catarina.

Como não podia ser diferente, Egídio estava lá. Por ser um jovem ativo, liderou a primeira comissão de negociação de despejo e assentamento das famílias acampadas. E assim iniciou a sua bela trajetória dentro do Movimento.

Filho de camponeses Sem Terra, Egídio nasceu em 8 de novembro de 1956. Começou a trabalhar na roça ainda criança para ajudar o pai. Como muitos jovens camponeses, a indignação cresceu junto dele e logo descobriu que a única solução para resolver os problemas sociais e agrários do Brasil era a luta. Assim, não demorou muito para se envolver com a Pastoral da Terra, na região de Xanxerê, município de Santa Catarina.

Ainda na década de 80, foi para o Mato Grosso do Sul lutar pela Reforma Agrária e por mudanças sociais. Lá conheceu Atiliana, com quem teve o filho Giovanni Ernesto, uma homenagem ao seu pai e ao Che Guevara. Era 2 de maio, domingo do Dia das Mães. “E lá estávamos na maternidade. Ele todo orgulhoso dando entrevista, levou a repórter até meu quarto e também falei um pouco da importância desse papel de ser mãe e, assim, se mostrou companheiro, sempre cuidadoso.

Levantava na madrugada comigo para cuidar de Giovanni. Era o melhor pai, orgulhoso em cada surpresa que nosso menino apresentava e, assim, continuávamos nos amando”, relembra Atiliana.

Em 2002, nasceu a menina Anahi (na primeira foto), uma homenagem a índia Guarani que defendeu seu povo contra os espanhóis. “Nossa vida foi construída com muita alegria”, conta Atiliana. Como um pássaro, Egídio voou mais alto: empunhou a bandeira do internacionalismo e da solidariedade às luta dos povos e da classe trabalhadora, responsável pela relação do Movimento com organizações camponesas na América Latina e no mundo. Foi o fundador da Via Campesina Internacional.

Segundo seu amigo e companheiro de luta no Movimento, o catarinense Ademar Bogo, duas características fortes marcavam a sua personalidade: a sensibilidade e a inteligência. “Um camponês astuto, um sábio formado pela própria cultura. Gostava das coisas práticas. Era franco, direto e extremamente generoso”, descreve.

Contador de histórias

Egídio aprendeu a importância da organização dos camponeses participando dela. De acordo com Bogo, orientava-se por princípios e era portador de uma elevada auto-estima e de uma moral revolucionária. Gostava de ouvir histórias e depois recontá-las.

As viagens que fizera pelo mundo o ajudaram a se tornar uma bela biblioteca de exemplos. Ouvia lideranças, personalidades e intelectuais com admiração e tornava o que diziam em conteúdos de reflexões nas falas que constantemente fazia. Carregava consigo sempre alguma semente, um remédio ou uma receita e aproveitava todos os momentos para anunciar os benefícios que a natureza guarda para colaborar com o ser humano.

Não era intransigente, mas tinha firmeza naquilo que dizia e defendia. Para ele, o imperialismo era inaceitável e deveria ser combatido com todos os instrumentos em todas as parte do mundo. Paciente, meio tímido, sabia esperar. Não gostava de exibir-se, nem de pompa, de luxo ou privilégio, mas defendia a estética e a beleza, frutos do trabalho e das conquistas humanitárias. “Movia-se pela mística revolucionária”, segundo Bogo. “Percebia-se na expressão da fala e no olhar que guardava em si uma esperança, um desejo, uma utopia. Por tudo isso, praticava com facilidade dezenas de valores”, disse Bogo.

A perda

Na final da tarde do dia 28 de novembro de 2011, um trágico acidente de automóvel em Ponta Porã, na divisa do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, tirou a sua vida. Egídio seguia para um assentamento da região quando sofreu o acidente. Nos últimos meses, antes da tragédia, o orgulho de Egídio era uma cartinha escrita pela filha para ser entregue à presidenta Dilma. A redação tratava de racismo.

Atiliana contou que nem ele mesmo tinha pensado na dimensão do problema que ela colocou no papel, pois ela trabalhou a ideia do racismo contra o branco, o negro e o índio. “Ele ficou tão feliz e orgulhoso, principalmente quando ela escreveu: o governador diz que os índios são preguiçosos, mas meus avós trabalham muito para ter o que comer”.

“Ele foi o companheiro mais maravilhoso que alguém pode ter. Sou muito feliz de ter sido a pessoa que conviveu com seus beijos, abraços, carícias. Ele foi companheiro, amante, namorado. Me encheu de pequenos símbolos que hoje me agarro para diminuir a dor da saudade que ficou em meu peito”, contou emocionada Atiliana.

http://www.mst.org.br/node/12809#.Tv2snl-W8mU.gmail

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