Lei Geral da Copa – o povo brasileiro diz não!

Nota Pública dos Comitês Populares da Copa*

A  Presidente  Dilma  enviou  ao  Congresso  Nacional  o  projeto  de  Lei  Geral  da  Copa  (PL  nº.  2330/2011)  que  dispõe sobre medidas relativas à Copa das Confederações de 2013 e à Copa do Mundo de 2014 . Tal projeto  cria  um  contexto  de  exceção,  com  alterações  legais  e  administrativas  de  caráter  excepcional,  e  atenta  frontalmente  contra  os  interesses nacionais,  tudo  em benefício  da  FIFA  e  seus  parceiros.  Por  tal  razão,  os  Comitês Populares da Copa das 12 cidades sede exigem que o Congresso Nacional rejeite a proposta  do  Executivo  e  abra  um  amplo  debate  com  a  sociedade  sobre  as  medidas  relacionadas  com  a  realização  dos  Jogos  no  Brasil.  Existe  forte  empenho  do  Governo  em  aprovar  o  projeto  na  Câmara  dos  Deputados  ainda neste ano (nas vésperas do Natal!), o que  poderá  consagrar  definitivamente  a prevalência  da  FIFA  sobre  o  Estado,  sobre  as  leis  e sobre  o  próprio  povo  brasileiro.  Vejamos  os  principais  absurdos  e  ilegalidades deste projeto.

Proteção e exploração de “direitos comerciais” pela FIFA

A  Lei  Geral  da  Copa  cria  um  procedimento  especial  junto  ao  Instituto  Nacional  de  Propriedade  Intelectual  (INPI) para o registro de marcas consideradas “símbolos oficiais” de titularidade da FIFA, garantindo a exclusividade do seu uso e tirando do órgão o poder de decisão quanto à natureza do registro de marca. No  texto normativo não há qualquer restrição sobre o significado do termo “símbolos oficiais”, que pode abranger
tudo o que a FIFA indicar como tal.

Todas as imagens que compõe o imaginário coletivo de paixão nacional  pelo futebol correm o risco de terem que pagar “direito autoral” à FIFA. O art. 5º, por exemplo, prevê que “o INPI não requererá à FIFA a comprovação da condição de alto renome de suas marcas ou da caracterização  de suas marcas como notoriamente conhecidas”. Na prática a lei deixa ao arbítrio de uma entidade privada, a FIFA,  a  escolha  dos  bens  imateriais  que  monopolizará,  conferindo  prioridade  na  tramitação  dos  registros  apresentados pela FIFA (mais de 1000 até agora!), com isenção de todas as retribuições previstas na lei de propriedade industrial.

Restrição comercial e vias de acesso

O  projeto  prevê  a  proibição  de  venda  ou  exposição  de  quaisquer  mercadorias  nos “Locais  Oficiais  de  Competição,  nas suas  imediações  e  principais  vias  de  acesso” (art. 11), sem permissão  expressa da  FIFA.

Tal medida irá impactar fortemente sobre o comércio local e os ambulantes serão penalizados se trabalharem  nas “áreas de exclusividade” (zonas de exclusão) que serão demarcadas pelos municípios, “considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados”  (sic!).  Trata-se  de  inaceitável  monopólio  do  exercício de atividade comercial a uma entidade privada e às empresas que lhe estão associadas.

Venda e preço dos ingressos

Violando  o  Código  de  Defesa  do  Consumidor,  a  proposta  de  Lei  Geral  da  Copa  concede  à  FIFA  amplos  poderes  para  determinar  tanto  o  preço  quanto  as  regras  de  compra  e  venda,  alteração  e  cancelamento  de ingressos,  além  de  permitir  a  ilegal  venda casada  e  tirar  do consumidor  o  direito  de  arrependimento.  Ainda  não está previsto no projeto, mas  a FIFA tem feito pressão sobre o Governo para suspender a meia-entrada para  estudantes  e  idosos,  solapando  essa  conquista  social.  Os  brasileiros,  ao  que  tudo  indica,  não  estão  convidados para a festa na sua própria casa.

Novos crimes, sanções civis e juízos especiais

Como se não bastasse, a proposta também prevê crimes excepcionais, com data de validade definida até 31  de  dezembro  de  2014.  São  eles:  “Utilização  Indevida  de  Símbolos  Oficiais”, “Marketing  de  Emboscada  por
Associação” e “Marketing de Emboscada por Intrusão”. Acompanham os novos crimes as penas de detenção,  multa e um conjunto de sanções civis relacionadas à venda de produtos e atividades de publicidade. Esses dispositivos  penalizam  até  os  bares  que  pretendam  transmitir  os  jogos,  afetando  o  comércio  e  a  confraternização  popular  tão  própria  de  nossa  cultura esportiva.  Além  disso,  o  art.  37  do  PL  nº.  2330/2011 permite  a  criação  de  juizados  especiais,  varas,  turmas  e  câmaras  especializadas  para  julgar  demandas  relativas aos  jogos, ou seja, a Lei Geral da Copa abre brecha para que se crie uma Justiça de Exceção no Brasil,  tal  como  foi  feito  na  África  do  Sul  por  pressão  da  FIFA.  Essa  medida  é  claramente  inconstitucional,  como  já  foi  manifestado  inclusive  por  ministros  do  STF.  Acrescente-se  que,  diferentemente  de  qualquer brasileiro  que,  ao  buscar  a  justiça,  deve  recolher  custas  e  pagar  as  despesas  processuais,  caso  não  seja  beneficiado  com  a  assistência  judiciária,  a  FIFA,  pela  proposta  (art.  38),  fica  isenta  de  qualquer  despesa  processual!

Vistos de entrada e permissões de trabalho

A  soberania  do  Estado  Brasileiro  também  foi  jogada  pra  escanteio  na  proposta  de  Lei  Geral  da  Copa.  O  projeto  prevê  a  concessão  automática  de  vistos  de  entrada  e  permissões  de  trabalho  à  FIFA,  “a  qualquer indivíduo  que  ela  indicar”, à equipe dos “parceiros  comerciais  da  FIFA”, qualquer pessoa com ingresso e  outros.  O  país  perde  qualquer  poder  de  controle  quanto  à  entrada  de  estrangeiros  em  território  nacional.

Criam-se  fronteiras  internacionais  dentro  das  nossas  cidades,  enquanto  se  dissolvem  nossas  fronteiras  atendendo  às  exigências  da  FIFA.  Assim,  a  FIFA  se  transformaria  numa  espécie  de  consulado  geral  e plenipotenciário  do  Brasil,  por  proposta  de  nosso  governo,  obrigado  constitucionalmente  a  defender  nossa  soberania. Basta comprar o ingresso!

Responsabilidade da União, ou melhor, do povo!

A  Copa,  como  grande  negócio  que  é,  requer  garantias.  Assim,  a  proposta  prevê  que  a  União  assuma  a  responsabilidade por qualquer dano causado à FIFA. Não se trata apenas de responsabilidade civil pessoal.

A  União  responderá  amplamente  por  “todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de  qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos”. Pelo projeto o Brasil se torna o fiador
da FIFA em seus negócios particulares.

Direitos de imagem, som e radiodifusão

Pela redação do projeto, a FIFA será a “titular exclusiva” de todos os direitos de transmissão e pode impedir a  presença  da  imprensa,  como  já  ocorreu  durante  o  sorteio  das  eliminatórias.  Nem  mesmo  a  liberdade  de imprensa passou ilesa à ganância da entidade.

Considerações finais

A Lei Geral da Copa atende a exigências previstas no Caderno de Encargos da FIFA. O argumento de que o  Governo  Brasileiro  assumiu  estes  compromissos  é  inaceitável,  pois  o  governo  não  tem  autoridade  nem delegação  para  assumir  acordos  com  entidades  internacionais  à  revelia  do  Poder  Legislativo  e  em  clara  oposição  à  Constituição  Federal  e  às  leis  vigentes.  Em  nome  dos  negócios  e  dos  lucros  da  entidade, percebemos  uma  relação  de  vassalagem  política  das  nossas  autoridades  perante  a  FIFA,  em  prejuízo  da  nossa  soberania,  da  legislação  interna  e  dos  interesses  nacionais.  Até  mesmo  as  principais  garantias  do Estatuto  do  Torcedor,  aprovado  em  2003,  estarão  suspensas  durante  a  realização  dos  jogos  no  Brasil (ver  art.  43,  do  PL  nº.  2330/2011).  Isso tudo  sem  mencionar  tantas  outras  violações  e  ilegalidades  que  já  tem ocorrido  em  função  da  realização  dos  jogos,  tais  como,  falta  de  informações,  remoção  e  despejos  arbitrários de comunidades pobres, repressão sobre trabalhadores informais e população em situação de rua, exploração sexual de mulheres e crianças, endividamento público acima do autorizado pela Lei  de  Responsabilidade  Fiscal,  falta  de  transparência,  precarização  do  trabalho,  segregação  sócio  espacial, etc.

Em verdade, a Lei Geral da Copa, caso aprovada, não será a primeira lei que atenta contra o ordenamento  jurídico  brasileiro.  Outros  exemplos  são  a  lei  nº.  12.350/2010  que  isenta  de tributos federais  produtos  e serviços  relacionados  com  os  jogos  e  a  lei  nº.  12.462/2011  que,  para  driblar  a  lei  geral  de  licitações  brasileira,  criou  um  Regime  Diferenciado  de  Contratações  (RDC)  para  as  obras  da  Copa  das  Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014, Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Além das leis  de  exceção  aprovadas  no  âmbito  dos estados e  municípios da  federação para  viabilizar  a  qualquer  custo  a  realização da copa.

Obviamente,  a  realização  dos  jogos  não  pode  justificar  o  desrespeito  aos  direitos  e  garantias  previstos  na  Constituição e nas leis. Jamais podemos esquecer que a FIFA, a CBF e o COI são entidades privadas. O  Comitê Organizador Local do Mundial de Futebol, por sua vez, é uma sociedade Ltda! Por mais relevante que  seja  a  organização  dos  Jogos  Olímpicos  e  Mundiais,  não  podemos  tolerar  uma  legislação  que  garanta privilégios a particulares, em caráter jamais visto no país, subjugando o próprio Estado brasileiro.

Os  interesses  do  povo  brasileiro  devem  estar  em  primeiro  lugar!  Queremos  que  sejam  aprovadas  leis  especiais para fortalecer a cidadania e superar as desigualdades históricas do nosso país, garantindo acesso universal  e  efetividade  aos  direitos  sociais  previstos  na  Constituição,  e  não  para  potencializar  os  lucros  de  uma empresa como a FIFA que se coloca acima de qualquer forma de controle social, dentro ou fora do país.

O  Congresso  Nacional  tem  o  dever  de  abrir  um  amplo  debate  para  que  a  vontade  do  povo  brasileiro  prevaleça sobre os interesses estritamente econômicos que estão por trás da realização dos jogos. De nossa parte, seguimos  em luta para impedir esses e tantos outros abusos  relativos  à realização dos megaeventos esportivos.

Conclamamos a todos e todas a enviarem a divulgar a NOTA PÚBLICA e enviá-la aos deputados federais (veja a lista) e faça contato com o seu deputados (o qual você escolheu como seu representante) e apresente os argumentos e o questione sobre a Lei Geral da Copa, exija do seu deputados o compromisso de BARRAR a LEI GERAL DA COPA. Não somos contra a copa, somos contra essa lei que fere nossos direitos.

Por um país onde caibam todos e todas!

Brasil, 06 de dezembro de 2011.

Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa

Contato: [email protected]

(*)  Nas  12  cidades  que  sediarão  a  Copa  do  Mundo  de  2014,  entidades,  movimentos  sociais  e  organizações  políticas,  criaram comitês populares para se opor às violações, abusos e ilegalidades relacionadas com a realização dos Jogos Mundiais e Olímpicos.

http://terradedireitos.org.br/biblioteca/lei-geral-da-copa-o-povo-brasileiro-diz-nao/

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