Nota Pública da COIAB sobre projetos de extrativismo mineral em terras indígenas do Amazonas

NOTA PÚBLICA SOBRE PROJETOS DE EXTRATIVISMO MINERAL EM TERRAS INDÍGENAS DO AMAZONAS

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), considerando o resurgimento e avanço de interesses diversos – de governos, empresas nacionais e internacionais e até de indígenas que agem a título pessoal – em torno da extração de recursos minerais que  as terras indígenas abrigam na Amazônia, vem de público manifestar.

Primeiro – A COIAB declara-se indignada pela forma  autoritária e truculenta como a questão é tratada e encaminhada, ignorando  radicalmente  os direitos fundamentais e coletivos dos povos indígenas, reconhecidos pela Constituição Federal e reafirmados por tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração da ONU  sobre  essesdireitos.

Segundo – A COIAB repudia nesse sentido o acordo assinado pela Secretaria Estadual dos Povos Indígenas (SEIND), do Estado do Amazonas, na segundafeira 29 de agosto, com a empresa mineradora canadense Cosigo Resources Ltda, que tem o propósito de realizar um inventário das potencialidades de mineração de terras indígenas no Estado.O “Projeto de Extrativismo Mineral no Estado do Amazonas”, intermediado pela Secretaria de Estado de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos (SEMGRH) pretende abranger as terras indígenas das regiões dos rios Içana e Tiquié, no Alto Rio Negro, e Apaporis, no rio Japurá.

Terceiro – O Acordo, ao contrário do declarado pela assessoria de imprensa da SEIND, para o Jornal A Crítica, não obedece à legislação brasileira, convenções e tratados internacionais. O Ato ignorou totalmente o fato de  a questão  da mineração em terras indígenas ainda não ter sido regulamentada pelo Congresso Nacional, dependendo do cumprimento de acordo consensuado entre o Governo Federal e o Movimento Indígena brasileiro no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), segundo o qual  todos os aspectos que afetam a vida  dos povos indígenas, incluindo o da mineração, deverão ser tratados no Novo Estatuto Povos Indígenas, a lei infraconstitucional que deve regulamentar o capítulo da Constituição Federal relacionada aos direitos indígenas.

Quarto – A mineração não é uma questão de consenso entre povos e comunidades indígenas, e por momentos aparece mais como uma questão de interesse pessoal de indivíduos residentes há algum tempo em cidades. É por tanto muito delicado e preocupante a decisão de órgãos de Governo, mesmo presididos por indígenas, de sair por ai negociando e falando em nome desses povos, muitos dos quais já vivenciaram ou sofrem até hoje as conseqüências desastrosas desta atividade, seja ela empresarial ou garimpeira.Nesse sentido, a COIAB reafirma o seu apoio à carta de repúdio divulgada pela Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro  (FOIRN)  contra o acordo assinado pela SEIND. A FOIRN denuncia o fato de não ter havido diálogo com as lideranças locais e com a organização indígena, conforme é falsamente divulgado.

Quinto – O compromisso das partes em constituir, junto às comunidades indígenas, organizações e lideranças a “Anuência Prévia e Consentimento Esclarecido”  implica na usurpação de uma competência da União, pois a questão indígena é de responsabilidade federal. Por outro lado,  o  Projeto de Lei relacionado aos assuntos de “interesse relevante da União” ainda não tramitou no  Congresso Nacional e o direito dos povos indígenas à consulta livre, previa e informada, estabelecido pela Convenção 169 da OIT (Artigos 6 e7), ainda não foi regulamentada pelo governo brasileiro.

Sexto – A afirmação do representante da  empresa canadense, Andy Rendle, de que a atividade mineradora não causará impacto ao meio ambiente e de que os projetos irão beneficiar as comunidades é notadamente um discurso de persuasão, pois em lugar nenhum do mundo, grandes empreendimentos deixaram de provocar impactos sócio-ambientais irreversíveis. E  quanto aos benefícios, sabe-se bem quais são os mais comuns: divisão nas comunidades, conflitos internos, problemas sociais (prostituição, alcoolismo, drogas etc), descaracterização cultural,  entre outros. E  quanto aos lucros,  evidentemente milionários,  nem precisa falar, sobram para os donos do capital envolvidos e outros beneficiários que não as comunidades indígenas.

Sétimo – Sem ir muito longe, considerando o exemplo da Hidrelétrica de Belo Monte, a promessa de projetos de apoio, inclusive antecedendo o início dos empreendimentos, visa certamente cooptar e dividir lideranças e comunidades,e condicionar a dita “Anuência Prévia e Consentimento Esclarecido”,  isto  é, para que as comunidades aprovem depois sem muita resistência à implantação da pesquisa e a exploração mineral nas suas terras, incorporando-se inclusive ao batalhão de mão de obra, explorada, requerida pelas empresas.

Diante de todos esses fatos, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira  – COIAB se manifesta  SOLIDÁRIA com a  Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro  – FOIRN e aos povos indígenas afetados, para que iniciativas como estas não voltem a se repetir, em respeito àautonomia, os direitos constitucionais e originários dos nossos povos.

Manaus, 15 de setembro de 2011.

MARCOS APURINÃ – Coordenador Geral da COIAB

SÔNIA GUAJAJARA – Vice Coordenadora da COIAB

Enviada por Henyo Barreto – IEB – para a lista superiorindigena.

Comments (1)

  1. Racismo ambiental, na forma como está descrito o desrespeito às terras indígenas (não bastando a extensão do que já foi roubado delas), configura genocídio, uma vez que o índio na mata é auto suficiente e na cidade é levado à mendicância.
    Não ao abuso, não ao desrespeito, não à covardia.
    Vergonhosamente o Estado não só assiste a isso como estimula e se alia aos exploradores!
    Cumpra-se a nossa Constituição.

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