Onde o Paraná é diferente

Fotos: Josue Teixeira/Gazeta do Povo / Benedito Gonçalves, agricultor e Kátia Moraes, da Sutil
Benedito Gonçalves, agricultor e Kátia Moraes, da Sutil

Como destacou Fernando Prioste, da Terra de Direitos, que a enviou para a lista adin-quilombola, uma reportagem estranha, tipo “morde e assopra”, que nos deixa em dúvida quanto às suas reais intenções. Publicamos, e que cada um/a leia e conclua. TP.

Colônia Sutil – pequeno núcleo quilombola na região de Ponta Grossa – guarda marcas, memórias e destino de paranaenses dos tempos da escravidão

Diego Antonelli, especial para Gazeta do Povo

As marcas do tempo não deram trégua às 31 famílias de descendentes de escravos que vivem isoladamente em Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Se no início do século passado dialetos e cantigas afros e danças típicas ainda faziam parte da rotina dos moradores, hoje essa realidade ficou apenas na lembrança dos mais velhos. Distante a 20 quilômetros do centro do município, a Colônia Sutil viu desaparecerem gradativamente as raízes culturais que ligavam as novas gerações aos seus antepassados. “O povo de antigamente era muito fechado. Ninguém ensinava nada sobre os costumes. A gente via o pessoal dançando e fazendo cantigas, mas não foi ensinado nada disso para a gente. A nossa cultura só fica na lembrança mesmo”, afirma Nilce Terezinha Ferreira, de 73 anos – todos vividos dentro da comunidade.

As mudanças culturais e a história do reduto afro na região motivaram o início de uma pesquisa que está sendo realizada por um grupo de estudos da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). A coordenadora do estudo, Cicilian Luiza Löwen Sahr, uma das autoras do livro Geograficidades Quilombolas, relata que essas alterações culturais fazem parte da própria sociedade. “A Sutil é um lugar multicultural. Com o passar do tempo muita coisa muda em diversas localidades. E é o que acontece ali. Tem negros que se casaram com brancos e todos acabam se considerando quilombolas. Pena que não sobraram traços culturais fortes dos antepassados. Isso foi se perdendo com o tempo”, afirma a pesquisadora.

Josue Teixeira/Gazeta do Povo / Ismael Roub, quilombola moderno: celular e GPS

Em pleno século 21 – refugiados da época da Escravidão que assolou o Brasil por três séculos – os descendentes africanos ainda se sentem ressabiados com a presença do homem branco. O olhar de desconfiança remete ao período em que seus familiares foram explorados dia e noite pelos fazendeiros. Hoje, a escravidão é um tema superado pelos mais novos. Para os mais velhos, somente restam as histórias contadas pelos parentes mais próximos.

Com a pele manchada pelo excesso de sol devido aos 70 anos de trabalho na lavoura, Benedito Gonçalves, de 83 anos, e pai de 11 filhos, é o membro mais velho da Colônia Sutil. Sua bisavó foi escrava até morrer. Chegou ao Brasil com um pouco mais de 20 anos e foi ‘negra de sinhô” por mais de 60. “Os mais velhos não gostavam muito de falar sobre isso. O que a gente sabe é muito pouco”, conta Benedito.

Se a memória do tempo da Escravidão está praticamente aniquilada pelos moradores de Sutil, o mesmo pode se afirmar das marcas culturais deixadas pelos antepassados. Os habitantes mais antigos da localidade pouco sabem sobre as heranças culturais. Cleonice Ferreira, 35, lamenta a perda da cultura vivida pela comunidade. “O que eu sei dos costumes é o que minha mãe conta. Não sobrou nada”, diz.

Para Kátia Moraes, 75, mãe de 12 filhos, cultura virou sinônimo de novela. “Agora que a gente tem televisão eu não perco uma novela”, comenta. “Aqui não tem mais nada de cantiga, idioma. A gente não sabe quase nada do passado. O que sentimos é que ainda sofremos”. Com a cabeça baixa, a mão encostada no lenço que repousa por cima dos cabelos brancos, Kátia assume que apesar de séculos terem se passado, o preconceito persiste. “Tem muita gente que acha que está no tempo dos escravos. Tratam mal a gente. Preconceito sempre vai existir. Mesmo com os negros já libertos”, enfatiza a descendente de escravos.

Sobrenome europeu e pé no quilombo

Camuflado por grandes óculos escuros, Ismael de Matos Roub, sobrenome oriundo da Escócia, tem os pés fincado na comunidade quilombola Sutil. Os 45 anos de vida foram cultivados em solo quilombola. Nessas quatro décadas, Ismael presenciou mudanças no modo de viver da colônia. Se antes, a agricultura era manual, hoje equipamentos agrícolas dotados de GPS (sistema de posicionamento global, da sigla em inglês), são fundamentais para o trabalho no campo.

O aparelho de telefone celular não sai do lado de Ismael. “Agora não tem como ficar sem um desses”, conta apontando para o aparelho. Ele relata que a luz elétrica chegou à comunidade há um pouco menos de 30 anos. A água permanece sendo oriunda de poços artesianos.

A maioria dos homens da comunidade presta seus serviços a fazendeiros da região. “A maioria trabalha para fazendeiro. Outros plantam em suas propriedades. As mulheres ajudam a cuidar do gado e da casa”, conta Ismael. Os avós paternos de Ismael eram oriundos do quilombo. “Mas do lado materno se casou com um branco, que era descendente de europeu. Daí começou a misturar as cores. Tem gente da família que é bem preto e tem uma criança que até loira é”, relata.

Para ele, os traços da cultura da comunidade dificilmente serão resgatados. “É praticamente impossível. Quem tinham os costumes eram os mais velhos. Agora não tem mais nada”, diz.

—-

Negras raízes

A Colônia Sutil se formou no final do século 18. Como outros núcleos do gênero, é foco de resistência cultural e agrária.

História

A Sutil, uma das 34 comunidades quilombolas no Paraná regulamentada pela Fundação Cultural Palmares, instituição ligada ao Ministério da Cultura, começou a se formar em 1790. Neste ano, o fazendeiro português Manuel Gonçalves Guimarães, um dos primeiros povoadores da região, fundou a Fazenda Santa Cruz, com mais de 10 mil hectares de terra. Após a sua morte em 1816, a fazenda foi herdada pelos seus filhos Joaquim Gonçalves Guimarães e Maria Clara do Nascimento. Todavia, em 1850, eles doaram a propriedade a todos os escravos sob a condição de eles servirem a família até o ano da abolição da escravidão, promulgada em 1888 por meio da Lei Aúrea. A parte que ficou pertencendo aos descendentes de escravos foi chamada de Sutil em homenagem ao tropeiro Benedito Sutil, de Sorocaba, que costumeiramente se hospedava no local junto com os negros.

Quilombolas

A Fundação Cultural Palmares considera quilombolas os descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições culturais, de subsistência e religiosas ao longo dos séculos. Mais de 1,5 mil comunidades espalhadas pelo território nacional são certificadas pela Palmares como comunidades quilombolas.

Contudo, a professora da UEPG, Cicilian Luiza Löwen Sahr, afirma que está acontecendo algumas mudanças em relação ao conceito de quilombo.

“Em princípio se tem uma pressão social para que quilombolas sejam negros que mantêm suas culturas. Hoje se tem essa definição mais como uma forma de acesso a terra. A certidão de que o local é um quilombo é o primeiro passo para que seja possível, através do Incra, a regularização fundiária”, explica Cicilian.

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1160675&tit=Onde-o-Parana-e-diferente

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.