Relatório sobre a violência em 2010 denuncia o governo por não promover os direitos humanos
Prisões arbitrárias, invasões de aldeias, homicídios, desnutrição infantil, falta de acesso à saúde e à educação, racismo e discriminação étnico-cultural. O Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado nessa quinta-feira (30) em Brasília, chama a atenção para a situação de miséria e violência em que vivem milhares de índios no país e denuncia o governo por não promover os direitos humanos destes povos.
O Relatório reúne pesquisas de campo de equipes do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) feitas em 11 regionais, além de registros que saíram na imprensa, em documentos policiais e do Ministério Público Federal no ano de 2010, praticamente abrangendo as comunidades indígenas de todo o país.
Um fato alarmante é o crescimento do número de mortes de crianças com menos de cinco anos. Foram registradas 92 mortes no ano passado, contra 15 em 2009, o que representa um crescimento de 513%. Das 92 crianças mortas, 60 eram do povo Xavante, localizado no Mato Grosso. As mortes foram causadas por doenças facilmente curáveis como a desnutrição, doenças infecciosas e respiratórias, apesar da situação de descaso à saúde desse povo já ter sido denunciada em relatório anterior.
“O descaso em relação à questão indígena permanece igual aos últimos três anos. Nossa reclamação é que o governo simplesmente ignora os índios, o que escancara as portas para invasões, homicídios, maus-tratos, enfim, para a violência em geral”, destaca o presidente do Cimi o bispo Dom Erwin Kräutler.
O relatório mostra também que desde 2003, início do governo de Luis Inácio Lula da Silva (PT), o número de assassinatos contra indígenas só cresceu, passando de 42 naquele ano, atingindo o pico de 92 mortes em 2007, e se estabilizando em 60 homicídios por ano de 2008 a 2010.
Para a coordenadora da pesquisa, a antropóloga Lúcia Rangel, a violência gerada pelos conflitos ocorre principalmente em regiões com exploração de madeira e minério e em áreas com derrubada de florestas para a construção de hidrelétricas. “As áreas indígenas são cobiçadas pelas riquezas que elas possuem. Nós não podemos falar genericamente que todos os povos indígenas do Brasil sofrem violência. A violência é localizada principalmente nas regiões onde temos problemas de posse de terra”, destaca.
Panorama da violência nas regiões brasileiras
Segundo a pesquisadora Lúcia Rangel, houve um acirramento muito forte dos conflitos decorrentes da exploração de madeira e derrubada de florestas nas áreas indígenas, particularmente nos estados do Mato Grosso e do Maranhão, muito provavelmente por causa das discussões no Congresso Nacional sobre o Código Florestal, que facilitou o desmatamento.
“No Mato Grosso do Sul e nos estados do Sul, o problema nítido é o agronegócio. Nessas duas regiões, os conflitos afetam em cheio o povo da etnia guarani. Na região Nordeste, onde a população indígena ficou muito acuada por causa do latifúndio, toda vez que tentam retomar suas terras, acontece violência”, explica.
Na Amazônia, o grande parte da violência decorre das exploração ilegal de minérios e madeira nas áreas indígenas, além de construção de mega-barragens, como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, para a produção de energia elétrica. A região tem sido alvo de grandes obras de infra-estrutura do governo brasileiro desde 1960, quando começaram a ser construídas as estradas de rodagem. Agora com a produção de energia, as barragens transformarão os rios numa sucessão de lagos, que alagarão as terras de indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas.
“Essas grandes obras, afetam, tiram as terras dessas comunidades e criam problemas sociais de maneira muito brutal. Daí o Estado tenta resolver problemas de outras maneiras, não respeitando as especificidades desses povos, mas com ações paliativas como o bolsa família, o [programa] Luz para todos, cestas básica, etc. O direito da própria terra em ser o locus da biodiversidade, isso ninguém discute”, defende Rangel.
De acordo com o relatório, no estado do Mato Grosso do Sul está o foco de violência contra os indígenas no país, concentrando 56% do número de assassinatos. Dom Erwin destaca que nunca viu uma situação de miséria como daqueles indígenas. “O problema é a proliferação do agronegócio. Os índios guarani kaiowá estão confinados em pequenos acampamentos e em beiras de estrada, é muita pobreza”, relata.
Os conflitos desses indígenas no estado se dão principalmente contra empresários e fazendeiros que não aceitam o direito desses povos à terra no modelo que eles vivem, com terras fartas para a vida em comunidades, e preservação da mata nativa. “É como se esse tipo de vida fosse ruim, atrasado, coisa do passado”, destaca Rangel.
Os organizadores do Relatório esperam que os dados sirvam para alertar e evitar novas violências, e acreditam que o documento pode ser ruim para a imagem do Brasil internacionalmente, ao denunciar a falta de respeito aos direitos humanos no país.
A perspectiva, segundo Dom Erwin, é que o governo assuma a responsabilidade em manter a vida desses povos. No entanto, a esperança logo se enfraquece. “Os índios não trazem votos, são uma minoria que o governo não se interessa. O [ex-]presidente Lula já falou que os indígenas, junto com os quilombolas e os ambientalistas, são obstáculos para o progresso. Os índios não são bem quistos, nem bem visto, e nós somos defensores desses povos. Nesse sentido, também somos minoria, mas gritamos forte”, destaca.
Clique aqui e conheça o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil
Reportagem de Aline Scarso, do sítio Brasil de Fato.
EcoDebate, 05/07/2011
http://www.ecodebate.com.br/2011/07/05/relatorio-do-cimi-aponta-desenvolvimentismo-como-ideologia-anti-indigena/