Às forças progressistas que entendem a criminalidade juvenil como problema social e não de polícia, sobram argumentos para enfrentar o reacionarismo.
Najla Passos, Carta Maior
Sintoma do recrudescimento das forças conservadoras no país, o debate sobre a redução da maioridade penal está nas ruas e nas redes. E conforme já anunciou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve ser votado pela casa até o final deste mês. Mas o viés oportunista que o vem pautando, especialmente na mídia policialesca, não guarda rastro na realidade. Os dados concretos comprovam que a medida defendida com unhas e dentes pela ultradireita não é caminho para a promoção da segurança pública.
Pesquisa divulgada esta semana pelas secretarias Nacional de Juventude (SNJ) e de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) da Organização das Nações Unidas (ONU), demonstra que os jovens já são a maioria da “hiperpopulação” carcerária brasileira há pelo menos uma década. O que não têm contribuído em nada para a reversão da escalada da violência no país.
O estudo, batizado de “Mapa do Encarceramento: jovens do Brasil”, revela que são muitas as razões para que a matéria legislativa seja analisada com menos pirotecnia midiática e mais bom-senso. O problema é que Cunha sabe que a população, insuflada pela mídia conservadora, aposta na medida como solução para todos os problemas de segurança. E, por isso, se arrisca até a flertar com práticas democráticas que abomina em outros casos, como a realização de um plebiscito para decidir o assunto.
Às forças progressistas que entendem a criminalidade juvenil como problema social e não de polícia, restam os argumentos técnicos para enfrentar mais esse debate que atropela o relógio. “A maioria dos países fracassou ao priorizar políticas punitivas porque as causas dos crimes não foram reduzidas. Não é solução colocar mais gente na cadeia. Por isso, temos recomendado que o país não mude a situação da maioridade penal”, alerta o coordenador das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek.
Confira abaixo alguns dos argumentos técnicos para rechaçar a redução da maioridade penal, tão bem retratados pelo “Mapa do Encarceramento: jovens do Brasil”:
1 – O sistema prisional brasileiro não comporta redução da maioridade penal
De 2005 a 2012, o número de presos aumentou 74% no país, que passou a ocupar o quarto lugar no ranking de maior população carcerário do mundo. Eram 296.919 presos há 10 anos. Hoje são 515.482. Todos estados brasileiros já estão com superpopulação carcerária. A média do Brasil é 1,7 preso para cada vaga, a um custo variando entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por preso. Em Alagoas, existiam 3,7 presos para cada vaga em 2012. Em Pernambuco, a proporção era de 2,5. Em todas as unidades da federação há mais presos do que vagas existentes. E o que a realidade mostra é que o fenômeno do “hiperencarceramento” não tem contribuído para a redução da violência.
2 – O judiciário brasileiro já não dá conta do serviço que tem!
Praticamente quatro em cada dez presos brasileiros estão detidos sem terem sido julgados. Segundo a pesquisa, feita a partir dos dados do Sistema de Informações Penitenciárias (Inforpen), 38% dos presos ainda sequer foram julgados. Mais impressionante é constatar que 18,7% do total nem deveria estar presos, porque o código penal prevê penas alternativas para os crimes que cometeram. Ainda que se possa criticar privilégios e descompromissos do Judiciário, é preciso no mínimo questionar qual impacto a redução da maioridade penal traria sobre o serviço por ele prestado. Abandonar jovens encarcerados é solução para algum problema?
3 – Os jovens brasileiros já são maioria nos presídios há pelo menos uma década. E isso não reduziu a violência. Pelo contrário!
Os jovens de 18 a 29 anos representam 54,8% hoje da população carcerária brasileira. Na verdade, em todos os anos da série histórica, de 2005 a 2012, a maioria da população prisional do país era composta por jovens entre 18 e 24 anos. Em 2005, dentre os presos para os quais havia essa informação disponível, 53.599 tinham entre 18 e 24 anos e 42.689, entre 25 e 29 anos. Já em 2012, 143.501 tinham de 18 a 24 anos e 266.356 destes tinham entre 25 e 29 anos.
4 – Adolescentes também são punidos sim. O que falta é ressocialização!
A taxa nacional de adolescentes cumprindo medida restritiva de liberdade era de 95 por 100 mil habitantes em 2011 (19.595 adolescentes). Passou para 100 adolescentes por 100 mil habitantes em 2012 (20.532). Portanto, um aumento de 5% na taxa nacional em apenas um ano. Nos estados, as situações são diversas: doze estão abaixo da média, com destaque para o Rio Grande do Norte, que teve redução de 45% na taxa de encarceramento. Por outro lado, 13 estados ficaram acima da média nacional, com destaque para Alagoas que, em 2012, prendeu 125% mais adolescentes do que no ano anterior.
5 – Os jovens são as vítimas. Não os carrascos!
Dos mais de 20 mil jovens de 12 a 17 anos cumprindo medida socioeducativas, apenas 9% cometeram crimes contra a vida. Entre os adultos, o índice é de 12%. Por outro lado, os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil. E atingem, de forma seletiva, mais jovens negros, do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)/Datasus, do Ministério da Saúde, mostram que mais da metade dos 56.337 mortos por homicídios em 2012 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino.
6 – O sistema carcerário brasileiro é seletivo por perfil racial, social e de gênero
O Mapa do Encarceramento comprova também que o sistema carcerário brasileiro é seletivo: atinge prioritariamente jovens pobres, negros e do sexo masculino. Em relação à raça, as diferenças são gritantes. Em 2005, havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, 58,4% do total de encarcerados, cuja maioria é jovem, eram negros. Já em 2012, havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos acima de 18 anos havia 191 brancos encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes negros acima de 18 anos havia 292 negros encarcerados. Proporcionalmente, o encarceramento de negros foi 1,5 vez maior do que o de brancos.
A seletividade do sistema penal existe também no perfil etário da população carcerária. Em 2012, para cada grupo de 100 mil habitantes jovens acima de 18 anos havia 648 jovens encarcerados, enquanto para cada grupo de 100 mil habitantes não jovens acima de 18 anos havia 251 encarcerados. Em outras palavras, o encarceramento de jovens foi 2,5 vezes maior do que o de não jovens em 2012.
Já em relação ao gênero, os homens continuam sendo maioria (93,83%) da população carcerária, embora o número de mulheres presas venha aumentando muito: cresceu 146% em oito anos, contra 70% dos homens. Em 2005, elas eram 4,35% da população prisional e em 2012 elas passaram a ser 6,17% da população prisional total. Portanto, em 2005, para cada mulher presa existiam 21,97 homens. Já em 2012, esta proporção diminuiu para 15,19.
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