Ivan Richard – Repórter da Agência Brasil
Há 11 anos à espera do julgamento dos responsáveis pelo assassinato do marido, o auditor fiscal do trabalho Nelson José da Silva, morto no episódio que ficou conhecido como a chacina de Unaí, a secretária Helba Soares da Silva diz estar envergonhada e desanimada pela demora no desfecho do caso e por ter que “mendigar” justiça.
Em 2004, em meio a uma fiscalização em fazendas na cidade mineira de Unaí, a 170 quilômetros de Brasília, com indícios de prática de trabalho escravo, três auditores fiscais do trabalho – Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson – além do motorista do Ministério do Trabalho Ailton Pereira de Oliveira, foram brutalmente assassinados por pistoleiros. Em memória dos servidores, 28 de janeiro foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Para lembrar a data e cobrar rapidez no julgamento, representantes do Sindicato Nacional dos Auditores fiscais do Trabalho e de várias organizações ligadas à temática do combate ao trabalho escravo farão hoje (28) um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Mais de uma década depois do crime, os acusados de serem mandantes da chacina, entre eles os fazendeiros Antério e Norberto Mânica, ainda não foram a júri. “Sinceramente, estou com vergonha de ir lá [em Brasília] pela décima primeira vez mendigar justiça, pedir que aqueles homens olhem o processo. Não foi apenas contra pessoas, mas contra o Estado brasileiro. Sinceramente, eu vou para o ato, mas vou envergonhada, tenho até vergonha de estar falando com vocês”, disse Helba à Agência Brasil.
Para ela, depois de mais de dez anos, a impunidade se transformou em uma ferida que não cicatrizou. “Não acaba, tem 11 anos e a gente não pode enterrá-los. Não tem como você enterrar uma pessoa esperando o julgamento dos assassinos, sabendo quem foi, a motivação. Até hoje não teve o julgamento. A gente é leigo, mas vamos aprendendo, entendendo e dói muito”, lamentou Helba.
A secretária acredita que a repercussão do crime, incialmente, provocou mudanças positivas, mas a demora na conclusão do caso disseminou a sensação de impunidade. “Na cidade [de Unaí] mudou, porque agora qualquer um se acha no direito de ameaçar fiscal. Em Unaí quase não há fiscalização porque os auditores têm medo de ir para lá. Já tive contato com auditores de outros estados que foram para lá e deixaram a cidade depois de várias ameaças. Os grandes proprietários de terra acham que nada acontece com eles”.
O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Alexandre Lyra, informou, no entanto, que não há dados que comprovem o aumento das ameaças e tentativas de intimidação de auditores fiscais depois da chacina.
“A gente não tem um aumento considerável de ameaças aos fiscais em razão da chacina de Unaí. Mas é bom que fique claro que é uma busca incessante da inspeção que os mandantes sejam punidos. Seria bom para o Estado brasileiro, para os parentes das vítimas, para a inspeção do trabalho que quem cometeu o crime fosse punido. Mas não podemos afirmar que houve aumento de ameaças e intimidações”, disse Lyra à Agência Brasil.
Em agosto de 2013, depois de nove anos, três acusados, entre os nove indiciados – um deles já morto –, foram julgados e condenados e cumprem pena em Minas Gerais. O julgamento de mais cinco réus deveria ter ocorrido em outubro do mesmo ano, mas uma decisão liminar do STF suspendeu o processo. Os acusados querem a transferência do júri de Belo Horizonte para Unaí.
Enquanto o julgamento não acontece, resta a saudade para a viúva Helba Soares da Silva. “Lembro de tudo, é como se fosse hoje. Ele levantou, os colegas o pegaram aqui na porta de casa. Ele ainda brincou porque havia uma corrente com um crucifixo que tinha deixado na beira da cama. Voltou para buscá-lo e disse que estava saindo com o corpo aberto. Ele saiu dizendo que até as 14h voltaria para almoçar em casa. É complicado.”
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Foto: Ato público lembra Chacina de Unaí – Wilson Dias/Agência Brasil