Dados do Ibama, da Funai e do próprio MPF contradizem as alegações da Norte Energia e indicam responsabilidade da empresa pelo atraso das obras
Ministério Público Federal no Pará
O Ministério Público Federal (MPF) enviou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um documento com informações sobre os atrasos no cronograma de obras de Belo Monte. O ofício pretende dar conhecimento a Agência de fatos que se vinculam ao pedido da concessionária e podem ser considerados para responder ao pedido feito pela Norte Energia S.A de que a multa pelo atraso seja perdoada, com alegações de que a mudança no cronograma foi causada por motivos alheios à empresa.
No documento enviado hoje (13/08) à Aneel, o MPF contrapõe várias das alegações da empresa, apontando inconsistências. As informações constam no procedimento em que os procuradores da República de Belém e Altamira acompanham o licenciamento de Belo Monte. Também se baseiam em documento assinado por 12 pesquisadores de várias universidades brasileiras, que solicitaram ao MPF que interviesse na questão.
Em uma Nota Técnica enviada à Aneel em abril desse ano, intitulada “Reivindicação de alteração de cronograma”, a empresa enumera o que chama de “fatos excludentes de responsabilidade da Norte Energia, decorrentes de atos do poder público, caso fortuito e de força maior” que teriam impactado o cronograma de implantação da usina. A maior parte do atraso, na versão da empresa, é atribuída ao tempo para análise e expedição de autorizações, resultando na perda das janelas hidrológicas dos anos de 2011/2012 e 2012/2013. A janela hidrológica é o período de menor vazão no Xingu que permite as obras no curso do rio.
De acordo com a Nota Técnica da Nesa, o Ibama e a Aneel seriam os maiores responsáveis pela mudança no cronograma, por terem , respectivamente, atrasado em 61 dias a emissão da Licença de Instalação e em 217 dias o Decreto de Utilidade Pública (que permite a desapropriação das áreas atingidas). Para o MPF, a própria Norte Energia é a única responsável pelo atraso na emissão de licenças e autorizações. No caso da Licença de Instalação, o Ibama se recusou corretamente a emiti-la no prazo solicitado porque não haviam sido cumpridas as obrigações socioambientais.
“Era do pleno conhecimento da concessionária que a LI, que estava prevista para abril de 2011 no contrato de concessão, dependia do atendimento satisfatório de mais de 40 (quarenta) condicionantes socioambientais incorporadas à Licença Prévia (LP) de janeiro de 2010. Em abril de 2011 a empresa não havia cumprido suas obrigações socioambientais satisfatoriamente, previstas na LP. Essa era a conclusão do IBAMA, lançada nos pareceres técnicos n° 88/2010 e n° 95/2010.” Para o MPF, “os motivos expostos pelo IBAMA para negar-se a emitir a LI, na data prometida pela concessionária, são de responsabilidade exclusiva da empresa.”
O Ibama, juntamente com a Agência Nacional de Águas (ANA), também é responsabilizado pela empresa por ter demorado 104 dias para aprovação do Sistema de Transposição de Embarcações – obrigação da empresa para compensar o impedimento da navegação de ribeirinhos e indígenas no Xingu. O MPF demonstra que a informação é inconsistente, já que o atraso no Sistema foi causado pela própria empresa, que deveria ter apresentado o mecanismo até 21 de junho de 2011, mas só apresentou o desenho definitivo em agosto de 2012. “Não se pode alegar que reuniões informativas com indígenas, por requerimento da Funai, entre os meses de fevereiro e julho de 2012, foram causas do atraso no Sistema. Naquele tempo, a concessionária nem sequer havia definido o arranjo técnico”, diz o MPF.
A Nesa aponta ainda que o Ibama causou mais 7 dias de atraso por ter exigido a remoção do povoado de São Pedro. Segundo a empresa, essa remoção não estava prevista inicialmente. O MPF corrigiu a informação à Aneel: a remoção do povoado estava sim prevista, desde a fase dos Estudos de Impacto Ambiental, na Licença Prévia e na Licença de Instalação. “Não se trata de obrigação nova”, informa o documento assinado pelos procuradores da República Thais Santi, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr.
A Justiça Federal também entrou no rol dos responsáveis pelo atraso de Belo Monte, segundo a Nesa, por ter concedido uma liminar que perdurou por 77 dias à Associação dos Criadores de Peixes Ornamentais, impedindo as obras da empresa no leito do rio entre setembro e dezembro de 2011. Outra liminar, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, concedida ao MPF, entrou no cálculo da empresa por ter paralisado as obras por quatro dias em agosto de 2012.
Novamente, o MPF contesta a alegação da empresa de que não tem responsabilidade sobre nenhuma dessas paralisações. No caso da liminar concedida aos pescadores, a Justiça responsabilizou diretamente a Nesa pela paralisação. A decisão judicial afirma que “o projeto de aquicultura que será implantado no inaceitável prazo de 10 anos, ao menos em uma análise superficial, não garantirá aos pescadores a manutenção das suas atividades durante tal período”, sendo razoável, portanto, que a Norte Energia S/A procedesse à “imediata compensação dos danos” se desejasse dar início à obra imediatamente. O mesmo vale para a decisão do TRF1, provocada pela total ausência de consulta aos povos indígenas atingidos, em desobediência à Convenção 169 da OIT e à Constituição brasileira.
A empresa somou ainda um total de 42 dias de interrupção dos trabalhos por conta de protestos de ribeirinhos, indígenas e greves dos trabalhadores da própria obra. O MPF lembrou à Aneel que a maioria dos protestos foram causados por atrasos ou mesmo descumprimento total da própria empresa com as obrigações socioambientais. A cada ocupação, a empresa assinou acordos com os indígenas e ribeirinhos, que logo em seguida eram novamente descumpridos, gerando novos protestos. “Assim como nos atos do poder público, as ocupações também decorrem de inércia ou descumprimento da própria concessionária em relação a suas obrigações”, disse o MPF à Aneel.
De acordo com as alegações da empresa, a demora em autorizações do poder público seria a responsável por 165 dos 441 dias perdidos no cronograma de trabalhos no sítio Pimental, o que corresponde a 37,4%. O segundo maior motivo dos atrasos é imputado a decisões judiciais que ordenaram a paralisação da obra no sítio Pimental por 84 dos 441 dias. O terceiro maior motivo estaria relacionado aos protestos de indígenas e ribeirinhos que obstruíram a entrada aos canteiros de obras em 26 dias, o que corresponde a 6% do número total de dias desperdiçados pela Norte Energia S/A.
Para 12 pesquisadores brasileiros que enviaram uma carta ao MPF solicitando apuração sobre o pedido de alteração no cronograma, os atrasos podem ter como causa real a dificuldade nas escavações, devido às características geológicas da região, que não foram estudadas a contento na fase dos Estudos de Impacto. Novos estudos sobre a situação geológica do canal de Belo Monte foram apresentados em abril em uma conferência fechada na Universidade do Texas, mas até hoje não foram tornados públicos.
“Desde setembro de 2009, em parecer do Painel de Especialistas que analisou o EIA de Belo Monte , alertava-se que se trata de atividade técnica complexa devido à necessidade de seccionamento de diversos igarapés, ao longo dos canais, alguns destes igarapés sofreriam reversão de curso. A efetividade dos taludes, profundidade dos canais e garantia física de sustentação para grandes vazões continua sendo uma preocupação. Assim surge a importância de conhecimento público de avaliações de grupos especializados bem como do posicionamento da equipe de engenharia do consórcio”, diz o documento dos pesquisadores.
Leia aqui:
Documento do MPF à Aneel
Documento do Painel de Especialistas
Documento da Nesa à Aneel