PUC-PR: vestibular, publicidade e racismo

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Por Negro Belchior

Tempos atrás li o resultado de uma Pesquisa da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, que apontava o crescimento da presença negra na publicidade nos últimos anos. A pesquisa reafirmava o que percebemos a olho nu: o crescimento da presença negra na publicidade não está acompanhado de um avanço na representação mais positiva do sujeito. O estudo do pesquisador Carlos Augusto de Miranda e Martins mostra que os negros ainda são associados a estereótipos negativos surgidos no século XIX, quando as teses do racismo científico foram introduzidas no Brasil.

Racismo e preconceito estão presentes no cotidiano da publicidade brasileira. Salvo raras exceções, a publicidade atua a partir de duas possibilidades: Invisibilizar o corpo negro ou apresentá-lo de maneira depreciativa, pejorativa e preconceituosa. A segunda hipótese presta um serviço ao menos: gera maior reação.

Uma das peças publicitárias de divulgação do Vestibular 2014 da PUC-PR – que traz como slogan #sejaplural, é emblemática e sugere questões: Por que só ele não tem mochila e caderno? Por que um apenas, entre os muitos brancos? Por que só ele é apresentado a partir de um julgamento social preconcebido?

A princípio não seria um problema em si, a presença de um “mano”, entre os postulantes as vagas na PUC-PR. Ele poderia estar acompanhado de outros negros, caracterizados como atletas interessados no curso de Educação Física, bem como ao lado de negros engravatados em alusão aos cursos de Direito ou Administração. Estes todos juntos a jovens brancos, também caracterizados, porque não?

Mas, neste caso como em inúmeros outros, a presença negra tentou garantir apenas o politicamente correto e o respeito a “cota de um”: um negro – no máximo, “para não dizer que somos racistas”! E teriam alcançado sucesso, não fosse o forte teor preconceituoso na forma como o jovem negro está colocado. Afinal, um preto que fura o bloqueio e ocupa o espaço exclusivamente branco já significaria um avanço, certo?

Compreender o que está por trás da permanente degradação da imagem da população negra em todos os espaços sociais, em especial na propaganda e nas mídias em geral, não é tarefa simples. Os quase 400 anos de escravidão da população negra nos deixaram marcas profundas e presentes até hoje. O brilhante trabalho de Carlos Augusto de Miranda e Martins, intitulado“Negro, publicidade e o ideal de branqueamento da sociedade brasileira”, nos ajuda a compreender:

Fato é que, ao valorizar a cultura e o biótipo europeu ao mesmo tempo em que escamoteava e estigmatizava os componentes negros da sociedade, o Brasil acabou por criar um registro branco de si mesmo, estabelecendo um modelo de representação no qual os brancos passaram a concentrar todas as características positivas possíveis, enquanto o negro tornava-se a negação de tudo isso. E esse registro tornou-se um instrumento de dominação que atravessou o século e chegou, remodelado, aos dias de hoje: O aparelho ideológico de dominação da sociedade escravista gerou um pensamento racista que perdura até hoje.

Como a estrutura da sociedade brasileira, na passagem do trabalho escravo para o trabalho livre, permaneceu basicamente a mesma, os mecanismos de dominação inclusive ideológicos foram mantidos e aperfeiçoados (MOURA, 1988, p.23).

Isso significa, portanto, que a perpetuação de imagens negativas do negro durante o século XX contribuiu para a manutenção de uma hierarquização social não mais garantida pela escravidão, e sim por fatores econômicos.

O novo século assiste ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, que por nascerem já orientados pelos padrões eurocêntricos forjados no século XIX, acabaram por substituir os antigos instrumentos de performatização das representações sobre o negro, tornando-se, então, mecanismos atualizados de dominação.

Isso implicou também na atualização das representações. As imagens do escravo bom e fiel, do negro violento e degenerado e mesmo o exótico-bestial tão presentes na produção cultural oitocentista aparecem na mídia reelaboradas e transformadas, por exemplo, no trabalhador braçal, no criminoso, no sambista.

A mídia não somente atualiza a distância que separava, na escravidão, a elite do povo, mas nega, com seu exclusivismo, as identidades culturais afro-brasileira e indígena, as quais não têm acesso, em pé de igualdade, às programações televisiva e radiofônica (D´ADESKY, 2001, p. 93-94).

No espaço de comentário no post de divulgação no Facebook da PUC-PR, uma nota: “Em nenhum momento o objetivo das ilustrações foi estereotipar os personagens – todos são alunos e sentimos muito por qualquer tipo de taxação”.

Ora, se espera muito mais de Universidade com a importância da PUC, no mínimo, uma retratação pública mais consistente e convincente além, evidentemente, da retirada imediata desta peça de publicidade. Importante lembrar que a campanha expressa nesta peça publicitária coloca-se na contramão da tendência nacional de valorização e resignificação da imagem, cultura e história da comunidade afrobrasileira, sendo essa inclusive premissa para a elaboração de diversas políticas públicas em todos os níveis e que o fato pode ser entendido e caracterizado como grave prática de racismo institucional.

“Estereotipar os personagens” não foi o objetivo, diz a PUC-PR. Ora, mas foi o que de fato se fez! E o que importa ao agredido o não querer do agressor?

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