Além de a licença ter sido concedida pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, quando a atribuição é do Ibama, o órgão dispensou a elaboração do estudo do componente indígena e a obrigatoriedade da consulta aos povos das terras indígenas que serão potencialmente afetados pela usina
O Ministério Público Federal propôs uma ação civil pública pedindo liminarmente a suspensão do licenciamento ambiental em curso na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) para a usina Paiaguá, em Mato Grosso. A ação foi proposta no dia 15 de julho, tendo sido distribuída à 1ª Vara da Justiça Federal, e pede, no julgamento do mérito, a anulação da licença prévia concedida ao empreendedor Global Energia Elétrica S/A. (Ação nº 0010798-65.2013.4.01.3600).
A licença prévia foi concedida irregularmente pela Sema, uma vez que a competência para analisar o pedido de licenciamento é do Ibama. A Lei Complementar nº 140/11 e a Resolução 237/97 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabelecem que compete ao Ibama licenciar empreendimentos que causem impactos ambientais com repercussão em terras indígenas.
Para o MPF, além de não ter sido concedida pelo órgão ambiental competente, outros dois motivos técnicos tornam a licença irregular: a Sema dispensou o empreendedor de realizar a consulta aos povos indígenas potencialmente afetados e de elaborar o estudo de componente indígena (ECI).
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) foram concluídos e apresentados sem consulta aos povos indígenas e também sem o Estudo de Componente Indígena (ECI), que deveria ser parte integrante do estudo de impacto ambiental e ser subsídio fundamental para a tomada de decisão, por parte do órgão ambiental, sobre a viabilidade socioambiental da usina Paiaguá.
Os documentos juntados ao inquérito civil público instaurado pelo MPF, em setembro de 2012, para averiguar os impactos causados pela construção da usina, demonstram que no termo de referência que a Sema encaminhou em junho de 2011 ao empreendedor havia a orientação para que a Global Energia Elétrica S/A consultasse a Fundação Nacional do Índio (Funai) e fizesse a identificação das terras indígenas e outras comunidades tradicionais afetadas pela obra.
Em novembro de 2011, a Funai chegou a solicitar à Sema que suspendesse o processo de licenciamento ambiental até que houvesse manifestação conclusiva do órgão indigenista. Porém, em julho de 2012, após pedido da Global Energia Elétrica a Sema deu continuidade ao procedimento de licenciamento, emitiu a licença prévia para o empreendimento e a submeteu ao referendo do Consema. O conselho referendou a licença em julho de 2013. Com a votação empatada em nove votos a favor da licença e nove contrários, a concessão da licença prévia foi referendada com o voto de minerva do secretário adjunto de meio ambiente.
Dois mil hectares alagados – A usina Paiaguá terá 28 MW de potência e será construída no rio do Sangue, provocando o alagamento de 2.200 hectares numa extensão de 19 km. Na bacia hidrográfica do rio do Sangue localizam-se quatro terras indígenas. O rio passa por dentro das terras Manoki, Erikpatsa e Japuíra, que, seguindo o leito do rio, estão localizadas depois do local onde se pretende construir a usina. À sudeste do ponto de implantação da usina hidrelétrica está localizada outra terra indígena, denominada Ponte de Pedra.
A legislação brasileira exige licenciamento ambiental para todo empreendimento potencialmente causador de significativa degradação ao meio ambiente. A licença prévia (LP) é concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.
MP Estadual também discorda da licença concedida – O Ministério Público Estadual de Mato Grosso, que integra o Consema por meio do titular da Procuradoria de Justiça Especializada em Defesa Ambiental e Ordem Urbanística, votou contrário ao referendo da licença prévia emitida pela Sema à usina Paiaguá, apontando diversas irregularidades e inconsistências no estudo de impacto ambiental com base no parecer elaborado por peritos que concluíram pela fragilidade técnica do EIA/Rima.
O parecer técnico do MP Estadual que identificou as irregularidades no EIA/Rima foi encaminhado às promotorias, buscando apurar eventual responsabilidade criminal e por improbidade administrativa, tanto por parte dos servidores da Sema (que emitiram parecer favorável à concessão de licença prévia ignorando os vícios do EIA/Rima), quanto pelos profissionais contratados pelo empreendedor para elaborar o referido estudo.