Alexandre Mansur – Época – 20/12/2010
?Os governos federal e do Estado querem construir um terminal de minério em Ilhéus. Mas empresários locais temem prejuízos para o turismo e o cacau
?A Costa do Cacau, do sul da Bahia, famosa por suas praias de areias brancas e pelo verde dos remanescentes da Mata Atlântica, poderá ganhar a cor avermelhada do minério de ferro nos próximos anos. A mudança na paisagem é um projeto conjunto dos governos federal e da Bahia. Eles pretendem instalar um complexo que incluirá um terminal de minério, uma ferrovia, um aeroporto e talvez até uma siderúrgica. O primeiro passo foi dado pelo presidente Lula. No dia 10 de dezembro, ele assinou em Ilhéus a encomenda da ferrovia de 537 quilômetros, orçada em R$ 5 bilhões, que ligará Caetité, uma mina no interior do Estado, à Ponta da Tulha, uma praia paradisíaca onde o empreendimento deverá ser instalado.
A intenção é criar um novo eixo de desenvolvimento para a região, empobrecida desde a decadência da indústria cacaueira nos anos 90. Os empresários do cacau e do turismo se opõem. Dizem que o minério vai matar a vocação natural do lugar, que já geraria mais empregos com as fazendas e o turismo e que pode enriquecer mais com resorts de luxo e chocolates de grife do que com a indústria pesada e poluidora.
O governo estadual diz que o empreendimento será bom para a região. “Queremos melhorar a vida das pessoas”, diz Roberto Benjamin, secretário da Indústria Naval e Portuária da Bahia. Segundo ele, a obra empregará 25 mil pessoas e a manutenção do porto 5 mil. O terminal e a ferrovia escoarão a produção de minério da empresa Bramim, controlada por um grupo do Cazaquistão. Para Benjamin, também servirão para escoar soja, milho, algodão, álcool e açúcar do oeste baiano. “A Votorantim está estudando usar o porto para o minério que trará de Minas Gerais.” Segundo ele, o total de investimentos públicos e privados chegaria a US$ 10 bilhões.
Rui Rocha, da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, diz que a vocação do lugar é o cacau e o turismo. Os 25 mil produtores empregariam 90 mil pessoas no plantio e beneficiamento. Com o aumento recente da demanda global pelo produto, a região está desenvolvendo, com investimentos de US$ 155 milhões, marcas sofisticadas, como os chocolates Amma, vendidos a preços mais altos que os suíços. O turismo geraria 20 mil empregos diretos. “As duas atividades sofreriam com o desmatamento e a poluição da ferrovia e do terminal de minério”, diz Rocha. Para o hoteleiro Luigi Massa, ex-presidente da associação de turismo de Ilhéus, o porto está afugentando investimentos. “Grupos de Mônaco planejavam resorts, clubes de golfe e restaurantes de luxo. Desistiram com o anúncio do porto.” Segundo o procurador da República em Ilhéus, Eduardo Ribeiro El-Hage, a obra iria contra leis de proteção à Mata Atlântica. Não é uma floresta qualquer. Trata-se do último bom remanescente da mata que Pedro Álvares Cabral encontrou. O terminal para os navios cargueiros seria construído 2,3 quilômetros mar adentro, ligado à terra por uma ponte, que afetaria a barreira de corais (a mais extensa do país) e a dinâmica de areia das praias. Além de mudar a paisagem.
A obra geraria 5 mil empregos permanentes. O cacau e o turismo, juntos, geram 110 mil
Uma comissão montada pelas associações de empresários de Ilhéus, com técnicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, sugere uma alternativa. O minério de Caetité poderia ser escoado pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que dá no Porto de Aratu, na região de Salvador. A reforma da linha FCA custaria R$ 500 milhões, uma fração da ferrovia nova. E a indústria graneleira já usa o terminal de Aratu para exportar. O governo estadual diz que não dá. Segundo Benjamin, a FCA tem bitola (distância entre os trilhos) estreita e rampas inclinadas demais para os vagões de minério. Para o governo, dá para conciliar o minério com o turismo e o cacau. “Vai haver uma convivência pacífica”, diz Antonio Carlos Tramm, secretário de Turismo da Bahia. “Qualquer equipamento causa impacto. O pessoal também reclama de danos ambientais quando alguém faz um resort. A região não vai perder seus atrativos.”
Ele diz que o governo até estuda criar uma linha de passageiros na ferrovia, a rota do cacau.
O caso baiano é um símbolo dos dilemas brasileiros. Um grande problema ambiental e econômico do país é a dependência no transporte rodoviário de cargas. O Brasil leva 65% dos produtos por caminhões. Isso aumenta o preço do frete, os acidentes e as emissões de carbono. A solução é aumentar o transporte naval e ferroviário. Mas sem sacrificar o patrimônio natural do país.
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/12/20/a-luta-entre-o-porto-e-a-praia