Nota da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A.: 1 mês do Desastre Socioambiental de Mariana

#NãoFoiAcidente

Após um mês do rompimento da Barragem de Rejeitos do Fundão, na cidade de Mariana, estado de Minas Gerais, a situação nas regiões afetadas se agrava. Os mortos e desaparecidos, o soterramento de comunidades inteiras, a morte do Rio Doce — uma das maiores bacias hidrográficas brasileiras — são apenas o começo da tragédia provocada pela empresa Samarco S.A., a joint venture das mineradoras BHP Billiton Ltda e da Vale S.A. O maior desastre ambiental ocorrido no Brasil foi um crime, e as populações atingidas, que seguem lutando pela sua sobrevivência, agora lutam por justiça.

Encontra-se em risco a dignidade humana de 3,2 milhões de pessoas, que é a população estimada da bacia do Rio Doce, principal afetada pelo desastre socioambiental. Quando, em 05 de novembro de 2015, a barragem de Rejeitos de Fundão se rompeu, foram derramados 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, que em poucos minutos alcançaram o distrito de Bento Rodrigues, destruindo completamente o local. A quantidade de rejeitos prova que as empresas tinham ultrapassado, e muito, a capacidade da barragem.

Em 04 de dezembro, um documento do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) revelou que a Vale depositou uma quantidade maior de rejeitos de minérios na barragem da Samarco que se rompeu do que havia declarado oficialmente. Ela era responsável por quase 30% dos rejeitos da minério da barragem que se rompeu. Deste modo, no contexto das responsabilizações, a Samarco e a Vale devem ser vistas no mesmo grupo de responsáveis pelo ocorrido, negando, assim, o papel de mera acionista da Samarco que a empresa Vale declara publicamente.

Em horas, a lama se alastrou, soterrando casas do distrito de Paracatu de Baixo. As localidades de Paracatu de Cima, Gesteira, Campinas, Pedras, Camargos, Ponte do Gama e Borba e Bicas também foram imediatamente atingidas. A população das localidades não foi comunicada em tempo hábil de salvar objetos, bens e familiares. A lama destruiu casas, igrejas, escolas, currais, pontes, plantações e criações. Até o presente momento, contabiliza-se o número de doze mortos e onze desaparecidos. As buscas por vítimas fatais continuam. O percurso da lama persistiu com intensidade, atingindo o Rio Doce e todos os municípios cortados por ele entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, até chegar ao Oceano Atlântico, a 700 km de distância. Cerca de 8 milhões de toneladas de peixes contaminados e mortos já foram retiradas do rio. Todo este cenário de destruição comprova a ausência de um plano de emergência efetivo da Samarco com o objetivo de conter o alastramento da lama de rejeitos e o assessoramento das populações do entorno.

Em 25 de novembro, os relatores especiais da ONU para assuntos de Direitos Humanos e Meio Ambiente, John Knox, e para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, criticaram publicamente a demora de três semanas para a divulgação de informações sobre os riscos gerados pelos bilhões de litros de lama vazados no Rio Doce após o rompimento da barragem. Em um comunicado, os relatores afirmaram que “as providências tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP para prevenir danos foram claramente insuficientes. As empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas. Este não é o momento para posturas defensivas”.

Na maior parte dos distritos atingidos da região do Rio Doce, a presença da própria empresa Samarco é mais forte do que a de órgãos públicos, como Defensoria, Ministério Público e Prefeituras Municipais. Os órgãos públicos não têm sido capazes de fazer um monitoramento adequado de toda a água e lama em pontos diferentes da bacia e com regularidade, disponibilizando publicamente um laudo efetivo sobre as condições da água e as possibilidades de contaminação. No dia 13 de novembro, a Vale enviou água contaminada com querosene para a cidade de Governador Valadares (MG), a maior cidade da região, com quase 300 mil habitantes, que enfrentava a interrupção no abastecimento de água por causa da lama. A ausência ou transferência de responsabilidade do poder público para as empresas contribui para o agravamento da situação.

Em 27 de novembro, o Governo Federal, junto com os Governos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, anunciaram uma ação judicial de R$20 bilhões contra a Samarco, Vale e BHP. O principal efeito desta medida foi produzido uma semana depois, durante a Conferência Mundial do Clima em Paris, a COP21, em que a Presidente Dilma Rousseff fez um duro discurso qualificando o desastre como “ação irresponsável de uma empresa”, e prometeu uma “severa punição” aos responsáveis. O receio é de que isso não tenha sido mais do que um jogo de cena, se levarmos em consideração a postura de cumplicidade do Estado com as empresas e os empreendimentos. Um indicador desta cumplicidade é o baixo grau de pagamento das multas ambientais no Brasil.

Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), das multas aplicadas pelo IBAMA de 2009 a 2013, apenas 1,76% do valor foi pago. A negligência do Estado em relação ao controle público sobre a mineração o torna também responsável pelo desastre de Mariana. Outro indicador é a não cobrança por parte do Estado Brasileiro do débito incluído na Dívida Ativa da União da Vale S.A. Em comunicado oficial de outubro de 2015 o Ministério da Fazenda informou que a maior empresa devedora é a Vale S.A., com um total de R$41,9 bilhões de dívidas com a União.

Em meio a toda a tragédia, o Governo de Minas Gerais se apressou para aprovar em 25 de Novembro o Projeto de Lei nº 2946/2015, que altera radicalmente o sistema e a política ambiental do estado de Minas Gerais para “destravar” e agilizar licenciamentos. A mudança limitará a participação das populações que serão atingidas pelos empreendimentos, aumentando a margem de risco para que novas tragédias aconteçam. Em nível nacional, o desastre de Mariana pode estar apressando a aprovação do novo Marco Legal da Mineração. Dando a ilusão de vir a defender alguns direitos socioambientais essenciais, o novo Código na verdade não garante nenhuma aplicação prática desses direitos e reafirma a agenda extrativista do Estado, em aliança com as grandes corporações mineradoras, continuando a ignorar as comunidades impactadas e a prioridade da consulta e consentimento prévio das mesmas.

Neste cenário, não é de se espantar, que a Vale S.A. seja a empresa mineradora que doou o maior montante de recursos financeiros na eleição de 2014: R$80.000.000, sendo inclusive, uma das mineradoras que mais doaram nas últimas eleições para os deputados federais que compõem a comissão especial que discute a proposta do novo código da mineração. Além da denúncia divulgada em matéria da BBC, publicada em 07 de dezembro de 2015, referente à participação do escritório de advocacia Pinheiro Neto, que tem como clientes mineradoras como Vale e BHP, no documento oficial do projeto de lei proposto por deputados federais para o novo Código da Mineração.

Foto de Daniela Fichino, Justiça Global
Foto de Daniela Fichino, Justiça Global

No mundo corporativo, onde os agentes estão preocupados em descolar suas próprias imagens do lamaçal provocado pelas mineradoras, as reações têm sido mais firmes. O escritório de advocacia americano Bronstein, Gewitz & Grossman e o internacional Rosen Law Firm estão avaliando uma ação coletiva contra a mineradora Vale. O primeiro alega possíveis violações da lei do mercado de capital dos Estados Unidos. O segundo afirma que a empresa pode ter divulgado material falso sobre seus negócios e pede o ressarcimento dos recursos investidos. A BM&FBovespa anunciou, em 26 de novembro, que a Vale, empresa que tem o maior peso na composição da carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) que está em vigor, está fora da nova lista após cinco participações consecutivas. Preocupadas, a Vale, a BHP Billiton e a Samarco, responsáveis pela tragédia, estão mais concentradas em contornar os efeitos do desastre sobre as suas imagens públicas do que com o enfrentamento dos problemas que causaram sobre as populações atingidas.

Os desastres socioambientais não afetam as populações de maneira igualitária. Ao contrário, os riscos e impactos recaem de maneira mais dura e evidente sobre grupos étnicos mais vulneráveis. No caso do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco não foi diferente. Em Bento Rodrigues, 84,3% da população é composta por pretos e pardos, segundo a classificação utilizada pelo IBGE. O Povo Indígena Krenak, que vive às margens do Rio Doce, agora está sem água. Em protesto, eles fecharam a Estrada de Ferro Vitória-Minas, por onde a Vale transporta seus minérios para exportação.

Em escala mundial, a empresa Vale S.A., assim como boa parte de suas concorrentes, conseguiu enfrentar a diminuição progressiva do preço do minério de ferro sem perdas. Isso está acontecendo graças à redução dos custos de gestão dos processos em operação e dos projetos em via de instalação. Assim, a crise do preço de minério vem sendo compensada às custas das comunidades, do meio ambiente e dos trabalhadores, em termos de menor segurança, menor qualidade de vida e de trabalho, terceirização e menor controle das responsabilidades empresariais.

Um mês após a tragédia, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A. reafirma que este não é um caso isolado e sim mais uma tragédia do setor da mineração. Ao longo dos anos, temos denunciado muitas tragédias provocadas pela mineração da Vale S.A. sobre a vida de comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, camponesas e de populações urbanas empobrecidas. E em diferentes partes do Brasil e do Mundo, de Mariana (MG) a Moçambique, de Santa Cruz (RJ) a Piquiá (MA), de Perak (Malásia) a Mendoza (Argentina), as semelhanças entre narrativas sobre os impactos são o testemunho da insustentabilidade da Vale S.A. e também de todo o setor da mineração. Não podemos deixar que os responsáveis por mais uma tragédia saiam impunes.

Diante disso, exigimos:

>>A imediata instauração de investigações imparciais e independentes com o fim de determinar os atores responsáveis pelos crimes cometidos, e que o Estado garanta assessoria jurídica integral às vítimas;

>>Que todas as comunidades recebam medidas de reparação em conformidade com parâmetros nacionais e internacionais sobre o direito a um recurso efetivo, inclusive o reassentamento coletivo e integral das famílias residentes nas comunidades atingidas;

>>Que os trabalhadores diretos e terceirizados da Samarco e da Vale S.A. tenham os seus direitos respeitados e estabilidade garantida durante o período da paralisação das atividades da Samarco;

>>A suspensão das Licenças Ambientais vigentes e a não concessão de novas licenças para as barragens de rejeitos do Fundão, Santarém e Germano;

>>Que a população da Bacia do Rio Doce seja devidamente informada, em especial as pessoas diretamente atingidas, sobre os impactos e riscos à saúde por meio do acesso a informações contidas nas Licenças Ambientais e outros Estudos;

>>Que essas populações recebam toda a assistência necessária até que seus modos de vida e subsistência sejam restabelecidos;

>>Que as posições do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, do qual nossa articulação faz parte, sejam incluídas integralmente no novo Marco Legal da Mineração; que o mesmo não venha a ser votado às pressas, sem o necessário debate público após o maior desastre ambiental do Brasil, provocado por atividades mineiras.

Justiça para as vítimas do desastre ambiental da Vale e da BHP!

Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A.

07 de Dezembro de 2015

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A tragédia em Mariana não foi resultado do acaso nem é um fato isolado. Veja no infográfico abaixo os impactos sociais e ambientais decorrentes da cadeia de produção de minério no Brasil e no mundo:

barragens infografico atingidos

Destaque: Foto de Daniela Fichino, Justiça Global.

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