Tomada por lama, barragem de Santarém atinge risco máximo

Estrutura não se rompeu e alcançou pior índice em classificação que avalia estado de conservação

Luciene Câmara e Natália Oliveira, O Tempo

O rompimento da barragem do Fundão trouxe mais riscos do que se imaginava. Após análise no fim de semana, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) constatou que a Santarém, que compõe o complexo da Samarco em Mariana, na região Central de Minas, não se rompeu, conforme havia sido anunciado pela mineradora. Embora tenha resistido, a estrutura ficou tomada pela lama que saiu de Fundão e sofreu erosões que podem levar a um desabamento. Em uma escala de risco de 0 a 10 (quanto maior o número, maior o risco), o reservatório atingiu a pontuação máxima, segundo o DNPM.

Se a barragem chegar a se romper, serão mais 5,5 milhões de metros cúbicos (m³) de lama descendo montanha abaixo. A Germano, terceira barragem do complexo, também tem trincas e está com o nível de segurança abaixo do recomendado. A Samarco, entretanto, continua informando que seus reservatórios estão estáveis e sob monitoramento.

Riscos. Segundo o DNPM, apenas a barragem do Fundão, acima de Santarém, se rompeu no último dia 5. Os cerca de 65 milhões de m³ de água e rejeitos passaram por cima da barreira de Santarém antes de chegarem a Bento Rodrigues, distrito mais afetado pela lama. “A princípio, não deu para ver a de Santarém e pela lógica ela teria se rompido. Porém, em um sobrevoo no sábado, percebemos que a estrutura da Santarém permanece”, explicou o coordenador de fiscalização da pesquisa mineral do DNPM, Luiz Paniago.

Antes armazenando água (usada no beneficiamento do minério e para reter eventuais resíduos da Fundão e da Germano), a Santarém se transformou agora em uma imensa poça de lama. A água que havia no local (cerca de 7 milhões de m³) foi expulsa pela avalanche da Fundão e deu espaço para cerca de 5,5 milhões de m³ de rejeitos, segundo o DNPM – o órgão não explicou por que a lama não atingiu a capacidade máxima da barragem (7 milhões de m³).

Além de praticamente cheia, Santarém sofreu danos com a passagem da avalanche. A crista da barragem (parte mais alta da parede de contenção) baixou menos de 1 m por conta de erosões, o que pode ocasionar vazamentos. “Como a crista erodiu, uma chuva forte no local pode ocasionar vazamento, e a barragem não foi feita para passar água por cima”, afirmou o geólogo Eduardo Antônio Gomes Marques, que trabalhou na concepção da estrutura.

Outro problema ocorreu no vertedouro, espécie de “ralo”do reservatório. A estrutura de concreto que serve de passagem para a água quebrou e formou uma cachoeira no local. “É preciso corrigir o problema para evitar mais erosões”, completou Marques. Segundo Paniago, o risco de rompimento existe. “Na classificação de estado de conservação da barragem (de zero a 10), ela está com a pontuação mais elevada”.

Vazamentos na barragem de Germano, que também tem risco, podem prejudicar ainda mais a estrutura de Santarém. “A sorte é que a Germano tem menos água, e a lama não seria tão fluida quanto a da Fundão e não iria tão longe. Mas o volume seria muito maior e provocaria muitos danos. Por isso, é preciso corrigir esses problemas urgentemente”, concluiu Marques.

Trincas na Germano

Dique. A parede que sustenta parte dos rejeitos tem trincas, uma delas com até 3 m de comprimento, segundo autoridades e especialistas. Os danos são visíveis em imagens aéreas da barragem, que tem 200 milhões de m³ de rejeito.

Versão. A Samarco, por sua vez, alega que não existem trincas no local, mas também não informou quais seriam os problemas que fizeram cair o coeficiente de segurança da barragem.

Excesso de rejeitos dificulta acesso e reparos

Evitar o rompimento da Santarém exige obras simples e emergenciais. O acesso, no entanto, é um dificultador, devido ao excesso de rejeitos dentro e fora do reservatório. “A Samarco terá que resolver o problema, nem que seja buscando um acesso por estrada vicinal ou esperando a lama secar”, afirmou Luiz Paniago, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Ele disse que notificou a mineradora sobre a necessidade de recuperação.

Quando tiver acesso ao local, o trabalho é simples, conforme o geólogo Eduardo Gomes Marques. “Tem basicamente que colocar uma camada de solo e compactar”. Segundo ele, a barragem não se rompeu com a avalanche de lama porque tem estrutura resistente. “A Fundão só tem dique de terra inicial. A Santarém é toda de terra compactada”.

Samarco diz que poderá recuperar danos

Apesar de admitir erosão na barragem de Santarém, a Samarco garante que a estrutura segue estável e monitorada constantemente. Até as 17h30 desta segunda, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) esperava receber da mineradora um plano para a recuperação do complexo – nem o órgão, nem a mineradora informaram se o documento foi entregue.

“Em relação à Santarém, informamos que o maciço está íntegro, mesmo estando parcialmente erodido. O mesmo acontece com a estrutura de concreto chamada vertedouro, que poderá ser recuperada, mesmo tendo um trecho danificado”, declarou a Samarco, em nota.

Na Germano, a mineradora alega que as estruturas de barragem estão estáveis. “O maciço principal está com fator de segurança acima de 1,9. O fator de 1 significa que a estrutura está no seu limite de equilíbrio”.

Uma das estruturas auxiliares, denominada dique de Selinha, apresenta fator de segurança de 1,2, abaixo do mínimo recomendado. “Como medidas de segurança adicionais, a Samarco iniciou trabalhos preventivos de reforço na base do dique de Selinha”, declarou.

Uma empresa especializada em estabilidade geotécnica, contratada pela Samarco, avalia constantemente as barragens. Elas estão sendo monitoradas em tempo real por meio de radares e inspeções de funcionários da mineradora. “Além disso, estão sendo usados drones, escaneamento a laser e instrumentação geotécnica, sendo que, para a barragem de Germano, as leituras são automatizadas com aquisição de dados online”, completou a Samarco.

Imagem: Caso Santarém se rompa, lama seguirá mesmo percurso do Fundão / Douglas Magno

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