Manifesto da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN com relação à proposta de aprovação da PEC 215

Na trajetória política do movimento indígena a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN foi sempre referencia na história do protagonismo de lutas e conquistas dos direitos indígenas. Uma delas foi a participação ativa das lideranças indígenas da FOIRN na promulgação da constituição de 1988, momento em que os povos indígenas pela primeira vez garantiram os seus direitos na legislação brasileira por meio do art. 231. É dentro dessa perspectiva que até hoje, a FOIRN vem desempenhando seu papel de defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas da Região do Rio Negro e do Estado Brasileiro.

No momento, a missão da FOIRN é de manifestar contrária aos objetivos implícitos na Proposta de Emenda Constitucional 215 – PEC 215 que tramita na câmara dos deputados. Manifesta contrária, porque na percepção da FOIRN os povos indígenas estão sendo ameaçados pelos interesses dos políticos que defendem a expansão do agronegócio em terras indígenas. Conforme a PEC 215 a demarcação das terras indígenas seria aprovada pelo congresso nacional e não mais pelo poder executivo da forma como prevê a constituição de 88. A preocupação do movimento indígena é que se essa PEC for aprovada, as terras indígenas em processo de identificação, em processo de demarcação e terras indígenas já demarcadas estão ameaçadas de serem extintas e isso é um problema sério para os povos indígenas que dependem das suas terras para sobreviverem física e culturalmente.

Na região do Rio Negro no estado do Amazonas, a FOIRN lutou pela demarcação das 05 (cinco) Terras Indígenas do Alto Rio Negro (TI alto rio Negro, TI médio rio Negro I e II, TI rio Tea e TI rio Apaporis) e continua lutando até hoje por mais 02 (duas) Terra Indígenas (TI Cue Cue Marabitanas e TI baixo rio Negro). Naquele contexto, antes da sua criação como Federação, os povos indígenas juntamente com as terras tradicionalmente ocupadas, estavam sendo invadidos pelos garimpeiros o que resultou no conflito e morte de indígenas e garimpeiros. Foi esse conflito que levou os povos indígenas reivindicarem a demarcação de suas terras para garantirem o direito de usufruto destas terras. Para a surpresa das lideranças indígenas da FOIRN, na época, o governo pretendia demarcar as terras dividindo em colônias agrícolas como se fossem pequenas ilhas considerando a concentração populacional e ocupação territorial, porém, as lideranças indígenas através da intermediação da FOIRN lutaram para que a terra fosse demarcada de forma continua.

A extensão territorial e a presença da floresta quase 100% intacta para os povos indígenas não é sinônimo de improdutivo e sim sinônimo de sustentabilidade econômica dos 23 povos indígenas que habitam a região do Rio Negro área de atuação da FOIRN. Para os povos indígenas as terras são coletivas, as suas histórias, os conhecimento e técnicas estão alicerçadas nas terras que ocupam. As maneiras de apropriar-se dos recursos da natureza faz com que os povos indígenas percorram vastas extensões territoriais, com isso estamos afirmando que eles fazem a gestão do seu território, da sua terra, dos seus rios, dos seus lagos, das suas florestas, mantém a natureza viva e se alimentam do que ela as oferece. Na terra está registrada a memória dos seus ancestrais. Daí a importância da terra e da demarcação de suas terras.

As terras improdutivas como são denominadas as terras indígenas demarcadas pelos empresários como ruralistas, na ideologia do governo brasileiro somente viriam retardar o desenvolvimento econômico do país. Com essa ideologia de trazer o desenvolvimento econômico do país, o governo começou a implementar obras de abertura de estradas como a perimetral norte, por meio da política de integração nacional, no sentido de nas suas margens assentar famílias de agricultores para o cultivo de produtos de interesse econômico no país para a exportação. Essa iniciativa não deu certo, porque as famílias assentadas não recebiam assistência técnica, assistência à educação e a saúde da forma como acontece hoje na grande maioria do território nacional, por isso, os agricultores familiares acabaram desistindo dessa atividade.

Por outro lado, a abertura de estradas causou problemas para os povos indígenas que residiam nas localidades por onde passavam as estradas. As terras foram desapropriadas, diferentes povos indígenas foram alocados à força para áreas até então desconhecidas e os que resistiam eram assassinados a tiros de rifle ou eram vitimadas pelas doenças introduzidas por pessoas que trabalhavam como mão de obra na abertura das estradas. São exemplos de impactos negativos que a expansão de agronegócios gera para os povos indígenas e se a PEC 215 for aprovada essa situação só tende a piorar. Não só o agronegócio, mas também de obras que podem causar danos ambientais como é a construção de hidrelétricas e empresas mineradoras.

Esse cenário é típico e vergonhoso no Brasil, iniciou desde a entrada das frentes de expansão colonial no território brasileiro, quando as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas foram apropriadas indevidamente e à força pelos europeus, para plantação de café e cultivo da cana de açúcar – produtos agrícolas que supriam os interesses das metrópoles. Essa prática continua acontecendo até hoje, com a expansão das lavouras de soja no país. A agricultura mecanizada que é empregada nos latifúndios requer extensas áreas de terra para o cultivo, principalmente da soja, e por onde é implementada essa atividade na maioria dos casos vai desapropriando terras de pequenos agricultores e povos indígenas deixando-os sem posse de suas terras, e porque não dizer transformando-os os agricultores familiares e povos indígenas em Sem Terra. Tudo isso em vistas ao fictício “desenvolvimento econômico do país” ideologizado pelo governo brasileiro.

A política de desapropriação de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas que prega um fictício “desenvolvimento econômico do país” é de se contestar, porque fere a Constituição Federal de 1988 que garante aos povos indígenas os direitos originários sobre as terras que ocupam, e que dá competência à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. O problema maior é que o governo em vez de avançar com o processo de demarcação de terras indígenas não tem cumprido com o seu papel. Muito pelo contrário, cada vez mais, vai dificultando e deixando as terras à mercê da invasão dos empresários que defendem a expansão do agronegócio. Tudo que é produzido em grandes propriedades de terras não são para atender o mercado interno, para o consumo interno, para alimentar os brasileiros e sim para alimentar animais nos países europeus que são os países que continuam colonizando o Brasil.

Os crimes que são cometidos contra os indígenas pelos fazendeiros e latifundiários na luta pela posse das terras dos índios, nunca são comentados na câmara dos deputados, no senado federal, nem sequer os deputados e os senadores elaboram PECs para criminalizar os culpados. Que país é esse, que não cria leis a favor da sociedade brasileira e que quando tem as leis não são respeitadas? É um país desgovernado onde cada um decide o que quer.

Essa política do fictício “desenvolvimento econômico do país” continua ganhando força no senado federal pelos defensores da proposta de emenda constitucional – a PEC 2015 que tira do poder executivo, a competência de demarcar as terras indígenas passando essa tarefa para o legislativo, aonde a maioria da bancada são os políticos do agronegócio. Se a PEC 2015 for aprovada a situação só tende a piorar para os povos indígenas que correm o risco de perder os seus direitos constitucionais garantido em lei. Afirmamos mais uma vez, que as terras indígenas em processo de identificação e demarcação nem sequer mais sairão do papel. As terras indígenas que já tinham sido demarcadas correm o risco de serem reduzidas ou desapropriadas. As terras ficarão nas mãos dos grileiros, ladrões, bandidos, fazendeiros, ruralistas, políticos corruptos que governam o Brasil. A invasão estrangeira continua ameaçando a vida dos povos indígenas em nome do sistema capitalista avassalador que subordina até o governo, os empresários e marginaliza a maioria dos brasileiros deixando-os sem o direito de defesa e no caos. Será que isso faz parte do desenvolvimento econômico, social e político de um país como o Brasil? Acreditamos que não.

É com essa preocupação e insatisfação com a política do governo brasileiro que a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN manifesta contrária à aprovação da PEC 215, porque, se for aprovada impedirá a continuidade da demarcação de terras indígenas. Demonstrará que o governo não tem compromisso com os povos indígenas, de que é omisso nos assuntos indígenas, é o marco histórico de retrocesso na política brasileira, que em vez de avançar na melhoria do atendimento das políticas públicas voltadas para os povos indígenas conduz ao descaso total. Desta forma os direitos indígenas que foram conquistados graças à luta do movimento indígena organizado, juntamente com os seus parceiros, universidades, antropólogos e simpatizantes, com esse novo ataque, veem as suas ideias se deteriorarem como se não tivessem nenhum sentido histórico e alicerce para que esses direitos fossem conquistados.

Cabe ressaltar que o movimento indígena conquistou, sim, a demarcação de algumas de suas terras, a oferta de uma educação escolar específica e diferenciada, o atendimento diferenciado quanto à atenção a saúde dos povos indígenas. Conseguiu através das suas instituições organizadas e reconhecidas juridicamente o desenvolvimento de projetos de sustentabilidade econômica procurando sempre adequar às especificidades de cada Terra Indígena. Foi uma experiência que os povos indígenas tiveram com o governo brasileiro. Mas isso, não pode parar por aqui, é necessário avançarmos cada vez e o governo precisa abraçar essa ideia e não retroceder apoiando o interesse de uma minoria aprovando as Propostas de Emenda Constitucional que tenham uma perspectiva retrógrada diante de um estado democrático de direito como é o Brasil.

Portanto, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN mais uma vez defende a ideia de que a demarcação das terras indígenas continue sendo executadas autonomamente pelo poder executivo federal e não da forma como consta no texto da PEC 215. Somos a favor da celeridade da demarcação das terras indígenas já identificadas e da continuidade das políticas publicas que atendam os interesses dos povos indígenas da região do Rio Negro e do Brasil. Nesse sentido congratulamos nossas manifestações contrárias à aprovação da PEC 215 juntamente com todas as pessoas que abraçam esta causa e continuaremos lutando para que essa proposta seja arquivada mais uma vez.

Abaixo a PEC 215!

Diretores da FOIRN: Almerinda Ramos de Lima – Presidente, Isaias Pereira Fontes – Vice-presidente, Renato Da Silva Matos – Diretor, Nildo José Miguel Fontes – Diretor, Marivelton Rodrigues Barroso – Diretor.

São Gabriel da Cachoeira – AM, 13 de Novembro de 2015.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.