Multa de R$ 7,5 milhões contra o Dnit não repara danos ambientais irreversíveis na rodovia BR-319, diz Ibama

Órgão ambiental federal diz que Dnit deve apresentar projeto de recuperação ambiental das Áreas de Preservação Permanente

Elaíze Farias – Amazônia Real

Um parecer do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) diz que os impactos ambientais causados pelas obras do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) no trecho mais preservado da rodovia BR-319, que liga o Amazonas a Rondônia, são “irreversíveis”.

O Ibama divulgou na última sexta-feira (10) que multou o departamento, subordinado ao Ministério dos Transportes, em R$ 7, 5 milhões, além de embargar as obras que estão sendo feitas nos 405, 7 quilômetros do trecho central da BR-319 conhecido como “meião”. Este trecho abrange a área do km 250 ao km 655,7. Ambientalistas e pesquisadores questionam a pavimentação devido a existência de reservas florestais e terras indígenas. O Dnit disse que vai recorrer da decisão.

Conforme reportagem publicada pela Amazônia Real (leia aqui), as obras de serviços de conservação e manutenção do Dnit no trecho da rodovia BR-319 começaram na metade do ano de 2014, com recursos de R$ 38.686.978,72 do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No mês de agosto último, fiscais do Ibama fizeram uma vistoria no local e flagraram crimes ambientais, entre eles, desvios, aterramentos e assoreamentos de curso d´água, desmatamento ilegal e despejo de resíduos direto nos leitos de igarapés.

Para fazer as obras no “meião” da BR-319, o Dnit recebeu uma Licença Ambiental Única, em 15 de agosto de 2014 com validade de um ano, do Ipaam (Instituto e Proteção Ambiental do Amazonas), órgão do governo estadual. O Ibama determinou a nulidade da licença do Ipaam.

A Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama decidiu pela autuação do Dnit e embargo das obras na BR-319 no dia 25 de setembro após analisar o relatório da vistoria. Os fiscais apontaram irregularidades no trecho que começa no km 250 e termina km 655,7 da rodovia, no município de Humaitá, região que dá acesso a BR 230, a Transamazônica, até o município de Careiro, no Amazonas.

No documento de 13 páginas, o qual a agência Amazônia Real teve acesso, a Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama diz o seguinte: “o nível de gravidade considerou a extensão (atividades ao longo de aproximadamente 400 km de extensão da rodovia) e a significância dos danos e impactos ambientais (que perpassam unidades de conservação e áreas sensíveis, como corpos hídricos de primeiro grau, no bioma Amazônico), assim como a impossibilidade de reversibilidade de muitos deles”.

O parecer da Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama  diz que houve intencionalidade na conduta infracional, pois o Dnit não poderia alegar desconhecimento da legislação ambiental das obrigações e limitações das atividades, no âmbito da regularização da rodovia BR-319, mediante o ato administrativo do TAC (Termo de Acordo e Compromisso) firmado em 22 de junho de 2007.

No referido TAC consta que o Dnit “fica obrigado a proceder a paralisação de quaisquer obras de pavimentação/reconstrução da rodovia BR-319, entre os km 250 e km 655.7 (Entroncamento BR-230(A), bem como quaisquer obras relacionadas a esse trecho da rodovia, como a instalação/substituição de obras-de-arte especiais e correntes, jazidas e áreas de empréstimo, bota-foras (depósitos de material excedente), depósitos de materiais (areais, seixos, cascalhos, argila etc), canteiros-de-obra, realização de qualquer supressão de vegetação, obras de terraplanagem, entre outras intervenções, até a atestação da viabilidade ambiental dessas obras e emissão da devida Licença de Instalação pelo Ibama.”

O parecer da Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama  afirma que o Dnit, se respaldando de um Licenciamento Ambiental Único (LAU) do Ipaam, que autorizava apenas obras de “manutenção”, acabou empreendendo obras de “pavimentação e reconstrução”, intervenção que só pode ser realizada com o licenciamento do Ibama, após aprovação do Estudo de Impacto Ambiental (Eia/Rima).

Além da multa e da paralisação das obras, o Dnit também deve apresentar projeto de recuperação ambiental das Áreas de Preservação Permanente ( APPs), áreas de jazida, áreas de empréstimo, áreas de bota-fora e canteiros de obras irregulares referentes às obras de implantação rodoviária do trecho compreendido entre os km 250 e km 655,7 da rodovia BR 319.

Segundo a Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama , o Dnit deve ainda retirar todas as máquinas e equipamentos utilizados nas obras de implantação rodoviária do trecho compreendido entre os km 250 e km 655,7 da rodovia BR 319, mantendo apenas aqueles indispensáveis à prevenção de danos ambientais, justificadamente.

Dnit diz que vai recorrer da decisão do Ibama

Procurada pela Amazônia Real na quinta-feira (09/10), a assessoria de comunicação do Dnit disse que o órgão não foi notificado pelo Ibama sobre a autuação e embargo da obra pela Ibama até aquela data. Disse que, caso haja qualquer decisão no sentido de paralisar a obra, o Dnit vai recorrer.

Segundo o superintendente do Ibama no Amazonas, Mário Lúcio Reis, a direção do Dnit já foi comunicada no último dia 5 de outubro sobre a multa e o embargo. Ele disse que o Dnit tem 20 dias para se manifestar e apresentar sua defesa. Reis afirmou que o Ibama deve realizar uma fiscalização na área para verificar se as obras foram, de fato, interrompidas.

Em outro parecer com data de 16 de setembro, a Coordenação de Transporte do Ibama pede a anulação do Licenciamento Ambiental Único concedido pelo Ipaam ao Dnit. Entre os motivos, o Ibama diz que as intervenções realizadas no trecho central da rodovia 319 “caracterizam-se como obras de implantação de infraestrutura rodoviária, e não de conservação, não podendo ser enquadradas no conceito de ‘manutenção’ ou ‘conservação’, pela magnitude das intervenções e por se tratar de rodovia não pavimentada.”

A Coordenação de Transporte do Ibama diz que as obras em andamento “são indevidas e que as licenças emitidas pela autarquia estadual são nulas, uma vez que o licenciamento ambiental para as obras de implantação/ pavimentação da rodovia, em andamento,é de competência federal, de acordo com a Lei Complementar nº 140/2011, e que, por não se tratar de rodovia pavimentada, o trecho em questão da BR-319/AM não se enquadra na referida Portaria ou mesmo no Decreto nº 8437/2015.”

Em outro parecer, com data do dia 17 de setembro, a Coordenação de Transporte do Ibama afirma que “os danos ambientais causados pelas intervenções sem a adoção das medidas de controle e mitigação, na ausência de uma equipe de supervisão ambiental e ainda sem a conclusão e aprovação dos devidos estudos para determinar os impactos socioambientais do empreendimento, são contínuos, de grande magnitude e com potencial para tornarem-se irreversíveis, de forma que é imprescindível o embargo imediato das atividades, até que o empreendedor realize os estudos necessários para determinar a viabilidade ambiental da obra.”.

De acordo com o parecer da Coordenação de Transportes do Ibama, constam no sistema do órgão 81 autos de infração contra o Dnit, sendo 80 multas e uma advertência, além de 15 determos de embargo e 19 notificações.

No caso envolvendo a BR-319, há outras irregularidades reincidentes anteriores e que resultaram em duas ações civis públicas por parte do Ministério Publico Federal do Amazonas em 2006. Diversos autos de infrações lavrados pelo Ibama totalizaram, na época, uma multa de R$ 3 milhões devido a várias irregularidades ambientais, como desmatamento, ocupação irregular de áreas de preservação permanente, despejo de resíduos em cursos d´água em desacordo com as normas ambientais, assoreamentos, entre outros. O Ibama, porém, não informa se as multas foram pagas.

Dnit precisa apresentar EIA/Rima

Desde que entrou em processo de licenciamento ambiental, o trecho central da BR-319 já apresentou três EIA/Rima. O primeira versão é de 2008, que não foi aprovada pelo Ibama. Em 2009, outras duas versões foram apresentadas, ambas devolvidas. Nesse período, o Ministério do Meio Ambiente emitiu a Portaria 295, criando o Grupo de Trabalho para elaborar diretrizes e acompanhar o licenciamento ambiental da rodovia BR-319. As informações constam no parecer da Coordenação de Operações de Fiscalização do Ibama.

Conforme consta no parecer do dia 25 de setembro, em dezembro de 2008 foi emitido o Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial, no qual foram estabelecidos o Plano de Proteção e Implementação das Unidades de Conservação ao longo da rodovia. Outras tratativas foram definidas, sem que o processo avançasse. O diálogo entre os dois órgãos foi retomado somente em 2013 para tratar das complementações necessárias, mas o Ibama concluiu pela impossibilidade de emitir um parecer conclusivo para o EIA apresentado pelo Dnit devido a desatualização e inadequação das informações prestadas.

O Ibama diz que o processo de licenciamento foi formalmente retomado por meio da emissão de Autorização de Captura, Coleta e Transporte de Material Biológico ( ACCCT) em 04/08/2014 e emissão do Termo de Referência (TR) definitivo em 03/11/2014.

“O ICMBio apresentou manifestação favorável a realização das campanhas de fauna e flora dentro das unidades de conservação administradas pelo órgão na área de influência do empreendimento, além disso contribuiu para a emissão do Termo de Referência definitivo com a solicitação de inclusão de dados por meio do Ofício n° 162/2014 – DIBIO/ICMBio de 27/08/2014. No momento, o Ibama está aguardando o recebimento dos estudos”, diz trecho do parecer.

Segundo o Ibama, o EIA/Rima do Dnit deve atender os critérios do órgão ambiental federal, que  avalia a obra de pavimentação na BR-319 como “de alto risco de impactos negativos irreversíveis e de grande magnitude na área de influência do empreendimento, do elevado grau de conservação dos ecossistemas e da complexidade das obras previstas pelo projeto, que não se resumiriam à restauração e adequação, mas seriam sim de implantação rodoviária”, segundo diz seu.

Com uma extensão de 870 km, a BR-319 foi inaugurada em 1977, durante o governo militar, mas ficou abandonada nas décadas de 80 e 90, sendo sua recuperação retomada somente no século 21, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva

A rodovia BR-319 é a única ligação terrestre entre as cidades de Porto Velho/RO e Manaus/AM.

Conforme relata o Ibama, a rodovia sofreu processo de intensa degradação devido a ausência de manutenção/conservação, possível inadequação do projeto, bem como pelo elevado regime pluviométrico da região, levando a situação atual de extensos trechos de atoleiros, trechos com péssimo estado do pavimento, queda de pontes, escorregamentos da plataforma estradal etc.

“Este processo de degradação resultou na interrupção da trafegabilidade da rodovia no trecho entre Humaitá/AM e Careiro/AM, restringindo a ocupação das margens da estrada nesse trecho, em vista da ausência de núcleos urbanos e vilas de maior tamanho, e possibilitando a manutenção de extensas áreas preservadas de Floresta Amazônica”, diz a nota técnica do Ibama.

Dnit diz que tem licença ambiental para atuar

A assessoria de comunicação do Dnit foi procurada para informar se o órgão havia sido notificado. Também foi questionada sobre o posicionamento ou resposta do Dnit em relação à acusação do Ibama. A assessoria enviou uma nota com a seguinte resposta:

“O trecho do meio (do quilômetro 224,8 ao quilômetro 655) da rodovia BR-319/AM encontra-se em processo de licenciamento junto ao Ibama para obras de pavimentação (depósito de camada betuminosa sobre base e sub-base compactadas).

A rodovia, por se encontrar em leito natural (em terra) e devido ao clima amazônico, estava em precárias condições de trafegabilidade, provocando o isolamento das populações por ela servidas.

Foi solicitada, então, autorização ao Ibama para efetuar manutenção deste trecho, ou seja, obras de conservação para garantir a trafegabilidade, sem qualquer melhoramento de base, sub-base, alargamento, drenagem, etc.

O Ibama respondeu pelo ofício nº 100/2012/CGIMO/DILIC, de 12 de setembro de 2012, que o órgão responsável por licenciar a obra de manutenção seria o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do estado do Amazonas), que forneceu a Licença Ambiental Unificada nº 394/2014, permitindo a realização das obras de manutenção da via no  leito natural e na sua faixa de domínio (ao lado da pista).

O DNIT monitora as empresas que estão no trecho. Estas empresas têm licença ambiental para atuar. Caso haja qualquer decisão no sentido de paralisar a obra, o DNIT irá recorrer.”

MPF entrou com ação contra Dnit e Ipaam

No início deste mês, o Ministério Público Federal do Amazonas  entrou com uma ação civil público na Justiça pedido a suspensão imediata nas obras do trecho central da rodovia BR-319. O pedido também foi feito com base no relatório dos fiscais da superintendência do Ibama no Amazonas.

“Em fevereiro deste ano, o Ibama informou ao MPF que as obras dos três trechos da rodovia haviam sido autorizadas após assinatura de termo de compromisso entre o órgão e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela obra. Em relação ao trecho central, no entanto, foi solicitada elaboração de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Pelo termo de compromisso, o estudo deveria ser aprovado antes de qualquer obra no referido trecho, mas não foi o que o Ibama constatou na prática”, comunicou o MPF.

O MPF também diz que, ao conceder a Licença Ambiental Única, o Ipaam contrariou a legislação sobre licenciamento ambiental. “Trata-se de uma licença única que, de uma vez só, substitui as três fases sucessivas e complementares do procedimento de licenciamento ambiental”, cita trecho da ação.

Igarapé obstruído durante as obras. (Foto: Ibama)

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