Para evitar novas ditaduras, é preciso retirar poder dos militares, da mídia e do capital

Marcela Belchior – Adital

Trinta anos após a retomada da democracia política na Argentina, após superar sua sexta ditadura, considerada a mais cruel da América do Sul, o enfraquecimento dos poder militar, econômico e midiático nas decisões do Estado é sua principal política de direitos humanos. A orientação é proteger o país dos três pilares que, juntos, podem aplicar um golpe de Estado e destituir a população do seu poder soberano. Para discutir o assunto, a Adital entrevistou o ativista de direitos humanos Ramón Pablo Videla, ex-operário metalúrgico que lutou em movimentos da guerrilha armada dos anos 1970, na Argentina, esteve 10 anos na prisão pela repressão militar e, hoje, colabora dentro do governo da presidenta Cristina Fernández com a construção de uma nação livre de autocracia.

Membro do Centro Internacional para a Promoção de Direitos Humanos (CIPDH) e funcionário do Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Argentina, Videla esteve no Brasil, recentemente, para promover a discussão em torno da importância da valorização do tripé memória, verdade e justiça para a consolidação do sistema democrático em todos os países sul-americanos, que viveram ditaduras nas últimas décadas. Estas orquestradas pelo interesse imperialista dos Estados Unidos, mas que, ainda hoje, não implementaram todas as possíveis formas de fazer justiça aos que sofreram com a repressão dos militares e dos donos do capital.

Para ele, além de retirar poder do histórico tripé Forças Armadas-Capital-Grande Mídia, é preciso penalizar todos os colaboradores das ditaduras da história política recente em território sul-americano. “Na Argentina, temos 577 militares presos, ou seja, na política de memória, verdade e identidade se aplica justiça. (…) Na Argentina, nunca mais vai se condenar uma pessoa por suas ideias”, assevera Videla.

ADITAL – A Comissão da Verdade na Argentina conseguiu resgatar os elementos ocultos da história da ditadura militar?

Ramón Pablo Videla -Bom, em épocas, inclusive, da ditadura militar, ano de 1978, a dois anos da ditadura instalada, surgiram os organismos de direitos humanos. Estes organismos tiveram uma ativa participação, que, inclusive, chegou àquela tentativa dos militares na Guerra das Malvinas contra os ingleses. Os militares fizeram como última tentativa de conseguir continuar no poder por toda a vida, como haviam proposto. Mas a participação das organizações de direitos humanos também chegou a esses familiares que foram mandados à guerra e muitos deles morreram.

Isto fez com que se abrisse um processo de democratização na Argentina e se desse, em 1982, um chamado às eleições. Aí, surgiu o primeiro governo democrático, eleito pelas urnas. Esse governo tomou como política que levasse a julgamento as ditaduras militares, as juntas militares que haviam levado adiante a política da repressão na Argentina. Foi assim que se produziu, em 1987, o primeiro julgamento político da junta militar. Isto foi alcançado, mas veremos mais adiante o porquê da aplicação tão férrea da política de direitos humanos. Esse primeiro governo democrático depois da ditadura continuou pressionado pelo poder que ainda tinham os militares.

ADITAL – E os Estados Unidos.

RPV – Claro, e os Estados Unidos. Através do Brasil, mantinham toda a política. O Brasil era a ponta de lança de todas as ditaduras na Argentina e no Cone Sul. Esse governo continuou sendo pressionado pelo poder que tinham os militares porque não haviam firmado sua proposta de governo, de controlar o poder dos militares, controlar o poder econômico do Fundo Monetário Internacional, controlar o poder dos meios de comunicação massiva, que eram os que permitiam que a direita politicamente se sentisse forte e levasse adiante sua política de golpe de Estado.

Então, esse governo começou a retirar poder dos militares e a levar a julgamento as primeiras juntas militares. Mas surgiu um movimento dentro das Forças Armadas, que pressionou o governo e faz manifestações, como ocupar quartéis, levar os tanques às ruas e atos de conspiração, e arrancou desse primeiro governo democrático a restauração de uma das primeiras leis, que foi chamada de Obediência de Vida. Esta lei estabelecia que poderiam ser julgadas as juntas militares, os ideólogos da repressão, mas não os subalternos; por isso a Obediência de Vida.

Porque os subalternos cumpriam ordens dos seus superiores. Ainda assim, eles continuaram com as conspirações militares e, posteriormente, também arrancaram outras lei desse governo, que foi a Lei do Ponto Final. A Lei do Ponto Final dizia que não se podiam julgar atos posteriores à retirada da ditadura e a chegada do governo democrático, ou seja, que do ano de 1983 para trás, não se podia julgar nada. Era como uma Lei de Autoanistia, como a que tem o Brasil. Ou como a que tem o Uruguai. Ou como a que tem o Chile.

ADITAL – E, nos últimos anos, com o governo de Cristina Fernández, qual foi o tratamento em torno dessa questão?

RPV – Te digo: em 1990, diante das pressões que vinha recebendo esse primeiro governo democrático, de Raul Alfonsín, entregou antes o poder por se sentir pressionado pelos militares e, nas eleições organizadas às pressas, surgiu o presidente Carlo Menem. Carlos Menem, fazendo uso da faculdade que lhe dá a Constituição Federal, como presidente da nação, como comandante e chefe das Forças Armadas, ditou uma anistia a todos os militares que haviam sido julgados até então. Deixou em vigência as duas leis, a de Obediência de Vida e a de Ponto Final. Existe toda uma pressão social com muito conteúdo relacionado aos direitos humanos, motorizada pelos organismos de direitos humanos.

Assim, levaram adiante essa política de direitos humanos do governo do presidente Menem, que levava adiante uma política de amizade com o imperialismo, com o Fundo Monetário Internacional, porque aplicou o projeto neoliberal na Argentina. Tudo o que haviam conseguido fazer os militares, sendo governo de fato, ele fez com um governo democrático.

ADITAL – A superação da ditadura militar na América do Sul, no fim dos anos 1980, foi de interesse dos Estados Unidos, para iniciar uma nova fase neoliberal, uma vez que o comunismo e o socialismo já estavam reprimidos.

RPV – Sim, mas, na Argentina, era algo muito particular. Não se pode esquecer de que a Argentina foi um país onde o acesso à cultura sempre esteve presente. O fato de que, após a Segunda Guerra Mundial, muitos imigrantes tenham se aproximado da Argentina em busca de Trabalho. Vinham operários, profissionais, tipógrafos, sapateiros, da indústria frigorífica, da indústria metalúrgica…

E, logo que esses operários chegaram, como imigrantes, conseguiram trabalho, se organizaram e formaram organizações, como as anarquistas, como as comunistas, chegaram a formar associações sindicais de primeiro, segundo e terceiro nível (digamos, sindicato, associação e federação). É algo muito diferente de qualquer outro país da América Latina, inclusive, era surpreendente para um sindicalista alemão, um sindicalista italiano ver que, na Argentina, um delegado de uma parte dessa empresa podia para com a indústria.

Era um grau de consciência extraordinário, que não tinha outro povo. E isso trouxe dificuldades, por isso a quantidade de detidos, de desaparecidos, que são 30 mil. Desses 30 mil, um terço são operários de fábrica e outro tanto são estudantes. E há famílias inteiras. Há famílias que têm desaparecidas até 15 pessoas.

Mas não conseguiram destruir tudo isso. Por isso nós vimos que também, na década de 1990, houve tentativas do imperialismo de continuar com essa aplicação política neoliberal e de contrainsurgência. Mas, na Argentina, havia um estado de mobilização permanente, que deixava impossível essa aplicação. E assim foi que, em 2003, assumiu o presidente Néstor Kirchner, com um projeto de inclusão social bem antineoliberal, dando muita participação à política de direitos humanos. Nós vínhamos, a partir das organizações de direitos humanos, pressionando os governos que vinham se sucedendo para que tomassem como política de Estado a política de direitos humanos, mas não conseguíamos.

Até 2003, quando chegou o presidente Kirchner; ele, no mesmo ato que anulou as Leis de Obediência de Vida e a de Ponto Final, também anulou os conteúdos do indulto, que havia decretado o presidente Carlos Menem. Mas, além disso, pediu perdão à sociedade argentina como presidente da nação pelos feitos da ditadura militar, pelos crimes que havia cometido a ditadura militar. Algo que deveria ter sido adotado por outras instituições que também são parte do Estado, como a Igreja Católica argentina, que, até hoje, não pediu perdão.

ADITAL – Isso se manifestava também na valorização da economia nacional?

RPV – A política se firmou em objetivos no governo do presidente Néstor Kirchner. Os objetivos eram retirar poder dos militares, para que nunca mais se desse um golpe militar na Argentina; retirar poder do Fundo Monetário Internacional, que nos fixava sempre regras de como deveríamos administrar, os argentinos, a economia; e retirar poder também dos meios de comunicação massiva concentrados e que tinham, digamos, na Argentina, sob seu poder. E assim foi.

As Avós da Praça de Maio, vendo que as Leis de Obediência de Vida e de Ponto Final haviam conseguido colocar em liberdade os militares que haviam sido condenados pelos delitos cometidos tomaram as decisões que fazer o juiz Baltazar Garzón, da Espanha, levar adiante condenações e de militares, não na presença deles, mas como um país, digamos, que tinham tratado firmado com a Argentina. Que, diante dos delitos cometidos pelas ditaduras militares, esses delitos tomavam um conceito que, até o momento, não haviam sido tomados, que eram delitos de lesa humanidade, os delitos cometidos contra a humanidade.

Portanto, imprescritíveis e que seus executores podiam ser julgados em qualquer parte do planeta que tivesse acordos a partir das Nações Unidas, e acordos firmados que fizessem possível essa aplicação. Daí que as Avós da Praça de Maio tomaram o que, até agora, não havia sido posto em execução, que é o sequestro dos filhos dos detidos desaparecidos. Havia mães que pariam em um centro clandestino e, no momento de parir, era sequestrado seu filho e a matavam. Houve 600 crianças desaparecidas na Argentina. Digo “havia” porque, até o momento, recuperamos, na Argentina, 155 filhos. Já são pais, já têm filhos. Faltam 350 [450].

ADITAL – Com relação àquele número de 30 mil pessoas desaparecidas, é um numero antigo ou, até hoje, 30 mil seguem com paradeiro desconhecido?

RPV – A política de atirar ao mar os detidos desaparecidos tornou possível encontrar seus restos mortais, porque, a princípio, os atiravam no mar com vida e isto fazia com que seus pulmões não se enchessem de água, flutuavam e apareciam nas costas. Muitos deles apareceram nas costas uruguaias. As Mães da Praça de Maio, que sequestraram, em 1978, na Igreja Santa Cruz, em Buenos Aires.

Então, o que faziam depois: colocavam nos aviões, lhes davam injeções, mas, no momento de atirá-los ao mar, os esfaqueavam, digamos, para que sangrassem e, no momento de chegar na água, o sangue atraísse os tubarões e, bom, eram exterminados.

Era quase impossível encontrar seus restos mortais. Houve gente que morreu nas prisões, houve gente que morreu nos centros clandestinos de detenção e houve gente que fuzilaram porque, nesse dia, não levava documento. Foram formadas forças comuns e isto é o que se está sendo descoberto, porque as Avós da Praça de Maio, ao considerarem o sequestro de crianças, puderam, perante as Nações Unidas e perante a Organização de Estados Americanos (OEA) instalar um novo conceito de delito de lesa humanidade, e isso tornou possível que se recomeçasse aquela proposta inicial de levar a julgamento todos os militares que haviam cometido esses delitos.

Ou seja, que muitos dos que haviam sido condenados, que estavam na prisão e que haviam sido deixados em liberdade por essas duas leis e pelo indulto, voltaram, novamente, a serem julgados. Na Argentina, temos 577 militares presos, muitos deles estão morrendo na prisão, seja pela sua idade ou pela doença que têm, e estão em processo de ir para a prisão. Ou seja, na Argentina, na política de memória, verdade e identidade, se aplica justiça.

ADITAL – Hoje em dia, a lei argentina permite que se faça o julgamento dos militares antes daquela data, na década de 1980.

RPV – Sim, (…), mas segue sendo uma política de Estado retirar poder das Forças Armadas. (…) As Forças Armadas a serviço da nação e não para reprimir os protestos, porque a presidenta da nação disse também que, na Argentina, nunca mais haverá um prisioneiro político por defender suas ideias. Na Argentina, nunca mais vai se condenar uma pessoa por suas ideias.

Isso continua sendo feito. A política de direitos humanos, na Argentina, é um exemplo para o mundo. Nos centros clandestinos de detenção, onde se torturava, se matava, onde se exterminavam pessoas — que, aqui [Brasil], também vocês têm —, em todos os centros, houve mais de 600 centros clandestinos; são recuperados e não se paga indenização para recuperar porque também havia casas, casas de veraneio, fazendas (…). Não, lá foram colocados três pilares, que um é memória, o outro verdade, justiça, e se apropria disso o Estado. E isso é um centro da memória.

Transformou-se no centro da memória. Têm cultura, têm política, se transmite às pessoas que, antes, sequer sabiam que isso acontecia lá (…). Na Argentina, a política de direitos humanos tem uma projeção. Por quê? Porque a política de direitos humanos, hoje, trata da história recente da Argentina. E a história recente, qual é? Os 30 mil desaparecidos.

Mas a política de direitos humanos para o futuro, para os que hoje têm 15 anos, 14 anos, 16 anos, que, na Argentina, podem votar, eleger — dos 16 aos 18 não é obrigatório, mas sim, depois dos 18. A política dos direitos humanos tem muito a ver com aquilo que, no sistema capitalista, em sua Constituição Federal, estabelece para os Estados e os governos e diz que os governos devem garantir a seus cidadãos os direitos à vida, à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação.

Tudo isso são direitos humanos também, mas também é um direito humano a defesa dos recursos naturais. De nós se avizinha agora, além de vivermos no Cone Sul, o problema que vai ser a água. Vai ser um problema, que vai levar a enfrentamentos. Não, por nada, os ingleses se instalaram nas Malvinas. Porque são parte do projeto do [Tratado de] Ottawa e do Atlântico Sul. Porque eles já estão nos barcos levando água para a Europa, para seus países. Claro! E água doce, que temos na Argentina, temos no Brasil, na Bolívia. Esta é a política de direitos humanos, que tem projeção com vistas ao futuro.

Para nós, ao fazer uma política de Estado, todas as pessoas têm acesso a essa política, porque o Estado imprime em folhetos, em livros, em jornais, em rádios comunitárias, na televisão comunitária, implementa essa política de direitos humanos. Ou seja, todo mundo está informado, na Argentina, o que é a atividade de direitos humanos.

ADITAL – Quais são os principais temas de direitos humanos, hoje em dia, na Argentina?

RPV – Hoje em dia, na Argentina, na política de direitos humanos é encarcerar todos aqueles militares, forças de segurança e civis, tanto eclesiásticos como da parte industrial, que foram colaboradores da ditadura militar, levá-los a julgamentos em tribunais federais e à prisão em uma prisão comum. E isto é o que está sendo feito já. Há militares, há sacerdotes, bispos, empresários, que foram colaboradores da ditadura militar. Este é o objetivo número um: retirar poder deles. Porque foi publicado um livro, na Argentina, que se chama “Nunca mais”, que diz “nunca mais uma ditadura militar na Argentina”. E a única forma de que isso não ocorra é retirando poder desses três: o poder militar, o poder econômico e o poder dos meios de informação.

ADITAL – Atualmente, vivemos no Brasil um momento em que a elite conservadora de direita pede a volta dos militares ao poder, com a saída da presidenta da República, Dilma Rousseff, em um movimento que se assemelha a um golpe de Estado. O que você pensa sobre isso?

RPV – Bom, isto é uma política que não corresponderia a mim falar. Eu sou um funcionário do Ministério da Justiça da Argentina e não tenho que intervir em manifestações verbais contra a política de outro país. Isto eu deixo para que vocês façam uma leitura do que a Argentina faz no governo federal, retirando poder dos três poderes, que sempre se unem para dar golpes militares (…). Façam uma revisão disso e se atentem. Nós [na Argentina] temos 577 militares presos. Vejam se vocês têm algo disso aqui [Brasil].

(…)

ADITAL – Como avalia a relação da Argentina com outros governos considerados progressistas na América do Sul, como Bolívia e Equador? O Brasil também é considerado, mas está em um momento um pouco mais distante dessa orientação.

RPV – Eu acredito que [o Brasil] perdeu no trem da vida, que tiveram nesse momento. Quando o governo teve 80% de aceitação, não foi capaz de levar adiante esta política da Argentina. Por isso não há um militar preso. (…) Com a Bolívia e a Equador nós estamos colaborando muito. Lembre-se que são países produtores de droga, mas não deve se estender. E que a coca na Bolívia é utilizada para medicação. Para produzir cocaína você necessita de muitos quilogramas de coca para fazer um grama de cocaína. Nós temos boas relações e, além disso, colaboramos, neste momento, com o governo do presidente Rafael Correa, com tudo o que é atividade social.

Um exemplo: com relação à questão de cinema. O Incaa (Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais), da Argentina, está colaborando, neste momento, com o Equador. E, de um filme que tinham por ano, passaram a ter 26 filmes. Na Argentina, se produz cinema. Na Argentina, o cinema nacional é realizado pelo Estado, mas também tem o cinema de direitos humanos, que realiza, hoje, o Instituto Multimídia [Instituto Multimedia DerHumALC (IMD)], uma ONG. E que realiza projeções de direitos humanos e outras. (…)

ADITAL – O Papa Francisco é considerado importante para o diálogo entre diversos países, inclusive, entre os países da América do Sul. Qual é sua avaliação a respeito da liderança de Jorge Bergoglio?

RPV – Eu tenho uma opinião. A Igreja Católica Apostólica Romana necessitava de um papa negro. Bergoglio é esse papa negro. Mas não de pele, e sim porque a Igreja Católica Apostólica Romana necessitava resgatar, recuperar, em consciência e em participação, todo esse catolicismo, porque os países da América Latina são católicos por descendência e estavam se perdendo com a política dos Estados Unidos, que realiza através das Igrejas Evangélicas. (…)

Ele foi eleito porque a Igreja Católica Romana necessitava do papa negro. Um papa negro que recuperasse tudo isso que havia perdido com a política que implementava Roma, por meio do Vaticano. Porque haviam se transformado em outro imperialismo, porque administravam a economia do mundo pelo poderoso que era.

Francisco diz que o grau de concentração monopólica que chegou o capitalismo (não fala de imperialismo) se tornou o eixo, cruel. E isto é o mesmo que a esquerda do marxismo-leninismo diz, o imperialismo é a última etapa do capitalismo. Por quê? Porque é tanta a necessidade, tanta avareza, que vai se concentrando cada vez em menos, menos e menos mãos, inclusive, absorvendo seus sócios menores, e se torna cruel, claro.

Mas há uma coisa. Da última vez, eu segui esta última viagem de Francisco pela Bolívia, Equador e Paraguai e, quando ele estava na Bolívia, o via pela televisão, porque o canal da Venezuela, a TeleSur, passava direto na Argentina. (…) Ele falou sobre solidariedade, e falou como um princípio da Igreja. Mas a Igreja não faz solidariedade. A solidariedade é um princípio da humanidade. É um princípio que determina a consciência do ser humano. É uma prática social. Em troca, a Igreja não aplica solidariedade, porque a Igreja vive de um dízimo, é muito forte, poderosa economicamente. Faz caridade, mas não faz solidariedade. Então, não confundamos. Claro, eu não vou sair por aí dizendo, porque não estarei contra. Mas, atentem, caridade não é o mesmo de solidariedade.

ADITAL – O atual contexto da política, economia internacional e da religião hegemônica estaria preparado para manter o Papa Francisco na liderança da Igreja Católica?

RPV – Ele sempre diz: “rezem por mim”. E diz porque está com esse temor de que algo possa lhe ocorrer. Não acredito que esteja na concepção da Igreja Católica Romana, mas, sim, na concepção de Francisco. Porque Francisco foi parte de um movimento muito numeroso e poderoso na Argentina, que foi o peronismo. E ele é peronista (mas eu não sou peronista). E é provável que ele tenha metas firmadas nesse resgate da espiritualidade da humanidade.

ADITAL – Espiritualidade libertadora?

RPV – Eu tive ativa participação com companheiros que praticaram a Teologia da Libertação nacional, que eram sacerdotes guerrilheiros, e posso te dizer que pensávamos igual, com algumas dissidências em relação à luta armada. Mas que também eram guerrilheiros, também defendiam sua vida, às vezes, com uma arma. Muitos deles foram mortos, estão desaparecidos alguns. (…)

Bergoglio era militante desse movimento [peronismo]. Deve ter, em seu pensamento, algo de libertação. Mas a Igreja Católica Apostólica Romana ainda não pediu perdão ao povo. Espero que Francisco faça isso, uma vez que resolva os problemas internos, que são muito fortes. (…) Vai ser dentro do Vaticano porque o Vaticano está muito raivoso com isso de deixar tanta opulência, tanta suntuosidade, tanto ouro. Não, não. Por que eles não se dirigem a quem não tem nada? O que vão dizer a uma pessoa que não tem nada, quando sua casa está cheia de ouro? Ele está realizando uma política contrária, porque, por isso, foram cometidos muitos crimes. E é preciso corrigir tudo isso. (…)

Ramón Pablo Videla foi preso político na última ditadura argentina e, hoje, opera de dentro do Estado. Foto: Adital

Comments (2)

  1. Tive a satisfação de conhecer e compartilhar com o Ramón Pablo Videla momentos de troca de experiências sobre a luta no Cone Sul. Por trás daqueles olhos existe uma sensibilidade digna dos grandes lutadores. Muito Boa a entrevista e Parabéns pela pauta.

    Quem sou eu?
    Professor de Geografia da Rede Estadual de Ensino do Estado da Bahia elaborando projeto de mestrado sobre Racismo ambiental e Educação

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