Aty Guasu critica ‘CPI do Cimi’: “Não somos manipulados. Somos portadores de capacidades humanas”

Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá

Através desta nota pública, reafirmamos que nós indígenas Guarani e Kaiowá, reocupantes das terras tradicionais tekoha, não somos conjuntos de bonecos, fantoches e não somos robôs para ser manipulados e guiados pelos não indígenas. A princípio somos seres humanos, portadores de todas as capacidades humanas, pensamos, planejamos, agimos, reagimos, morremos e resistimos como seres humanos.

Nós somos sujeitos responsáveis e conscientes pelos nossos atos e assumimos a consequência de nossas ações. Sabemos muito bem onde se encontram nossas terras tradicionais de nossos ancestrais. No contexto atual, como qualquer ser humano, aprendemos a ler, escrever e dominamos internet, falamos mais de duas línguas, utilizamos todos os tipos de tecnologias modernas, avião, carro, celular, internet, etc.

Já é sabido que ao longo da formação do atual país Brasil os “índios” foram considerados como não seres humanos, sem alma e sem-terra, taxado de “índio”, “selvagem”, “bicho”, “nômades”, “bugre”, “silvícola”, “bárbaro”, “canibal”, etc, etc. No século XVIII, esse discurso ideológico oficial e histórico dominante justificou e justifica ainda o massacre, genocídio, violência permanente contra os povos indígenas. Nós líderes dos povos indígenas constatamos que em pleno século XXI, a maioria dos fazendeiros e políticos anti-indígenas reproduzem esses discursos equivocados e criminosos, taxando os indígenas de não seres humanos, incapazes de pensar e lutar pela recuperação das terras, ignorando todas as capacidades humanas das pessoas humanas dos indígenas. No último ano de 2015, esses discursos truculentos antigos em pauta são divulgados com frequência pelos fazendeiros e políticos anti-indígenas tanto na câmara estadual e federal quanto na grande mídia, incitando o ódio, massacre, genocídio e violência contra os povos indígenas. Nos jornais, os “índios” são taxados pelos fazendeiros de “invasores das fazendas”, “baderneiros”, “criminosos”, “bandidos temidos”, “guerrilheiros”, etc, ignorando a manifestação e protestos legais dos povos indígenas.

No contexto em que os fazendeiros acusaram e acusam ainda os missionários do CIMI e alguns políticos de incitar aos indígenas para “invadir” “propriedades particulares”. Divulgaram e argumentaram sempre na justiça que os missionários do CIMI, os funcionários da FUNAI, antropólogos, partidos políticos (PT) incitariam aos “índios para invadir fazendas”, ignorando a capacidades humanas dos povos indígenas. Em decorrência disso, os políticos anti-indígenas criam o CPI DO CIMI. As lutas e os movimentos sociais indígenas apareceram sempre na história como fossem um conjunto de robôs manipulados pelos não-índios, mas nós indígenas na luta legítima pela recuperação de nossas terras não somos robôs. Nossa luta social pela terra é baseada nos direitos indígenas. Essas lutas e decisão indígenas de recuperar e reocupar parte das terras tradicionais sempre é exclusivamente do povo Guarani e Kaiowá. Essa é a verdade. De fato, desde meados de 1960 até hoje, a maioria dos povos indígenas lutou e resistiu em permanecer nas suas terras, assim não assistiram parado e calado à invasão e ocupação de suas terras pelos fazendeiros. Sobretudo nos últimos 50 anos, as nossas lutas pela reocupação das terras tradicionais e a resistência dos povos indígenas foram registradas tanto pelo governo da ditadura militar como pelo governo da República e democrático de direito. Nossa luta pela recuperação das terras tradicionais é exclusivamente dos povos indígenas, não fomos manipulados como os bonecos, não somos robôs mecânicos, mas somos guerreiros resistentes do grande povo Guarani e Kaiowá para sempre.

É interessante se compreender que nós indígenas não somos preguiçosos e trabalhamos muitos sim, entre as décadas de 40 e 80, durante a implantação das fazendas, nós indígenas trabalhamos na derrubada de toda a floresta do sul de MS. Logo em seguida, os fazendeiros recém-assentados, aliados à ditadura militar, começaram expulsar-nos e dispersar-nos de forma violenta de nossas terras, todos nós indígenas sabemos muito bem dessa história. Os fazendeiros sabem muito bem também dessa história que ocorreu 50 anos atrás. Queremos deixar claro que a nossa luta pela recuperação de nossas terras começou antes de existir o CIMI, ainda na ditadura militar.

Já em meados de 1980, 1990 e 2000, quando os pistoleiros não conseguiam efetuar o despejo, os fazendeiros contratam advogados para conseguir a ordem de despejo da Justiça Estadual e Federal, a ser realizada pelas forças policiais. A forma de agir dos agentes policiais não difere muito da dos pistoleiros: ambos utilizaram armas pesadas, queimaram as casas das comunidades indígenas, ameaçaram e assustaram crianças, mulheres e idosos. Muitos indígenas que foram vítimas de despejo e massacres, ao narrar suas histórias, nem conseguiam saber se foram pistoleiros ou policiais os que agiram.

 Nos últimos cinco anos desde 2011, houve vários ataques violentos às comunidades, despejos e assassinatos dos líderes indígenas realizados por pistoleiros na região de Cone Sul de MS. Além disso, neste mês de setembro de 2015, estão em cursos cinco ordens judiciais de reintegração de posse aos fazendeiros que podem resultar em despejos e violência contra as famílias Guarani e Kaiowá autorizados pela Justiça. Nós líderes Guarani e Kaiowá nessa situação já nem sabemos mais a quem recorrer para garantir os nossos direitos constitucionais. Só resistimos com as nossas famílias e colocamos as nossas vidas na frente à mira das armas de fogos dos fazendeiros. Em alto e bom som, os fazendeiros anunciam que os indígenas resistentes podem ser assassinados, massacrados e trucidados, sob o regime de ordem judicial e de ameaça de morte dos pistoleiros contratados.

É evidente que esse massacre e genocídio e violência em curso contra os indígenas resistentes são fomentados pelos próprios sistemas de poderes judiciários, políticos e econômicos dominantes no Brasil. Os direitos indígenas nacionais e internacionais estão sendo claramente ignorados em Mato Grosso do Sul e no Brasil.

Por fim, neste final de mês de setembro de 2015, diante de cerco dos pistoleiros e dos policiais, nós indígenas juntamente com as nossas famílias decidimos em resistir, lutar e morrer pela recuperação de nossas terras tradicionais, isso é exclusivamente dos povos indígenas, não fomos manipulados como os bonecos, não somos robôs mecânicos, mas sim somos guerreiros resistentes do grande povo Guarani e Kaiowá. Já assassinaram as nossas lideranças, já atacaram e massacraram as nossas vidas, já nos expulsaram, mas não vamos desistir de nossas terras. Essa é a decisão definitiva dos povos indígenas Guarani e Kaiowá.

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá, 28 de agosto de 2015
Líderes de Aty Guasu do grande povo Guarani e Kaiowá

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