Entrevista: Frei Rodrigo fala sobre reunião dos atingidos pela mineração em Roma

Por Pedro Martins, do Canal Ibase

Entre os dias 17 e 19 de julho aconteceu em Roma a reunião do Conselho Pontifício de Justiça e Paz com representantes de comunidades atingidas pela atividade da Mineração. A pauta foi uma solicitação da rede Yglesias e Mineria e levou pessoas de 18 países. Dentre as dificuldades para a realização desta reunião, causa bastante preocupação as ameaças e intimidações sofridas pelos representantes para que não fossem à reunião.

Frei Rodrigo Peretebien esteve em Roma e falou um pouco mais sobre a questão ao Canal Ibase. Ele explica como a questão chegou ao Vaticano, motivando inclusive uma carta do Papa Francisco falando sobre a necessidade de se ouvir o “grito” dos atingidos pela mineração. Confira esta entrevista bastante esclarecedora.

Canal Ibase: Como o debate sobre as violações causadas pela mineração chegou ao Conselho Pontifício de Justiça e Paz? A que tipo de síntese o debate atual chegou?

No ano de 2013, CEOs de grandes empresas de mineração pediram um dia de reflexão com o Conselho Pontifício de Justiça e Paz. Esse encontro, ocorreu em 7 de setembro de 2013 em Roma, Itália, organizado pelo Conselho. Nesse encontro foram focadas questões ambientais e sociais relevantes para o interesse das empresas mineradoras. Estiveram presentes, por parte das empresas, o presidente do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM) Anthony Hodge, bem como altos executivos de empresas associadas ao ICMM, incluindo a African Rainbow Minerals, Anglo American, AngloGold Ashanti, Areva, BHP Billiton, Rio Tinto e MMG. Estavam presentes, também, delegados de fora da indústria, incluindo representantes da Igreja e Oxfam America.

A intenção das empresas é a de estabelecer, segundo elas, um diálogo, em questões relevantes para a indústria mineira, incluindo as metas atuais e desafios. A retórica é a de que as empresas querem conhecer o que pensa a Igreja, mostrar seu interesse em dialogar e buscar soluções.

Em vista disso em 2013, quando da primeira reunião da rede Iglesias y Mineria, no Peru, se decidiu solicitar ao Conselho que escutasse também as comunidades atingidas pela mineração. Esse pedido foi reforçado em 2014 no encontro de Brasília e em março de 2015 foi possível dialogar pessoalmente com o Cardeal Turkson que aceitou a proposta, dizendo que eles do Conselho estavam já sentindo essa necessidade de escutar os atingidos.

A posição da rede Iglesias y Mineria é a de que um verdadeiro diálogo entre realidades tão desiguais necessita primeiro de uma negociação. O poder das mineradoras nos territórios é enorme. Na prática, o que acontece nos territórios é o oposto, as mineradoras impõem seus interesses e dinâmicas e não aceitam um diálogo concreto e verdadeiro com as comunidades atingidas. Segundo Iglesias y Mineria a posição da Igreja não deve ser a de neutralidade, para um pretenso diálogo, mas o de se colocar ao lado dos que sofrem as violações e impactos.

Portanto, esse encontro foi assumido pelo Conselho e organizado com a colaboração de Iglesias y Mineria. Para nós de Iglesia y Mineria foi um encontro fora da agenda de conversas do Conselho com as mineradoras, e um espaço para que a Igreja oficial escute as lutas e compreenda a partir das comunidades afetadas e suas organizações, a realidade da mineração e seus impactos nas comunidades e territórios.

O Conselho visava ter elementos para o diálogo com as mineradoras, uma vez que uma próxima reunião com elas será com em setembro de 2015. Contudo, é importante frisar que no final do encontro o Cardeal Turkson expressou que a Igreja quer escutar a realidade e ver como pode estar mais presente.

Canal Ibase: Alguns dados apontam que representantes presentes na reunião sofreram ameaças. Essa informação procede? Que tipo de ameaças foram relatadas?

Sim é verdade. Foi o próprio Cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, na conferência de imprensa, no início do encontro quem denunciou. Foram pressões e intimidações que receberam alguns participantes após o simples pedido do passaporte. As empresas entram em contato com dioceses e até mesmo com o Conselho querendo conhecer a lista de participantes. Alguns dos participantes foram interpelados para não irem. Essas ameaças são gravíssimas se levamos em consideração o histórico de violências, assassinatos e represálias que sofrem pessoas atingidas pelas atividades minerarias em várias partes do mundo.

Só para termos uma ideia de como agem as empresas, depois do encontro em Roma,a Anglo American, piorou suas atitudes e relações em relação à comunidades atingidas pelo projeto Minas Rio (mineroduto) em Conceição do Mato Dentro, MG.Fato relevante é que um dos principais articuladores, do chamado “diálogo” entre as empresas mineradoras e o Conselho é um CEO da Anglo American.

Canal Ibase: Na sua opinião qual a importância do Conselho debater este tema? Somado a isso, qual a importância de o Papa Francisco se manifestar publicamente em solidariedade às comunidades atingidas?

Mais do que debater o tema, a importância está no fato de uma instância oficial da instituição universal da Igreja teve contato direto com as pessoas atingidas e tenha recebido informação concreta pela boca de quem sofre os impactos e as violações de direitos humanos. Os membros do Conselho e o Cardeal em pessoa escutaram e viram a pessoas, souberam de sua lutas e reivindicações. O contato, o testemunho e a clareza das denuncias e a ativa participação de pessoas diretamente afetadas constituem para uma melhor compreensão do problema. Um exercício explicito de olhar a partir dos atingidos.

Por sua vez, a mensagem do Papa tem uma dimensão importantíssima não só na perspectiva de solidariedade mas, de denuncia das práticas das mineradoras Ao se referir os gritos das comunidades,, o Papa lista uma série de problemas. Além disso, o Papa diz que todo o setor minerário é “chamado a fazer uma mudança de paradigma para melhorar a situação em muitos países”.

Canal Ibase: Quais as semelhanças e as diferenças das comunidades atingidas pela mineração no Brasil e as de outras partes do planeta?

O que chamou mais atenção foram as semelhanças na maneira como operam as empresas mineradoras. Mesmo tendo em conta que se relataram no encontro, realidades de 18 diferentes países, as violações aos direitos humanos e os impactos ambientais são similares. O que nos mostra que as violações e impactos fazem parte da operação da atividade mineira.

Canal Ibase: Em sua mensagem, o Papa Francisco fala do “grito” dessas populações diante das consequências da mineração em suas vidas. Qual a importância de todos escutarem esses gritos?

É fundamental que se divulgue e ampliem o conhecimento da realidade da mineração e das atividades ligadas à cadeia produtiva e de infraestrutura ligada à mineração. Na realidade esses gritos são o retrato dos impactos e das violações, que muito pouco são divulgadas. Conhece-los ajuda a fortalecer a luta das comunidades, movimentos e grupos nos territórios.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.