Aquela faixa marrom no horizonte de São Paulo não é fumaça de maconha, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Você que mora em um lugar civilizado, talvez tenha dificuldade para entender o que é viver dentro de um grande fumódromo, como São Paulo.

Mas não é o tabaco ou mesmo a maconha que tornam o céu cinzento. Apesar disso, anúncios da primeira substância são proibidos na TV e a venda da segunda ainda leva ao xilindró, enquanto propagandas de automóveis – estes sim, responsáveis pelo sovaco de urso que cobre a cidade – são onipresentes e fazem você acreditar que felicidade depende de agarrar um voluptuoso câmbio com força.

Estou tomando a liberdade de resgatar um texto que já havia escrito após filhos de casais de amigos terem dado entrada em pronto-socorros com crise respiratória. Convivemos com uma faixa escura preenchendo o lugar em que estaria o horizonte. Talvez pelo fato disso parecer distante, o paulistano não acredita que está imerso nela. Sente seus efeitos quando os olhos começam a coçar, a asma ataca ou aquele pigarro fica mais comprido que o de costume.

Enquanto isso, em um final de tarde, em uma praça vilamadalenizada qualquer, gente gracinha se refestela ao pensar que a metrópole fica linda nessa época do ano, com seus pôres-de-sol vermelhos, batendo palmas quando o Astro-Rei vai embora.

– Uhú! Valeu, Sol!

Quem disse que micropartículas de produtos químicos nocivos à saúde em estado de suspensão no ar, quiçá carcinogênicas, não podem ser românticas?

Os noticiários salpicam aqui e ali que a inversão térmica está dificultando a dispersão dos poluentes, mas nada de falar sobre o nosso modo de vida e as consequências de nosso modelo de desenvolvimento: carbono, enxofre, chumbo e uma sopa de produtos químicos expelidos principalmente por veículos.

– São os anunciantes, seu estúpido!

Somos reféns dos carros. Seja porque o poder público (com nossa anuência e apoio de montadoras e empreiteiras) manteve o foco no transporte individual em detrimento a investimentos pesados no coletivo, criando uma massa que acha que civilidade é ter um carro bom e não uma boa rede de trens, trams e ônibus. Seja porque criamos um sistema econômico que se tornou deles dependente.

Esse crescimento econômico dá a possibilidade de ter acesso a coisas que não tínhamos antes, por outro outro nos tira preciosos dias de vida. Pois respirar o ar de São Paulo certamente me levará mais cedo para a sepultura.

Se alguém tenta mudar, tirando privilégios dos carros, os defensores do status quo vociferam.

– Direitos de quem anda de ônibus deve ser o mesmo de quem anda de carro!

Putz, vai falar isso em outras cidades mais organizadas do mundo que você toma um tapa.

Quem vive em Sampa, traga o equivalente a três cigarros por dia. E, o pior, sem ter o barato do cigarro. E se alguém reclama, algum adepto do “paulistanismo”, o nacionalismo paulistano, patologia que cresce impune por essas bandas do Trópico de Capricórnio, prontamente vomita: São Paulo, ame-a ou deixe-a.

Imaginem isto aqui em 100 anos, com três, quatro graus a mais de temperatura média anual, resultado do aquecimento global causado pela nossa própria ignorância e voracidade por recursos naturais? Teremos ultrapassado o limite de insalubridade de São Paulo e talvez a cidade seja um grande deserto (isso sem contar a falta de água, que é outra história).

Se bem que para milhões de paulistanos, excluídos por questões ambientais, sociais, econômicas, culturais esse limite já foi ultrapassado há muito tempo.

Ou talvez nunca tenha existido.

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