No Norte de Minas, corte de matas é feito apenas para liberar terreno

Antes, a mata nativa era derrubada basicamente para produção de carvão e para servir de pastagem, cultivo agrícola ou monocultura de eucalipto por empresas reflorestadoras

Luiz Ribeiro, Estado de Minas

O cerrado tem grande relevância ambiental por ser berço de nascentes de rios e córregos, mas o bioma, que cobre 56,9% do território mineiro, está sendo devastado no Norte de Minas. Os últimos registros do sistema de monitoramento do IEF revelam que, em dois anos, entre maio de 2013 e de 2015, foram desmatados 25.468 hectares de cerrado, que corresponde a 768 vezes o território de BH.

O desmatamento desafia os órgãos ambientais, mas com uma mudança. Antes, a mata nativa era derrubada basicamente para produção de carvão e para servir de pastagem, cultivo agrícola ou monocultura de eucalipto por empresas reflorestadoras. Agora, o vilão na região semiárida é o cultivo de eucalipto feito por produtores rurais como alternativa à seca, por ser planta resistente. O corte ilegal também destrói faixas de caatinga e mata seca.

Durante décadas, a produção de carvão vegetal foi responsável pela devastação de grandes extensões de matas nativas no Norte de Minas. Apesar dos graves danos à natureza, é uma alternativa de renda para produtores rurais, diante da seca permanente. Nos últimos anos, com a queda do preço do produto e o aperto da fiscalização, a atividade deixou de ser atrativa. Mas o desmatamento continuou para plantação de eucalipto.

“Os proprietários estão derrubando a vegetação nativa com interesse exclusivo de “limpar a área”. Como a produção de carvão não é mais atrativa, eles enterram o material lenhoso”, afirma o gerente regional do Alto e Médio São Francisco do IEF em Januária, Mário Lúcio dos Santos. Ele ressalta que hoje, mesmo bem mais valorizado do que o produto de mata nativa, o carvão a partir de madeira plantada (eucalipto) ainda está com o preço relativamente baixo, na faixa de R$ 120 a R$ 130 o metro cúbico. “Certamente, os produtores estão plantando eucalipto porque acreditam que o mercado ainda vai melhorar”, observa.

Mário Lúcio informa o IEF embargou 4,2 mil hectares de desmatamento ilegal este ano na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Pandeiros, considerado o principal berçário de peixes do Rio São Francisco, além de concentrar dezenas de veredas (nascentes). O gerente revela também que, área próxima às margens do Rio Pandeiros, a fiscalização localizou uma área de desmate de 250 hectares, onde há estava sendo feito o plantio de eucalipto, sem licença ambiental. No mesmo terreno, foi constada a derrubada de 130 pequizeiros, árvore símbolo do cerrado, imune de corte.

O proprietário informou aos fiscais que a intenção era desmatar 450 hectares. Ele foi autuado em R$ 1,5 milhão e obrigado a assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público do Meio Ambiente para reparar os danos causados à natureza.

A Operação Veredas do Cerrado, feita pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), no fim de junho e início de julho, fiscalizou 28 propriedades na região de Januária e Chapada Gaúcha. O corte ilegal de 3,3 mil hectares gerou multas de R$ 6,2 milhões.

O subsecretário de Controle e Fiscalização Integrada da Semad, Marcelo Fonseca, confirma a mudança de uso das áreas desmatadas. Proprietários “limpam” os terrenos para cultivar eucalipto, sem queimar a lenha da mata nativa para produzir carvão. “Muitos optam por enterrar a madeira porque não está sendo vantajoso escoar essa madeira ou porque não conseguem vender o carvão produzido de maneira ilegal”, afirma Fonseca.

O ambientalista Eduardo Gomes, diretor-executivo do Instituto Grande Sertão (IGS), organização não-governamental que atua no Norte de Minas, entende que o governo deveria estimular o cultivo de eucalipto em áreas já desmatadas, reduzindo o corte ilegal e poupando vegetação nativa. “O desmate do cerrado atende apenas o interesse econômico imediato. Deveriam ser priorizadas as áreas já desmatadas, principalmente pastagens, que existem em grande número sem uso e em processo de degradação, com destaque para a erosão.

GIGANTE

Outra região onde a vegetação foi retirada para plantio de eucalipto é Gigante, em Botumirim. Após denúncia de moradores, a fiscalização aplicou multa R$ 624 mil ao proprietário. Segundo a Semad, houve corte de 115 hectares de cerrado, inclusive 2.498 pequizeiros, fruto-símbolo do cerrado e 1.348 caraíbas/ipês (igualmente protegidos por lei). O dono do empreendimento teve o pedido de licenciamento indeferido, com suspeita de uso de documentos e de informações falsas. Mesmo com o indeferimento, ele insistiu na implantação das atividades.

A reportagem encontrou vestígios de desmatamento recente, com tratores e homens trabalhando no preparo do solo e tratos culturais do cultivo de eucalipto próximo a um acampamento. O ambientalista Eduardo Gomes afirma que se, como foi feita a autuação e o desmate foi considerado irregular, não poderia haver mais nenhuma atividade na área desmatada para plantar eucalipto na região do Gigante.

Gomes ressalta que região não pode sofrer desmate e nenhum outro tipo de ação antrópica, tendo em vista que está no Atlas da Biodiversidade de Minas Gerais como “área prioritária para a conservação”. Ele ressalta que, além do grande número de árvores imunes ao corte, nascentes e veredas, a região tem campos rupestres, concentrando riquezas da flora e da fauna, com uma variedade de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e invertebrados. Segundo ele, foi iniciada articulação para que o dinheiro das multas seja usado para criação do Parque Estadual de Botumirim.

Imagem: Corte ilegal de árvores em Minas cresceu 23% nos dois últimos anos. Além do desmatamento, o cerrado sofre com incêndios criminosos (Manoel Freitas)

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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