Obras de transposição do São Francisco geram violência e incerteza no semiárido nordestino

Pedro Leal David, Informe ENSP

O governo federal vem descumprindo compromissos assumidos com o Ibama para diminuir os impactos ambientais da transposição das águas do Rio São Francisco, levando a um cenário de violação aos direitos fundamentais da população local. Está é a conclusão a que se chegou durante uma oficina sobre justiça ambiental no território da transposição, organizada pela Fiocruz, em abril. Fizeram parte das discussões diversas entidades e movimentos sociais, como a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), o MST, além profissionais da Fundação. Marcelo Firpo, pesquisador do Cesteh/ENSP, é um dos pesquisadores que debatem o tema. Para ele, o início das obras de transposição, há oito anos, já representou uma derrota para os que lutam contra as injustiças ambientais. Agora, segundo Firpo, é preciso que se retome a mobilização em torno do assunto.

A alegação do governo para fazer a transposição, começada em 2007, foi de ela serviria para abastecer os centros urbanos das áreas mais secas do Nordeste Setentrional, além de atender a 325 comunidades que ficam próximas aos canais dos Eixos Norte e Leste, distribuídas por três estados: Pernambuco, Ceará e Paraíba. Antes do início das obras, foi produzido um Relatório de Impacto Ambiental (Rima) que previu 49 impactos, sendo 38 considerados negativos. Foi, então, gerado um compromisso do governo federal com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em torno de 38 programas ambientais, os chamados condicionantes. Além de ampliar o conhecimento e proteção da Caatinga em seus aspectos econômicos e sociais, os programas teriam por objetivo melhorar as condições de vida de comunidades indígenas e quilombolas na região. O que se observa hoje, no entanto, é o descumprimento ou adiamento dos compromissos assumidos.

Segundo o texto elaborado pela oficina organizada pela Fiocruz, indígenas, quilombolas, agricultores familiares, camponeses e assentamentos da reforma agrária, além da população local, em especial crianças, jovens, mulheres e idosos, têm sido fortemente afetados pelas obras transposição. Violência sexual, prostituição infantil, gravidez de meninas adolescentes, abandono de paternidade e consumo de drogas aumentaram com a presença dos trabalhadores das obras. Há ainda precariedade no reassentamento de trabalhadores rurais que tiveram que deixar suas terras, levando-os à depressão e uso de medicamentos. Explosões frequentes racham casas, secam açude e fontes de água, destroem plantações de palma, matam e espantam animais, sem sequer haver ressarcimento aos agricultores.

A violência contra os indígenas e quilombolas também se destaca, com  a não regularização da terra indígena Pipipã e dos territórios quilombolas, apesar de previsto no EIA/Rima, a violência cultural com o povo Truká, Kambiwá e Pipipã, bem como o caso dos quilombola que receberam casas de alvenaria, sem consulta  prévia, rompendo com uma longa tradição de rituais nas casas de taipa. A falta de diálogo também marca a construção de escolas e postos de saúde, construídos inadequadamente, sem que se ouvisse aos gestores de educação e saúde de várias cidades.

O grupo que debate o tema, que é coordenada por André Monteiro, da Fiocruz/Recife, ressaltou ainda que a despeito da gravidade do quadro, estes pontos, que dizem respeito a violações de direitos fundamentais, não são lembrados nas reportagens das mídias tradicionais que criticam as obras de transposição. Ainda segundo a oficina, o governo federal tem repassado para as empresas privadas, engenheiros e assistentes sociais das empreiteiras a responsabilidade de ouvir as queixas e demandas das comunidades, o que, na maioria das vezes, não gera soluções satisfatórias. O cenário é de incerteza, inclusive quanto à promessa inicial de que a transposição aumentaria o acesso à água para as populações e comunidades mais atingidas. Sobrevém o temor de que se confirme a apropriação privada da água para o agronegócio na região, em detrimento do convívio com o semiárido, da agricultura familiar e da agroecologia, do direito à terra e ao trabalho.

A oficina discutiu também a necessidade de instituições, entidades e diversos movimentos sociais se solidarizarem com as populações atingida, aprofundando as discussões e ações que revertam o quadro atual. Deve ser construído, em breve, coletivamente, um manifesto assinado por inúmeras organizações. Também será lançado um documentário sobre o tema, em junho, em Recife, pela Fiocruz.

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