IV Ato em memória a Zé Claudio e Maria: “Quanto mais pedimos por justiça, mais indiferença recebemos”

O Brasil está dando carta branca para o extermínio dos extrativistas, povos indígenas e quilombolas. Entrevista com Claudelice Santos

Por Luciana Gaffré, na Rel-UITA

Há quatro anos Zé Claudio e Maria foram assassinados; os mandantes continuam soltos, ameaçando quem se interpuser em seus caminhos. A polícia dá as costas aos pedidos de ajuda dos ameaçados de morte. A palavra de ordem do governo é abandono. Essa é a denúncia de Claudelice Santos, irmã e cunhada dos Heróis da Floresta, que hoje, em entrevista à Rel, espera divulgar o IV Ato não só em Memória do casal de extrativistas, como em defesa das florestas brasileiras e dos mais desprotegidos e exterminados impunemente e historicamente na “pátria amada” Brasil.

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O que vocês buscam com este IV Ato, previsto para o próximo dia 24 de maio?

Dizer não à impunidade. Há quatro anos, Zé Claudio e Maria foram assassinados e o Zé Rodrigues, um dos mandantes, continua solto, caminhando livremente e ameaçando quem ele bem entender, principalmente a nossa família.

Ele é considerado foragido pela justiça, mas há um ano está livre, quando devia estar preso.

Até agora a polícia não enviou o mandato de prisão dele. E quando vamos à polícia avisar que ele está lá nas nossas terras, nos ameaçando, a polícia simplesmente não faz nada.

Parece que quanto mais pedimos por justiça, mais indiferença recebemos.

Por isso o tema é “transformando o medo em esperança”?

Claro. Porque o que acontece conosco acontece com todas as pessoas que estão na lista de ameaçados de morte, que a CPT divulga ano após ano. E tem muito mais gente querendo nos matar.

Por isso eu não posso ficar lá. Por causa da falta de justiça, da sua morosidade e de um Estado que dá carta branca para matar, eu tive que sair da minha casa. E quem mora lá sofre pressão psicológica diariamente.

Matam nossos cachorros, atiram perto de nossas casas. Quando escurece, já temos que estar em casa, com as janelas e portas fechadas. Isso não é vida.

E a culpa é do governo que não executa a lei e que nega proteção e assistência às famílias ameaçadas de morte.

E por que negam essa proteção?

Porque alegam que não temos provas. Ou seja, a gente tem que tirar uma foto do pistoleiro apontando uma arma para você para eles acreditarem.

Então, as mortes anunciadas do Zé Claudio e da Maria não serviram como exemplo?

Não! O Zé Claudio fez mais de 30 boletins de ocorrência avisando que iam ser mortos! O Estado jamais foi ver o que estava acontecendo.

Deram as costas para eles, que foram covardemente assassinados.  E ainda hoje a justiça continua não fazendo nada.

Eu estou aqui na região de Santarém, onde a pressão é muito grande, porque vão fazer uma hidrelétrica aqui.

A população foi consultada? Não, não foi consultada. Vai acontecer chacina? Vai. E que prevenções contra essa chacina foram tomadas? Nenhuma.

O fato é que o Brasil está dando carta branca para o extermínio dos extrativistas, povos indígenas e quilombolas. Os fazendeiros com dinheiro pagam os pistoleiros para matarem quem eles quiserem.
O assassinato do Zé Claudio e da Maria foi mapeado pela CPT, e sabemos hoje que são vários os mandantes, vários e grandes fazendeiros, todos soltos.

Como as pessoas conseguem sair dessa lista?

As pessoas só saem dessa lista mortas. Se você entrar nessa lista, vai sair dela, sim, mas morto. E por quê? Porque o Brasil historicamente sempre deu carta branca para esse tipo de assassinatos, veja o caso da Dorothy!

O Brasil é um país totalmente omisso às nossas denúncias e os governos são absolutamente responsáveis por todas essas mortes anunciadas.

Ser ambientalista nesse país é querer morrer. E isso é um reflexo de uma longa postura de país que extermina aqueles que incomodam, gerando um histórico de violências, de assassinatos. E o governo joga tudo isso para debaixo do tapete.

Aliás, quando falamos com o Congresso, eles só fingem! Fingem que nos escutam, fingem que vão fazer alguma coisa, mas de prático não acontece absolutamente nada.

Por que vocês escolheram como lema “É tempo de destruir os sistemas que destroem a terra”?

Queremos mostrar que não concordamos com as decisões tomadas pelo governo com relação ao meio ambiente e às comunidades de extrativistas, cuja palavra é uma só: abandono.

O cenário é de desolação. Floresta em pé só mesmo no lote do Zé Claudio e da Maria. É aí que a pressão aumenta sobre nós. E não é uma área muito grande, é até pequena.

A pressão contra as nossas terras é muito forte e, por isso, precisamos da proteção do Estado. Está chegando num ponto onde estamos perdendo o controle da situação.

Lutamos por um processo de libertação da terra, contra a poluição, o desmatamento, porque o governo, em nome de um falso “progresso”, deixa as comunidades cada vez mais pobres, excluídas e doentes.

A hora de lutar pela preservação do meio ambiente é agora!

Destaque: Zé Cláudio e a Majestade. A imensa castanheira localizada no lote do assentamento do ambientalista era seu maior orgulho. Foto: Felipe Milanez.

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