Palestrantes equiparam assassinatos de negros no Brasil a genocídio

José Carlos Oliveira – Agência Câmara

Palestrantes equiparam assassinatos de negros no Brasil a genocídio e dizem que País vive racismo institucional. As afirmações foram feitas, nesta terça-feira (19), em audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da violência contra jovens negros e pobres.

O professor Valter Roberto Silvério, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, afirmou que a escravidão do período imperial e a posterior expulsão dos negros para as periferias criaram as condições históricas que hoje deixam essa população carente de políticas e serviços públicos.

Essa situação, segundo Silvério, se reflete no Mapa da Violência do País, que aponta proporção de assassinato de quatro negros para cada branco, na faixa etária de 15 a 29 anos. “Esse conjunto de racismo institucional, de péssimos equipamentos de saúde e de educação e de acesso segregado ao mercado de trabalho configura um quadro de reprodução das posições que a população negra sempre ocupou.”

Para Silvério, a pior consequência é: “vivemos uma guerra civil: morrem mais jovens negros por dia no Brasil do que, por exemplo, nos conflitos de Israel, Palestina e Irã. Nós vivemos, efetivamente, um verdadeiro genocídio dos jovens negros”.

Desvantagens para os negros

Segundo Valter Silvério, esse “racismo institucional” gera um quadro de três desvantagens para a população negra:

  • ocupacional, marcada pelo fato de os negros ocuparem as piores posições no mercado de trabalho, com baixa remuneração;
  • locacional, representada pelo fato de essa população habitar principalmente as regiões periféricas, desprovidas de equipamentos urbanos de qualidade; e
  • educacional – 55,4% das crianças de 4 a 5 anos e 61,2% dos jovens de 15 a 17 anos que estão fora da escola são negras, segundo o Censo de 2010.

“Há clara desigualdade entre brancos e negros no acesso a bens materiais e simbólicos”, afirmou.

Casos emblemáticos

Segundo o presidente do Grupo Cultural Olodum, João Jorge dos Santos, 525 mil negros morreram violentamente desde 2002. Ele também reclamou da falta de acesso dessa população a serviços públicos de qualidade e das ações policiais violentas que resultaram em chacinas, como a de 12 pessoas na favela da Cabula, em Salvador, ocorrida em fevereiro. “Nosso maior dilema agora é justiça, reconhecimento e desenvolvimento. É impedir que a sociedade e o Estado brasileiro continuem pensando em bala, violência, redução de maioridade, preconceito e selvageria. Essa é uma lição do passado e queremos ir para o futuro”.

Santos mostrou aos deputados a música “Samba-rap”, que o Olodum fez em 1994 para denunciar que, apesar de constituírem uma população de 105 milhões de pessoas, os afro-brasileiros são quase “invisíveis” em várias áreas da sociedade, como na mídia e nos altos postos do governo. “Nas esquinas do país, o mundo pode ver/ que tem gente abandonada e de fome vai morrer. / Preconceitos continuam na sociedade / pois quem tem dinheiro compra tudo com facilidade. / O negro nos programas de televisão / quando não é doméstico só pode ser vilão”.

Além do caso Cabula, João Jorge ilustrou a violência policial contra os negros com outros casos emblemáticos ocorridos no Rio de Janeiro: a tortura e assassinato do pedreiro Amarildo Dias de Souza e a morte de Cláudia da Silva Ferreira, baleada após uma operação da polícia carioca e depois foi arrastada por 250 metros por um carro da polícia.

O presidente do Olodum fez ainda um discurso contrário à mobilização da sociedade e do Congresso Nacional para reduzir a maioridade penal de 18 anos para 16 anos.

Articulação efetiva

Para o presidente da CPI, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), caberá ao colegiado buscar não só marcos legais que mudem essa situação, mas também a articulação efetiva de políticas públicas e ações de combate ao quadro de violência. “Estou convencido de que, mais do que fazer um plano nacional de enfrentamento do homicídio, nós temos de fazer um pacto republicano no país em relação a essa matéria: com todos os ministérios, estados, municípios, Ministério Público Federal e órgãos de Justiça”.

Os deputados elogiaram o Ministério Público da Bahia, que denunciou formalmente os PMs envolvidos na chacina da Cabula. As famílias das vítimas foram ouvidas pela CPI em audiências públicas em Brasília e em Salvador e pediram o apoio dos parlamentares na retomada das investigações, que, segundo elas, estavam paralisadas.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), uma das que solicitou a audiência, afirmou que a discussão é importante para que, por meio do resgate histórico da segregação, busquem-se medidas que solucionem ou amenizem a situação dos negros.

Já o deputado Delegado Edson Moreira (PTN-MG) fez discurso contrário à política de cotas e disse não ver “toda essa segregação na sociedade brasileira”. O deputado afirmou que “italianos já foram escravizados no Brasil, no século passado” e buscou destacar a integração histórica da população, como na luta de brancos, negros e índios brasileiros na expulsão dos holandeses, no Brasil colonial.

Silvério: o racismo institucional, de péssimos equipamentos de saúde, educação e acesso segregado ao mercado de trabalho, reproduz as posições que a população negra sempre ocupou. Foto: Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados

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