Educação no campo: a estratégia dos usurpadores

Em parcerias com as secretarias de educação, as gigantes dos agrotóxicos e transgênicos querem ensinar nossas crianças como cultivar os alimentos.

Por Najar Tubino, na Carta Maior

Usurpar significa apossar-se, para este texto, foi o sinônimo melhor adequado para tratar dos projetos socioambientais das corporações dos agrotóxicos no Brasil. A maior parte deles realizado em parcerias com as secretarias de educação dos municípios e de governos estaduais. O mais antigo deles é o da Syngenta chamado Educação no Campo, que nos últimos anos atendeu milhares de alunos nos principais estados produtores. Além disso, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), que reúne 14 empresas, sendo as sete maiores do mundo – Syngenta, Bayer, Basf, Dupont, Dow, Monsanto e FMC. As seis maiores faturaram em 2013 mais de US$ 62,74 bilhões. O único dado de 2014 é da Bayer – 9,464 bilhões de euros. No Brasil elas faturaram US$12,2 bilhões em 2014, crescimento de 6%, conforme informações do presidente da ANDEF, Eduardo Daher – “nós esperávamos crescer 9%”. Em 2010, as mesmas seis corporações tinham faturado US$52,1 bilhões.

Por que da usurpação? Porque os projetos socioambientais das corporações que espalham veneno e sementes transgênicas, que também são venenosas, tem como tema a produção de alimentos saudáveis e seguros, e também a proteção do meio ambiente. Uma explicação de Eduardo Daher sobre os projetos educacionais da ANDEF:

“O agronegócio está no DNA dos brasileiros, mas ainda é pouco discutido nas escolas. Buscando disseminar conhecimento sobre ciência e sustentabilidade no agronegócio, a ANDEF faz um trabalho junto aos estudantes em todo o país, da pré-escola ao MBA”.

A cartilha distribuída pela ANDEF – crença

Para isso criaram um mascote, o Andefino, em parceria com a Secretaria de Educação de Campinas, contemplando 50 escolas municipais da região, que percorre os estabelecimentos de ensino contando estórias sobre a agricultura. A base desta divulgação é uma cartilha intitulada “Pequenas histórias de plantar e colher”, da jornalista Ruth Bellinghini, que conta a saga do agronegócio no Brasil, conforme a divulgação oficial. É uma cartilha com a visão da agricultura que as corporações divulgam pelo planeta afora com 64 páginas, um histórico sobre domesticação de plantas, muita coisas sobre as terríveis pragas e ervas daninhas. Para então introduzir conceitos como esse:

“Desde essa época – a autora registra o lançamento do livro da Rachel Carson denunciando o envenenamento dos campos nos Estados Unidos – muita gente começou a desconfiar de quase tudo o que vem da química e da indústria. De lá para cá, muita coisa mudou. Os produtos agora são mais controlados e seguros, e os agricultores têm meios de obter informações sobre quanto, quando e como aplicá-los.”

Sobre o cultivo de orgânicos: “cresceu muito nos últimos anos na esteira do movimento ambientalista e da crença de que fertilizantes e defensivos químicos são perigosos para a saúde humana e para o ambiente. Existem normas para o cultivo desses produtos e recomendações de uso”.

Venenos banidos em seus países de origem, que são principalmente a Alemanha e os Estados Unidos – agora como forma de desvirtuar as legislações nacionais, na China ou na Índia – por provocarem câncer, doenças no sistema nervoso, alterações no metabolismo e no aparelho reprodutor de humanos, sem contar a contaminação das águas e de lençóis freáticos são tratados dessa forma. A cartilha teve uma tiragem inicial no ano passado de 10 mil exemplares e foi enviada para quatro mil escolas brasileiras. No final de 2014, a ANDEF firmou um convênio com as secretarias de Agricultura e Educação para entregar a cartilha a mais 3.800 escolas no estado de São Paulo. Tem um tópico da cartilha destinado à indústria canavieira e a produção de etanol.

Transgênicos são seguros, diz a cartilha

É óbvio que os transgênicos fazem parte da saga do agronegócio. A autora mostra como é a transferência de um gene do DNA da lagarta BT, que é um inseto, para uma planta produzir a mesma toxina, que outra lagarta logo comerá e morrerá. Com exceção da Helicoverpa Armigera, que é uma lagarta de outra espécie e que tem assombrado os mentores do agronegócio em todos os estados brasileiros. Ou então o Omega3, que ajuda a combater o colesterol e os triglicerídeos.

“Essa técnica provoca muita discussão – a transgenia – mas a FAO e as academias de ciências afirmam que esses são os alimentos mais testados e seguros que a humanidade já produziu”.

A ANDEF também um programa de certificação aeroagrícola sustentável chamado CAS, coordenado por universidades reconhecidas como a UNESP, de Botucatu, a Universidade Federal de Lavras e de Uberlândia. Quarenta empresas, 168 aeronaves e 143 pilotos já aderiram ao projeto. A entidade explica o motivo da iniciativa:

“A aplicação aérea de defensivos agrícolas é uma atividade extremamente importante para a agricultura em larga escala no Brasil. Em um país de dimensões continentais como o nosso as fazendas tendem a ocupar áreas maiores – em alguns casos as plantações podem se estender por centenas de quilômetros. Nesses casos é quase impossível fazer um controle de pragas eficiente utilizando apenas o maquinário convencional.”

Syngenta começou por São Paulo

A Syngenta, que desde 1991 iniciou o projeto Escola no Campo em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo, é uma empresa anglo-suíça que foi a maior produtora de venenos do mundo – teve faturamento em 2013 de mais de US$14 bilhões. O objetivo era formar uma nova geração de agricultores conscientes da necessidade de preservar o meio ambiente e usar a tecnologia para a produção de alimentos mais saudáveis.

“Para cumprir esse objetivo foi desenvolvido um programa didático que é usado em escolas rurais. O projeto conta com a participação ativa dos professores, que inserem os conteúdos educativos do projeto, na grade curricular das séries atendidas. Na Escola do Campo os jovens são estimulados a transmitir o que aprendem para suas famílias e para a sociedade em que vivem. Dessa forma, o projeto também assume papel importante na conscientização dos adultos sobre os conceitos da agricultura sustentável”.

Em determinado momento, depois de analisar o discurso socioambiental das corporações, comecei a alterar os verbos. De usurpar para escarnecer, como forma de acentuar o menosprezo, o desprezo, que estes grupos globais adotam para lidar com a inteligência do ser humano. No caso da Dupont são cinco projetos especiais voltados para o uso correto e seguro dos agrotóxicos – eles só usam o termo defensivos agrícolas, embora uma lei federal de 1989 defina o termo agrotóxico com clareza. É a Plataforma Segurança e Saúde e inclui os programas Dupont na Escola, Dupont Mulheres no Campo, Dupont Natureza e Dupont Universidade. Cada um deles tem uma frase-âncora, como define a corporação.

Meu herói, o agricultor

No caso das mulheres, esposas e filhas de agricultores que frequentam os eventos, que os representantes comerciais das regiões do interior do país organizam – eles vendem os venenos e organizam a educação socioambiental- a frase-âncora é: “filhas da terra, donas da vida”. No projeto Uso correto e seguro a frase é “sua saúde é nossa vida”.

“Inspirados nos valores corporativos da Dupont os projetos visam melhorar a qualidade de vida das pessoas, comunidades e também estimulem a produção de alimentos seguros e saudáveis. A plataforma Dupont Segurança e Saúde no Campo atingiu mais de um milhão de pessoas nos últimos anos. O Dupont na Escola está beneficiando milhares de crianças de escolas rurais com idades entre 7 e 10 anos a desenvolver trabalhos sobre boas práticas agrícolas. Premia alunos e professores com materiais didáticos e tem como tema: Meu herói, o agricultor”, informa a Dupont em seus comunicados oficiais.

Para complementar este festival de anúncios educativos sobre alimentação segura e saudável, patrocinado pelas corporações que envenenam o planeta há décadas e que agora estão assustadas com o crescimento da agroecologia e da produção orgânica no mundo – US$39,1 bilhões a comercialização de orgânicos apenas nos Estados Unidos em 2014. E, por consequência, com as mudanças climáticas, que evidencia a falência dessa fórmula de produção baseada em fertilizantes químicos e venenos com alta intensidade. Os lençóis freáticos estão tomados de salinidade no sul da Ásia e na Índia, a desertificação avança em vários continentes, os rios estão empanturrados de terra erodida.

Disputa pelas mentes

Agora as corporações entraram na disputa pelas mentes, querem convencer a população do planeta que sem venenos e transgênicos não existe outra alternativa para produzir comida. A Bayer é a corporação que entrou com tudo nesta questão. Lançou a plataforma “Farming’s Future Dialogues”. O executivo chefe da Bayer Cropscience, Liam Condon explica o objetivo:

“O diálogo com a sociedade tem uma importância crucial para que a inovação tenha sucesso. Portanto, o maior nível de transparência sobre como exatamente as soluções agrícolas beneficiam a sociedade é uma obrigação para a sua ampla aceitação. Desta forma a Bayer Cropscience está intensificando o diálogo público para promover a necessidade e os benefícios da ciência e inovação na agricultura. Muita gente confia na abundância de alimentos. Mas o sistema é frágil, necessita de inovação constante e apoio para garantir que o mundo disponha de alimentos suficiente para seu consumo”.

Tudo isso para argumentar que o lançamento de um novo agroquímico leva mais de 10 anos e custa 200 milhões de euros. A corporação também insiste que os seus novos tratamentos de sementes de milho, soja, trigo e outras oleaginosas com produtos chamados neonicotinoides são seguros. A União Europeia proibiu o uso dos neonicotinoides porque foram apontados como responsáveis pelo sumiço das abelhas.

A Bayer faturou US$2,98 bilhões com estes agrotóxicos, inseridos nas sementes antes da germinação, e pretende faturar até 2020 US$5,61 bilhões. Eles reduzem a superfície tratada em 10 vezes e em até 200 vezes se comparada com a aplicação pulverizada.

Para não alongar mais, e com a troca do verbo agora para escorchar, significa tirar a pele ou o revestimento, no caso das corticeiras, apenas citarei os projetos da Basf chamado Mata Viva de Educação e Adequação Ambiental e o programa Crianças Saudáveis, Futuro Saudável, que a Fundação Monsanto pratica em escolas para diminuir a anemia e a verminose, sem contar o Monsanto na Escola, com atividades de complementação pedagógica, melhorar a qualidade de vida, das crianças que são vizinhas à fábrica de venenos da empresa em São José dos Campos (SP).

Escorchado quer dizer esfoliado, é o que se pode dizer frente ao poder das corporações dos agrotóxicos para continuar expandindo o agronegócio brasileiro e mundial. Por um lado, financiam as campanhas da bancada ruralista, que aprovou o Código Florestal, que simplesmente reduziu tudo o que era área de preservação permanente e matas ciliares, somente para simplificar. Do outro, querem conscientizar as crianças do campo a preservar. Por fim, saudável quer dizer conveniente à saúde.

Créditos da foto: reprodução

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Beth Begonha.

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