Carta de uma mãe à escola estadual na qual a filha estuda

xxxxxxxxxx, 29 de Abril de 2015

Prezada diretora da Escola Estadual xxxxxxxxxx e demais funcionários profissionais da Educação,

Quero que saibam de minha satisfação pela boa condução da prática de ensino desta escola, a qual tem proporcionado a minha filha – e certamente a todos os alunos – aprendizado eficiente, sólido e que nada deixa a desejar em relação a outras crianças da idade dela que estudam em outras instituições escolares. Das primeiras coisas boas que ouvi das escolas de xxxxxxxxxx, logo que me mudei para cá, dizia respeito à excelência da E. E. xxxxxxxxxx, bem como de seus profissionais. É realmente um privilégio a minha filha poder estudar numa escola pública de qualidade.

Como participante da comunidade escolar, tenho conhecimento da realidade das condições de trabalho dos profissionais da educação, bem como dos novos desafios advindos de mudanças que vêm acontecendo em nossa sociedade. E é a respeito destes desafios que eu gostaria de falar um pouco, desde já acreditando na abertura desta Escola ao diálogo e à diferença.

Desde o ano passado, quando minha filha era aluna do xxxxxxxxxx ano, procuro acompanhar as atividades individuais e coletivas das quais ela participa. Peço que me informem, por gentileza, em que medida vem sendo cumprida pela escola a Lei Estadual MG 15434 de 05-01-2005, no que se refere a:

Artigo 1º Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa, respeitará a diversidade cultural e religiosa, sendo vedadas quaisquer formas de proselitismo e de abordagens de caráter confessional.

Art. 2º O ensino religioso será ministrado de forma a incluir aspectos da religiosidade em geral, da religiosidade brasileira e regional, da fenomenologia da religião, da antropologia cultural e filosófica e da formação ética.

Parágrafo único. Cabe ao órgão competente do Sistema Estadual de Ensino estabelecer as diretrizes curriculares para o ensino religioso, ouvidas entidade civil constituída pelas diferentes denominações religiosas, cultos e filosofias de vida e entidades legais que representem educadores, pais e alunos.

Art. 4º O ensino religioso será ministrado dentro do horário normal das escolas da rede pública e sua carga horária integrará as oitocentas horas mínimas previstas para o ano letivo. Parágrafo único. Ao aluno que não optar pelo ensino religioso serão oferecidos, nos mesmos turno e horário, conteúdos e atividades de formação para a cidadania, incluídos na programação curricular da escola.

Meu questionamento se baseia no conteúdo do caderno de Ensino Religioso do ano de 2014, em comentários feitos por minha filha a respeito de momentos de oração realizados nas atividades da escola, em eventos como o momento da partilha ocorrido no dia 24 de Abril de 2015, no qual uma das propostas impressa no convite seria “ensinar às crianças o ‘verdadeiro’ sentido da Páscoa”. A respeito deste último, ainda coloco que a Páscoa, no Brasil, trata-se de uma data comercial e religiosa que não representa toda a sociedade e muito menos todos os sistemas simbólicos de crença existentes em nossa cultura. Partindo deste argumento, observo também que a diversidade de crenças – ou ainda, a ausência de crença – existentes tanto na comunidade de xxxxxxxxxx quanto em toda a população brasileira não deve ser reduzida à ideia de que “Deus é único”, como diz o senso comum. Compreendo que não compete à escola a doutrinação religiosa, quer seja em momentos específicos, quer seja no dia a dia escolar em orações coletivas. Este papel cabe à família, quando esta assim desejar.

Outra colocação que quero fazer é a respeito da comemoração de datas comerciais como dia das mães ou dia dos pais. Toda vez que recebo um convite desta natureza, penso primeiramente na minha filha, cujo pai não é presente. Apesar dela ser muito bem criada, amparada e assistida pelo meu atual esposo, ele não substitui a figura do pai dela. Penso nas crianças cujos pais ou mães não são presentes, ou então já faleceram. Penso nas várias configurações de famílias que há em nossa sociedade: com dois pais, duas mães, ou então avós, ou tias e tios, dentre outros. Penso que, diante da realidade diversa a qual vivemos, é válido e urgente repensar algumas práticas tradicionais e dotadas de certo caráter conservador, a fim de preparar as crianças para uma sociedade em transformação, na qual o respeito à diversidade e à diferença e, ainda, uma postura ética cidadã é que permitirão que a harmonia exista. A este respeito, deixo registrada a sugestão de que seja discutido pelos devidos responsáveis algum tipo de comemoração, em data neutra, que celebre a família, qualquer que seja sua configuração, em substituição a estas duas datas.

Desde já, disponho-me a participar de reflexões coletivas que visem considerar e discutir a respeito da diversidade tanto de escolhas individuas quanto dos modelos de famílias existentes na sociedade. Participar da comunidade e da vida escolar de minha filha são prioridades para mim. A respeito de minhas colocações, aguardo um retorno da Escola Estadual xxxxxxxxxx. E, certa da eficácia da parceria comunidade-pais-escola, agradeço antecipadamente a compreensão de vocês.

[Observação importante: A escola recebeu o documento e convidou a mãe para uma reunião.]

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Débora Barcellos Teodoro.

Comments (1)

  1. Parabéns, Débora!
    Sua pequena está muito bem criada! Quem dera tivéssemos mais famílias transmitindo esta educação como vocês.

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