Primeiro de Maio: da Chicago de 1886 à Curitiba de 2015, por Leonardo Sakamoto

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Trabalhadores entraram em greve para reivindicar direitos que consideravam justos. E, em uma das manifestações, a polícia abriu fogo contra a multidão.

Curitiba, 2015? Poderia ser. Mas estou falando da Chicago de 1886.

A greve geral que começou no dia Primeiro de Maio daquele ano, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia, acabou em tragédia, com manifestantes e policiais mortos e sindicalistas condenados (injustamente) à morte. Nos anos seguintes, a data foi escolhida para ser um dia de luta por condições melhores de trabalho. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda-feira de setembro.

Quem visita a cidade norte-americana, encontra uma frase gravada em um monumento: “Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje”.

Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.

Nesta sexta, o poder da mobilização e a discussão sobre direitos que está na origem do Primeiro de Maio é ofuscada pelo sorteio de carros e casas e shows de cantores populares em cima de trio elétricos. E, não raro, por discursos vazios de pessoas que falam em nome dos trabalhadores em proveito próprio.

E 129 anos após os trabalhadores de Chicago irem às ruas exigirem jornada de oito horas, nós ainda não a conseguimos por aqui.

A última redução de jornada ocorreu há exatos 27 anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas semanais. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para formação pessoal.

Outros vão dizer: mas boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em atividades rurais. Ou que jornada de trabalho não faz mais sentido em um momento em que a internet torna a jornada flexível. O problema é que “jornada flexível” raramente significa trabalhar menos, mas estar mais tempo ligado ao trabalho ao longo do dia.

Uma proposta em trâmite no Congresso que pede a redução da jornada também aumenta de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, tem que trabalhar mais? Que se pague bem por isso.

Ao mesmo tempo, o poder público – federal, estaduais e municipais – ainda trata trabalhadores que reivindicam por seus direitos como um caso de polícia, da mesma forma que a Chicago do século 19.

Seja em Curitiba ou em qualquer cidade grande brasileira, temos relatos de trabalhadores em greve que apanharam, levaram tiros e respiraram gás.

Manifestações que questionam a desigualdade e a injustiça social tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas como subversivas. As “ordeiras”, que não mexem com a estrutura econômica e social do país, não. Por que será?

O Brasil está correndo a passos largos para rasgar sua legislação trabalhista – sob um governo que se autodeclara “dos trabalhadores”. Se a ampliação da terceirização não significasse redução de direitos, não estariam tentando te convencer tão arduamente de que isso é melhor para você e para o país.

Sem contar que há um rosário de projetos tramitando no Congresso Nacional que depreciam a vida do trabalhador, como os que reduzem a idade mínima para começar a trabalhar ou os que pioram a definição de trabalho escravo para diminuir a sua punição.

Há mais de 100 anos, buscava-se direitos trabalhistas e previdenciários. Agora, luta-se para mante-los.

Neste Primeiro de Maio, não esqueça: todos os direitos que você tem hoje não foram dados por alguém de forma milagrosa, mas são fruto de lutas brasileiras ou internacionais de gerações. É função dos governantes fazer parecer que foram eles que, generosamente, concederam. E função da história dos vencedores registrar isso como fato.

Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato no feriado. Mas dos braços parados que se negam a produzir riqueza sem que um diálogo aberto e franco com os empregadores seja estabelecido.

Trabalhadores são fortes. Pena que se esquecem disso.

Destaque: O Quarto Estado, de Giuseppe Pelizza da Volpedo

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