Eliseu Lopes leva realidade do povo Guarani-Kaiowá ao Fórum Permanente da ONU

Por Carolina Fasolo, Assessoria de Comunicação – Cimi

Eliseu Lopes Guarani-Kaiowá, que participa, junto com outras lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Fórum Permanente para Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), discursou, na tarde desta segunda-feira (27), em Nova York (EUA), à Relatora Especial da ONU sobre direitos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz.

A dura realidade que seu povo enfrenta no Mato Grosso do Sul, principalmente devido à desigualdade territorial, foi um dos principais eixos de sua fala, que também evidenciou a responsabilidade do governo federal diante da violência praticada contra os povos originários do Brasil. “Na região em que vivo, de 2003 a 2013 houve pelo menos 150 conflitos entre meu povo e fazendeiros da região. Neste período tivemos pelo menos 15 grandes lideranças assassinadas, a maior quantidade do país, cujos inquéritos policiais não resultaram em nada”.

Mato Grosso do Sul concentra 53% dos assassinatos de indígenas do Brasil. Nos últimos 12 anos, foram 380 mortes. O número de suicídios, principalmente entre os mais jovens, também espanta: 660 casos no mesmo período, o equivalente a um caso por semana. Destes, 70% eram jovens do povo Guarani-Kaiowá. “Não estão inclusos neste levantamento os casos de 2014, porém já sabemos que houve 36 homicídios e 47 suicídios. Ou seja, nos últimos 14 anos houve mais de 709 suicídios de indígenas no Mato Grosso do Sul”, disse Eliseu, que é liderança de Kurusu Ambá.

Lindomar Terena, que acompanha os debates na ONU, disse que os indígenas sentiram um “espanto”, por parte do Fórum, em relação às questões colocadas na última sexta-feira (24), quando Lindomar leu uma carta da Apib dirigida à mesa diretora. “Isso porque o governo brasileiro estava sempre divulgando uma realidade de outro país, não do Brasil. Por isso é tão importante incidir nestes espaços e construir novos mecanismos e instrumentos para reforçar a nossa luta em defesa de nossas vidas, de nossas terras”, enfatizou. “Viemos para dizer neste espaço da ONU que apesar de toda a repressão para que não consigamos reconquistar nossos territórios, nós, povos indígenas, continuamos firmes e lutando. Se não permitirem que sonhamos, também não os deixaremos dormir”, reforçou Lindomar, liderança do povo Terena em Mato Grosso do Sul.

O estado, que abriga a segunda maior população indígena do país, com 75 mil pessoas, é o que tem menor número de terras demarcadas. “Nossas reivindicações são de apenas 2,3% do território de Mato Grosso do Sul e não estão em faixa contínua. Enquanto o gado pode ter 70%, nós não podemos ter 2,2% ou 10% do que foi nosso num passado bem recente”, disse Eliseu em seu discurso.

As tentativas da bancada ruralista de usurpar os direitos conquistados pelos povos na Constituição de 1988 foram evidenciadas na fala de Eliseu. “Nós indígenas não aceitamos isso e nem o marco temporal que o Poder Judiciário tem decretado em suas decisões. As duas coisas, além de inconstitucionais, violam a Convenção 169”.

Eliseu fez ainda um convite em nome do povo Guarani-Kaiowá para que Victoria Tauli-Corpuz faça uma visita às comunidades indígenas do estado, “para sentir de perto e na pele a realidade que estamos vivenciando e denunciando, o dia-a-dia de fome e tensão do povo Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul e não na ocasião dos tais jogos indígenas mundiais promovido pelo governo brasileiro, onde a verdadeira situação dos povos indígenas estará obscura, fora de foco ou muito bem escondida”.

Lindomar Terena disse que a expectativa da delegação de lideranças indígenas é de que o governo brasileiro “tire da gaveta” e assine os decretos de homologação e as portarias declaratórias e destrave também os procedimentos de identificação e delimitação das terras indígenas no Brasil. “Essa seria uma sinalização de grande valia. Esperamos ainda que os governos de outros países deixem de comprar produtos que são explorados em terras indígenas que continuam invadidas por latifundiários no Brasil. Dissemos aqui na ONU que esses produtos são manchados com o sangue dos nossos povos e lideranças indígenas. Esperamos ainda que o Congresso Nacional não mude o texto constitucional e que o Supremo Tribunal Federal respeite o sentido do artigo 231 da Constituição Federal estabelecido pelos deputados constituintes”. O Fórum segue até a próxima sexta-feira (31).

– Discurso de Eliseu Lopes –

Sra. Presidente do Fórum Permanente 2015

Sra. Relatora Especial para nós povos indígenas.

Mba’éichapa!!!

Meu nome é Elizeu Lopes, Ava Kuarahy, sou Guarani-Kaiowá, representante da Grande Assembleia Aty Guasu Guarani Kaiowa e do Conselho Continental da Nação Guarani – CCNagua. Nós, os Guarani Kaiowa, somos o segundo maior povo Indígena do Brasil, com quase 50 mil pessoas.

Nesta tarde em que este Fórum se propõe a dialogar com a Relatora Especial sobre a situação dos nossos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, quero trazer a realidade do meu País neste tema, mais especificamente testemunhar o caso do meu povo. Lamentavelmente não o faço como exemplo de aplicabilidade daqueles direitos, mas como violador deles, mesmo nos atuais ditos governos populares.

Quero dizer, Sra. relatora, que ano passado acompanhei o seu informe durante o Conselho de Direitos Humanos em Genebra, ocasião em que também apresentei a realidade do meu povo ao Conselho. Mas, depois daquelas atividades, o Estado Brasileiro através de sua Polícia Federal vem tentando me dissuadir a fazer novas viagens de denúncia. Para estar aqui hoje, tive que pedir autorização à um Juiz Federal, pois sofro, assim como outras lideranças indígenas no Brasil, criminalização por nossas lutas.

Minha aldeia, Kurusu Ambá, diante das ilegais paralizações das demarcações de terras no Brasil, está em processo de autodemarcação do nosso território. Mesmo que  3 pessoas já tenham sido assassinadas por fazendeiros, inclusive nossa anciã, Xurite Lopes, mesmo que a Polícia vá lá nos ameaçar com prisões, quero reafirmar a decisão de nossa Grande Assembleia Aty Guasu, em recuperar palmo a palmo todo nosso território tradicional.

O Mato Grosso do Sul, estado brasileiro em que vive meu povo é proporcional ao tamanho da Alemanha. Possui a segunda maior população indígena do Brasil (75 mil pessoas), sendo que comporta ainda 2 dos 5 maiores povos indígenas Brasileiro, nós os Kaiowá e Guarani e o Povo Terena. Apesar disso temos a menor quantidade de terras demarcadas. E sabe por quê? Porque, 70% deste território, é ocupado por pastagem de Gado, são mais de 22 milhões de cabeça de gado. Outros quase 10% estão ocupados por plantações de Soja, Cana de Açúcar, Eucalipto e outros monocultivos. Muitos desses produtos são comerciados com em todo o mundo. Julgamos importante que as pessoas dos países que os compram saibam que são produtos manchados com o sangue de nosso povo e de nossas lideranças.

Há quase 100 anos o Estado Brasileiro confinou meu povo em 8 pequenas reservas, para entregar nossas terras para fazendeiros. Hoje são estas reservas que obrigam 80% da população guarani e kaiowá.

 Na região em que vivo, de 2003 a 2013 houve pelo menos 150 conflitos entre meu povo e fazendeiros da região. Neste período tivemos pelo menos 15 grandes lideranças assassinadas, a maior quantidade do país, cujos inquéritos policiais não resultaram em nada. Diante da pressão internacional, apenas o assassinato de nosso Nhanderu Nizio Gomes, ocasionou em prisões em algum momento.  Mas os acusados estão em liberdade.

Segundo dados do próprio Governo Brasileiro houve um assassinato de Kaiowá e Guarani a cada 12 dias nos últimos 12 anos, totalizando mais de 380 mortes, o que corresponde a 53% dos assassinatos de indígenas no Brasil. Segundo o mesmo governo, houve 1 caso de suicídio por semana nestes 12 anos, totalizando 660 casos, nos quais 70% eram jovens Kaiowá Guarani. Não estão inclusos neste levantamento os casos de 2014, porém já sabemos que houve 36 homicídios e 47 suicídios. Ou seja, nos últimos 14 anos houve mais de 709 suicídios de indígenas no Mato Grosso do Sul.

O Governo Brasileiro se orgulha de ter demarcado mais terras indígenas do que qualquer outro País. Mas isto, além de não dever ser visto como mérito do governo, não foi efetivado no atual governo e nem reflete a imensa desigualdade territorial que ainda persiste e que submete meu povo a uma crise humanitária. É importante frisar que 98,5% das terras demarcadas no Brasil estão localizadas no Amazonas, norte do país. A gente não pertence a essa região. Um povo inteiro, de 45 mil pessoas, sendo obrigado a viver de cesta básica, às margens de rodovias, sob lona preta, sem água e contando com a sorte.

Estamos cansados das promessas do governo. Toda vez que há um assassinato de repercussão o governo dá meio passo, quantas mortes mais serão necessárias? Lula disse que era questão de honra para ele. Sua desonra custou ainda mais vidas de meu povo.

Nossas reivindicações são de apenas 2,3% do território de Mato Grosso do Sul e não estão em faixa contínua. Enquanto o Gado pode ter 70%, nós não podemos ter 2,2% ou 10% do que foi nosso num passado bem recente.

É a primeira vez que participo deste Fórum e vim aqui com o objetivo de denunciar as atrocidades que o Estado brasileiro vem cometendo contra o povo indígena do Brasil, sobretudo contra os guarani Kaiowa do Mato Grosso do Sul.

Denunciar a falta de terra, a destruição da natureza, acabando com nossa mãe terra, massacre, violência, extermínio e genocídio do meu povo, a não demarcação territorial, a perseguição e a criminalização de lideranças, ações policiais contra meu povo expulso da terra tradicional, avião de fazendeiro pulverizando veneno por cima da comunidade, pistoleiros que matam indígenas e suas lideranças e depois somem com o  corpo, como no caso dos Professores Rolindo e Genivaldo e do Nisio Gomes, tudo isso quero que fique registrado aqui na ONU: essa é a vergonha que o meu país, Brasil, está fazendo com os povos originários.

Quero denunciar também o desrespeito dos ruralistas, que muitas vezes são financiados por empresas multinacionais do agronegócio, mineradoras e armas, tentam a todo custo mudar a Constituição Federal de 1988, com a Proposta de Emenda Constitucional – PEC, 215-A, e, ainda deixar claro que nós indígenas não aceitamos isso e nem o marco temporal que o poder judiciário tem decretado em suas decisões, as duas coisas além de inconstitucionais, violam a Convenção 169.

Fato é que nós indígenas estamos vivendo uma verdadeira guerra no Brasil, nossa força e resistência é a autodemarcação, como se vê sra. Relatora Especial, ante a inatividade do Estado, nós indígenas estamos buscando a terra sem males, o bem viver.

Pedimos que as forças internacionais nos apoiem para que o Brasil resolva essa situação através das demarcações de terras indígenas de uma vez por todas.

Reitero, em caráter de extrema urgência, em nome de todo povo guarani-kaiowa que represento, o convite feito em Genebra à Relatora Victoria: faça, por favor, uma visita às comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, para sentir de perto e na pele a realidade que estamos vivenciando e denunciando, o dia-a-dia de fome e tensão do povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul e não na ocasião dos tais jogos indígenas mundiais promovido pelo governo Brasileiro, onde a verdadeira situação dos povos indígenas estará obscura, fora de foco ou muito bem escondida.

Obrigado,

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