STF determina investigação de Nilson Leitão, deputado suspeito de insuflar ocupação de terra indígena

Nilson Leitão é presidente da comissão especial criada na Câmara para avaliar PEC que transfere demarcação de áreas de índios para o Congresso; PGR já prepara diligências

Por Evandro Éboli e Vinicius Sassine, em O Globo
BRASÍLIA — O presidente da comissão especial na Câmara que quer alterar os critérios de demarcação de terras indígenas passou a ser formalmente investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta da suspeita de insuflar posseiros a ocuparem uma dessas terras – a dos índios Marãiwatsédé, em Mato Grosso. Em decisão de 30 de março num inquérito sigiloso em curso no STF, o ministro Dias Toffoli determinou que o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT) seja investigado e que o processo seja remetido à Procuradoria Geral da República (PGR), para que se definam as diligências necessárias à apuração. A PGR já recebeu o inquérito.

Leitão preside a comissão criada na Câmara para analisar a pertinência da proposta de emenda à Constituição (PEC) número 215, que transfere da União para o Congresso Nacional a atribuição exclusiva de demarcação de terras indígenas e de confirmação das terras já homologadas. A PEC 215 é uma bandeira da bancada ruralista, que domina a comissão, e é atacada por organizações representativas de populações indígenas. O deputado é vice-líder do PSDB na Câmara e presidente do partido em Mato Grosso.

A mesma decisão de Toffoli determinou o arquivamento do inquérito em relação ao deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator do parecer sobre a PEC 215 na comissão especial. A suspeita sobre Serraglio era de que um advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA) teria cobrado R$ 30 mil do grupo investigado em Mato Grosso para influenciar o parecer sobre a PEC. A PGR manifestou não haver até o momento indícios de participação de Serraglio e recomendou o arquivamento, o que foi seguido por Toffoli.

Sobre Leitão, porém, o entendimento da PGR foi diferente. Gravações telefônicas com citações ao parlamentar mostram uma suposta incitação para a ocupação da terra indígena, em descumprimento à ordem judicial que determinou a exclusividade do espaço aos Marãiwatsédé. Toffoli enxergou fatos objetivos que justificam a continuidade das investigações.

As citações aos dois deputados ocorreram em investigações do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) em Mato Grosso. Os inquéritos apuram a atuação de uma suposta organização criminosa que estimula a ocupação da terra indígena por ex-posseiros da região, com o incentivo a atividades agropecuárias e à degradação ambiental no local. Os crimes investigados são incitação pública à prática de crime, formação de quadrilha, invasão de terras da União e desmatamento em área pública sem autorização de órgão competente.

As citações a Leitão foram reveladas pelo GLOBO em reportagem publicada em 15 de dezembro. A Justiça Federal em Barra do Garça (MT), por conta das citações a autoridades com foro privilegiado, havia remetido o processo ao STF naquela ocasião. Agora, Toffoli determinou o arquivamento sobre Serraglio, mandou investigar Leitão e desmembrou os autos, devolvendo à primeira instância o inquérito referente a investigados sem foro. MPF e PF em Mato Grosso já retomaram as investigações e determinaram novas diligências.

O MPF registra que o suposto líder do grupo, Sebastião Ferreira Prado, flagrado nas gravações telefônicas, alegava “possuir influência junto a parlamentares federais e membros do Poder Judiciário”. Num áudio, Sebastião diz que iria “a Brasília essa semana justamente para falar com Nilson Leitão, que é amigo do desembargador que vai apreciar a causa”.

Sebastião é presidente da Associação dos Produtores Rurais da Suiá-Missu (Aprosum), principal porta-voz de uma ocupação que ocorreu nas terra indígena Marãiwatsédé. O líder da associação seria o principal responsável pela grilagem das áreas, conforme as investigações.

Em outra conversa degravada pela PF, de 7 de março de 2014, alguns investigados mencionam uma suposta conversa mantida entre uma pastora – também investigada por incentivar as ocupações – e o deputado tucano. “A pastora foi lá hoje e disse que conversou com Nilson Leitão e que o Nilson Leitão falou que é pro povo descer e entrar pra dentro da área mesmo, que é pra dá força. Que é pra voltar com máquina, voltar com gado e entrar pra dentro das terras”, cita o diálogo.

O deputado teria pedido, segundo essa conversa, “30 escrituras para ele”. Seriam escrituras das terras registradas irregularmente por posseiros em cartórios da região.

DEPUTADO NEGOU A ACUSAÇÃO

Ao GLOBO, o deputado Nilson Leitão afirmou que a acusação é “absurda” e que se trata de “pressão ideológica” sobre seu trabalho na comissão da PEC 215.

— Estive nessa área em 2012 com uma comissão externa da Câmara e voltei na pré-campanha de 2014, em janeiro, acompanhado do (ex-senador) Pedro Taques (eleito governador de Mato Grosso), visitando os desintrusados. Essas pessoas se organizaram em associações, foram despejadas depois de 30 anos nessa terra. São entre 3 mil e 4 mil famílias — disse o deputado.

O parlamentar afirmou que “jamais” incitou a ocupação da área:

— Não tem um telefonema meu, uma conversa minha. Só tem terceiro falando de mim. Tenho certeza que será arquivado.

Para Leitão, a decisão que manda prosseguir as investigações não o impede de continuar como presidente da comissão especial que analisa a PEC 215.

— Se fosse assim, teriam de tirar o ministro da Justiça, que se reuniu com os advogados da Operação Lava-Jato — criticou.

O deputado Osmar Serraglio comemorou o fato de o inquérito com as citações a seu nome ter sido arquivado.

— O parecer da PEC vai passar por oito plenos. Não adianta dizerem que o parecer é para um lado ou para outro. Nunca falei com ninguém, nunca vi nenhum papel que pudesse interferir no meu parecer — disse.

Destaque: Foto de Alan Azevedo/ Greenpeace

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