Maturuca: Primeiro júri popular indígena realizado pelo Tribunal de Justiça dentro de uma comunidade absolve um dos réus

Janaína Souza – Rádio Monte Roraima / Conselho Indígena de Roraima

O primeiro júri popular indígena aconteceu no malocão da homologação, comunidade do Maturuca, Região das Serras, no dia 23 de abril. A região das Serras  compreende 72 comunidades e é estruturada por oito Centros Regionais.

O crime julgado na sessão foi de tentativa de homicídio ocorrido no dia 23 de janeiro de 2013, em um bar no município de Uiramutã, terra indígena Raposa Serra do Sol, tendo como réus E.S e A.L, e a vitima A.A.P que são da etnia macuxi e moradores da região.

O júri foi presidido pelo juiz Aluízio Ferreira Vieira, titular da comarca de Pacaraima, na acusação o promotor Carlos Paixão e na defesa dos réus o defensor público José João e a advogada Thaís Lutterback. O corpo de jurado foi composto por indígenas da região, por ordem de sorteio.

A sessão que começou às 9 horas terminou às 23 horas, e resultou na absolvição do réu E.S e a pena de reclusão de três meses por lesão corporal leve do réu A.L, e responderá o processo em liberdade.

O juiz Aluízio Ferreira Vieira, diz que decidiu junto com a comunidade levar o julgamento para dentro da terra indígena, no intuito de respeitar a tradição cultural dos indígenas.

“Por ser um crime doloso contra a vida seria levado a julgamento por um júri popular na sede de Pacaraima, com jurados não índios. No entanto, verificando o mérito do processo propriamente dito, e também a razão alegada pelos réus para praticar a tentativa de homicídio contra outro indígena, decidimos faz o júri dentro da comunidade, com todo corpo de jurados composto por índios”, disse o magistrado.

Segundo o coordenador das Serras Zedoeli Alexandre o júri foi definido em parceria com o Tribunal de Justiça de Roraima e várias lideranças indígenas para que a sessão acontecesse dentro de uma terra indígena. Para ele, o julgamento “conforme a lei dos brancos” reforçará a importância da forma de justiça dos indígenas que não buscam só a punição dos agressores, mas também para que essa pessoa não ofereça mais riscos à comunidade.

“Nós queremos nossa autonomia e que a nossa lei seja respeitada, pois, nas comunidades indígenas quem agride outra pessoa ou comete algum crime, além de ser punido, tentamos recuperá-lo com trabalhos comunitários e até mesmo, se for o caso, o banimento da comunidade, além do afastamento da família que pode durar anos”.

De acordo com o coordenador, essa forma de julgamento e punição  está prevista no artigo 231 da Constituição Brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) “ é uma reivindicação antiga dos indígenas ao Governo Federal e a Justiça Brasileira  para reconhecer as formas indígenas de julgamento e punição”, pontuou Zedoeli.

A princípio, o crime divulgado na mídia foi relacionado ao Canaimé, no qual a vítima figurava como se fosse essa entidade que é conhecida pelos indígenas como muito brava e perigosa que se manifesta geralmente por meio de animais ou até mesmo pessoas estranhas. O que durante o julgamento foi descartado tanto pela defesa, quanto pela acusação.

O promotor de Justiça Carlos Paixão disse que vai recorrer da decisão e questionou a escolha dos jurados e destacou ainda, que utilizar a absolvição com o argumento de Canaimé abre precedentes para outros crimes.

“Absolver pessoas que matam utilizando a figura do canaimé vai autorizar que outros criminosos mantenham essa questão dizendo que foi por culpa do canaimé,  e isso é muito subjetivo”, enfatizou.

Para o tuxaua do Maturuca e assessor dos tuxauas da região das Serras, Jaci de Souza esse crime específico não está relacionado ao Canaimé e sim ao consumo de álcool pelos envolvidos e segundo ele é necessária maior fiscalização dos órgãos competentes para coibir essa prática.

“Já denunciamos há anos a preocupação quanto à venda bebida alcoólica nos bares do município do Uiramutã para os indígenas, pois se bebida fizesse bem, isso não teria acontecido. Vivemos numa região que faz fronteira com a Guiana e outra coisa que nos preocupa também é à entrada de drogas na região”, frisou.

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