Chico César: Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio, ó produtores de alimentos com veneno…

Na noite do dia 15, Chico César fez duas homenagens aos povos indígenas: a primeira, um show especial no Acampamento Terra Livre; a segunda, a estreia de uma música bastante especial – “Reis do Agronegócio”, composição sua (música) e de Carlos Rennó (letra). Gravada no celular de Ana Beatriz Lisboa, ela prescinde de maiores qualidades técnicas por ter-se tornado parte da história deste ATL 2015: no dia seguinte, na sessão solene da Câmara dos Deputados, Chico César repetiu o canto, ao lado de Sonia Bone Guajajara, coordenadora da APIB.

Aí vão o vídeo e a letra de “Reis do Agronegócio”. A sugestão é usar o som como acompanhamento para a leitura. Compõem um bom alimento para a nossa indignação! (Tania Pacheco)

“Reis do Agronegócio” (música de Chico César, letra de Carlos Rennó)

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio,
Ó produtores de alimentos com veneno,
Vocês que aumentam todo ano sua posse,
E que poluem cada palmo de terreno,
E que possuem cada qual um latifúndio,
E que destratam e destroem o ambiente,
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente.

Vocês desterram povaréus ao léu que erram,
E não empregam tanta gente como pregam.
Vocês não matam nem a fome que há na Terra,
Nem alimentam tanto a gente como alegam.
É o pequeno produtor que nos provê e os
Seus deputados não protegem, como dizem:
Outra mentira de vocês, Pinóquios véios.
Vocês já viram como tá o seu nariz, hem?

Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve
Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista.
Mas até hoje na verdade nunca houve
Um desenvolvimento tão destrutivista.
É o que diz aquele que vocês não ouvem,
O cientista, essa voz, a da ciência.
Tampouco a voz da consciência os comove.
Vocês só ouvem algo por conveniência.

Para vocês, que emitem montes de dióxido,
Para vocês, que têm um gênio neurastênico,
Pobre tem mais é que comer com agrotóxico,
Povo tem mais é que comer, se tem transgênico.

É o que acha, é o que disse um certo dia
Miss Motosserrainha do Desmatamento.
Já o que acho é que vocês é que deviam
Diariamente só comer seu “alimento”.
Vocês se elegem e legislam, feito cínicos,
Em causa própria ou de empresa coligada:
O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos,
Que bancam cada deputado da bancada.

Até comunista cai no lobby antiecológico
Do ruralista cujo clã é um grande clube.
Inclui até quem é racista e homofóbico.
Vocês abafam mas tá tudo no YouTube.

Vocês que enxotam o que luta por justiça;
Vocês que oprimem quem produz e quem preserva;
Vocês que pilham, assediam e cobiçam
A terra indígena, o quilombo e a reserva;
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira,
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra,
O extrativista, o ambientalista ou a freira.

Vocês que criam, matam cruelmente bois,
Cujas carcaças formam um enorme lixo;
Vocês que exterminam peixes, caracóis,
Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho;
E que rebaixam planta, bicho e outros entes,
E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro:
Por que dispensam tal desprezo a um vivente?
Por que só prezam e só pensam no seu lucro?

Eu vejo a liberdade dada aos que se põem
Além da lei, na lista do trabalho escravo,
E a anistia concedida aos que destroem
O verde, a vida, sem morrer com um centavo.
Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes,
Tal como eu vejo com amor a fonte linda –
E além do monte o pôr-do-sol porque por sorte
Vocês não destruíram o horizonte… Ainda.

Seu avião derrama a chuva de veneno
Na plantação e causa a náusea violenta
E a intoxicação “ne” adultos e pequenos –
Na mãe que contamina o filho que amamenta.
Provoca aborto e suicídio o inseticida,
Mas na mansão o fato não sensibiliza.
Vocês já não ´tão nem aí co´aquelas vidas.
Vejam como é que o Ogrobiz desumaniza…:

Desmata Minas, a Amazônia, Mato Grosso…;
Infecta solo, rio, ar, lençol freático;
Consome, mais do que qualquer outro negócio,
Um quatrilhão de litros d´água, o que é dramático.
Por tanto mal, do qual vocês não se redimem;
Por tal excesso que só leva à escassez –
Por essa seca, essa crise, esse crime,
Não há maiores responsáveis que vocês.

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil,
Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito;
E eu vejo a terra de vocês restar estéril,
Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto:
O que será que os seus filhos acharão de
Vocês diante de um legado tão nefasto,
Vocês que fazem das fazendas hoje um grande
Deserto verde só de soja, de cana ou de pasto?

Pelos milhares que ontem foram e amanhã ser-
Ão mortos pelo grão-negócio de vocês;
Pelos milhares dessas vítimas de câncer,
De fome e sede, e fogo e bala, e de AVCs;
Saibam vocês, que ganham “cum” negócio desse
Muitos milhões, enquanto perdem sua alma,
Que a mim não faria falta se vocês morressem;
Saibam que não me causaria nenhum trauma.

Comments (6)

  1. Uma grata e oportuna surpresa, com inteligência, poesia, sensibilidade, denúncia, protesto, belas voz , música e letra, para quem ainda não caiu na real, ter, no mínimo, cautela, vergonha e asco deste tipo de empresário genocida tupiniquim(leia-se a bancada ruralista).Nota 1000.

  2. Música e letra lindas. Longa mas necessária para de uma paulada só dizer tudo!!! Estamos todos implicados porque quando vamos ao um supermercado aceitamos consumir esse veneno adicionado ao alimento. O Brasil é o campeão de consumo de agrotóxico. São 5,2 Litros por pessoa ao ano ! E o Governo ainda discursa em favor da industria da morte ! Não podemos esperar por ninguém, pois o agricultor também é forçado a usar pois os bancos não liberam empréstimos para comprar semente se nao for venda casada com veneno. O poder tem que mudar de mãos e vir para o consumidor. Nós quando vamos às compras temos que ter cuidado e buscar alimentos orgânicos certificados e ter cuidado com as falsificações.

  3. Ao escutar Chico cantando essa musica, de uma letra que grita tanta verdade, é inevitável as lágrimas de pesar e de vergonha por cada mal que causamos individual e coletivamente à nossa mãe Terra. “Vocês” somos nós. E a música nos convida a uma reflexão muito profunda, a tomar atitude mesmo, não só lamentar. Gratidão Chico César. Gratidão Carlos Rennó.

  4. A letra que sera em breve a mais lembrada de todas.
    Ja estamos vivendo a cima das capacidades da terra, Chico acordou quem quis ser acordado para a mais crua realidade da história.
    Despertou do sono até mesmo os com consciencia do valor da vida.
    Lutemos pelo planeta que tanto nos deu, a terra frutifica para nós que a destruimos sem reclamar por muitos milenios, é chegada a hora de retrubuirmos,.nós que ouvimos nossa consciencia.

  5. Parabéns, a este maravilhoso compositor, música fenomenal e poderosa, bela letra, muito bem construída, forte e ideológica, ao mesmo tempo revolucionária, parabéns Chico por um pedaço de compromisso com a verdade tão cruel; parabéns por esta ideologia utópica, mais a realidade fala mais alto que a utopia……

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