Comunidade Yanomami prepara festa para receber sangue levado para os EUA amanhã, 03/04

Mostras de sangue coletadas sem autorização eram para pesquisar povos que nunca tinham sido expostos à radiação artificial

Por Ribamar Rocha, na Folha de Boa Vista

Depois de quase dez anos de ações judiciais e de campanhas internacionais, as amostras de sangue do povo Yanomami, coletadas sem autorização da etnia, entre os anos de 1967 e 1970, foram repatriadas ao Brasil. As amostras foram levadas para os Estados Unidos para pesquisas genéticas em laboratórios de universidades.

Na quinta-feira, 26, em Brasília, o líder Davi Kopenawa Yanomami e seu filho, Dario Vitório Yanomami, receberam simbolicamente uma caixa com o material genético durante reunião com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, além de um representante do Instituto Socioambiental (ISA), organização que apoia a causa indígena.

Ontem a Folha falou com o líder yanomami, Davi Kopenawa, que disse estar muito feliz com a repatriação das amostras de sangue e ressaltou o trabalho do Ministério Público Federal (MPF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Uma grande festa está sendo preparada pela etnia para recepcionar as mais de três mil amostras de sangue que serão levadas para a comunidade Piaú, na sexta-feira, dia 03, com a presença da promotora federal [procuradora da República] Deborah Duprat, que cuida das políticas indígenas.

“As amostras de sangue do meu povo já estão comigo aqui, em Boa Vista, graças ao trabalho do Ministério Público Federal e da Procuradoria-Geral da República. Vamos fazer uma grande festa na comunidade de Piaú, na região do Tootobi, no coração da floresta amazônica”, disse o líder indígena. Ele falou que nesta aldeia está a maioria dos indígenas que tiveram o sangue coletado. O local é acessível apenas por via aérea, que dura aproximadamente duas horas de avião de Boa Vista.

“Lá estão minha família, meus irmãos, tios e tias. O sangue deles vai retornar para onde eles estão morando, para a origem deles”, disse. “Vamos chorar muito, e depois do choro, vamos fazer o ritual e mostrar nossa alegria para a doutora Deborah Duprat. Depois vamos fazer um buraco na terra e enterrar o sangue do meu povo na nossa terra”, frisou.

Para Kopenawa, o sangue coletado indevidamente dos índios foi um crime contra os costumes tradicionais da etnia, previsto na Constituição brasileira. “Eu me lembro que também coletaram meu sangue, mas não sabia para que era, nem o que estavam fazendo. Nem os missionários que estavam com a gente na comunidade não ajudaram a explicar para quê tirar sangue do meu povo”, disse, acrescentando que muitos dos índios que tiveram material genético coletado pelos pesquisadores norte-americanos já estão falecidos.

MPF – Em contato com a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal em Roraima, a Folha foi informada que ninguém estaria autorizado a falar sobre o assunto e que apenas o MPF de Brasília poderia dar informações. Foi mantido contato telefônico e por e-mail com a assessoria de imprensa do MPF-DF, mas não houve retorno. (R.R)

Livro denunciou coleta de sangue dos índios 

De acordo com a ação judicial do Ministério Público Federal em Roraima, aberta em 2005, o povo Yanomami descobriu que as amostras de sangue foram coletadas dos indígenas, sem autorização, quando o jornalista norte-americano Patrick Tierney lançou o livro “Trevas no Eldorado”, no ano 2.000.

No livro, o jornalista denunciou que os também norte-americanos, o geneticista James Van Gundia Nell e o antropólogo Napoleon Chagnon, coletaram mais de 12 mil amostras de sangue em cerca de três mil indígenas yanomami.

A investigação do MPF diz que um dos objetivos de Nell e Chagnon com as mostras de sangue era pesquisar povos que nunca tinham sido expostos à radiação artificial na Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos da América (AEC).

Segundo a ação judicial, participaram da coleta de sangue do povo Yanomami dois cientistas brasileiros, Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Manuel Ayres, da Universidade Federal do Pará.

O geneticista James Van Gundia Nell morreu no ano 2000. O antropólogo Napoleon Chagnon, hoje com 76 anos, tornou-se um pesquisador polêmico ao publicar diversos livros em que aborda a violência na cultura do povo Yanomami.

Recentemente, Chagnon concedeu entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em que dizia ser “simpático a esse pedido” de repatriação do sangue do povo Yanomami, mas para os indígenas, da etnia, que vivem em território venezuelano. Na opinião de Chagnon, seria “irresponsável” entregá-los a yanomami brasileiros, como Davi Kopenawa. “Uma tribo ficaria muito assustada de saber que seus vizinhos têm o sangue de seus ancestrais. Eles acreditam que isso poderia ser utilizado para fazer magia negra, por exemplo”, disse o antropólogo na reportagem.

Segundo Dário Vitório Yanomami, na época em que foram coletadas as amostras de sangue, entre os anos de 1967 e 1970, as lideranças não sabiam o que os pesquisadores James Van Gundia Nell e Napoleon Chagnon faziam ao certo nas aldeias. “Os nossos ancestrais não sabiam falar nada do português, não sabiam de nada. Aí os pesquisadores americanos se aproveitaram e pegaram o sangue deles para fazer estudo”, afirmou o indígena.

Em novembro de 2002, o líder Yanomami Davi Kopenawa e a Comunidade de Paapiú, na qual também há indígenas que tiveram o sangue coletado pelos pesquisadores, escreveram cartas à Procuradoria-Geral da República em que expressavam a preocupação com a não repatriação do sangue do povo indígena. As cartas foram divulgadas pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY).

Destaque: Líderes indígenas Dário e Davi Yanomami com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a subprocuradora Deborah Duprat. Foto: Hutukara.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.