Carta Aberta às Autoridades Brasileiras: Proteção das Religiões de Matriz Africana contra os “Gladiadores do Altar”

Por décadas a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD promove um massacre cultural e religioso contra as Religiões Tradicionais de Matriz Africana, perpetrando uma contínua, incansável, declarada e brutal perseguição através dos meios de comunicação social. A IURD promove o ódio religioso e através da bancada evangélica no Congresso Nacional estimula o fundamentalismo nas instâncias legislativas de nosso país, atentando contra o princípio constitucional que garante a laicidade do Estado.

Os principais alvos da IURD são o Candomblé e a Umbanda, religiões brasileiras edificadas com base nas tradições milenares de culto aos Orixás, N’kisis e Voduns, responsáveis pela preservação e difusão da cultura africana no país. Religiões estas que serviram de instrumentos de resistência para o povo negro e contribuíram de forma significativa para a cultura e identidade do Brasil. No entanto, o prejuízo vai muito além da desvalorização cultural e religiosa deixada pelos africanos no país. Para as comunidades tradicionais de matriz africana, os danos causados são incalculáveis, atingindo desde os seus espaços sagrados, que são destruídos e fechados, até a processos criminais, como o repercutido caso que levou a óbito a Ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, em 1999, e tantos outros frequentemente noticiados em jornais.

As comunidades tradicionais de matriz africana não revidam estes ataques com base nos seus próprios dogmas de respeito a vida e à convicção de que a paz, a fraternidade, a irmandade e o amor nos garantem estar de fato ligados em harmonia com o poder superior. Acreditamos ainda que compartilhamos a crença em um mesmo Deus, único e onipotente, senhor de todo universo, porém, por uma diferença cultural, o chamamos de Olodumare, e isto igualmente nos faz irmãos na fé.

De forma pacífica, na tentativa de coibir os ataques da IURD contra os Povos de Santo, reivindicamos diariamente o direito constitucional da liberdade religiosa, lutamos por políticas públicas e buscamos o diálogo inter-religioso, contudo sem lograr o devido êxito. A IURD continua oprimindo as Religiões de Matriz Africana, munida de uma imensa fortuna, de poder político e agora de um exército, que poderá levar a Umbanda e o Candomblé a vivenciar uma releitura da santa inquisição.

Nos últimos dias, foram publicados vídeos de uma recente iniciativa da IURD, os Gladiadores do Altar. Em meio a pregações lotadas, adentram ao culto dezenas de rapazes, trajados uniformemente, marchando e repetindo palavras de ordem, com evidente inspiração militar. Segundo informações da própria IURD, os Gladiadores existem há somente dois meses – desde janeiro deste ano – e nesse curto período, já agregaram mais de 4 mil jovens. Se as cenas do “exército de evangelizadores” já são assustadoras no ambiente controlado das igrejas, há que se imaginar o que esses “soldados da fé” podem fazer nas ruas, longe da vigília de seus “comandantes-pastores”. A mistura explosiva entre fé e força produz resultados imponderáveis.

O Povo de Santo, vitimado por tantos atos de violência perpetrados por pastores da IURD e seus fiéis, não tem condições de “pagar para ver”, até porque, são obviamente previsíveis os desdobramentos dessa iniciativa irresponsável: o fortalecimento de um ideário de ódio contra tudo e todos que não se conformam à pregação estreita da IURD – nas quais se enquadram também outras religiões, os povos indígenas, a população LGBT e grupos com ideologias libertárias.

No plano internacional o tema da intolerância religiosa não poderia ser mais atual. O mundo assiste atônito à escalada de movimentos paraestatais militarizados criados a partir de leituras fundamentalistas de textos religiosos. É este o caso do Boko Haram, na Nigéria, e do Estado Islâmico, na Síria. Supostamente seguindo mandamentos religiosos, esses grupos sequestram, matam e torturam quem não se converte à sua fé, numa estratégia de expansão religiosa fundada na violência e no mais completo e sórdido desrespeito à diversidade. Muitos poderão dizer que exageramos ao comparar os tais “Gladiadores” com extremistas islâmicos, mas e resposta é simples: não é exagero. Trata-se de uma preocupação fundada em experiências reais que demonstram que o fundamentalismo religioso, quando aliado simbólica ou objetivamente a um ideário de violência, pode despertar uma energia incontrolável e destruidora, intransigente e emburrecedora.

Assim, não podemos permitir que essa iniciativa se expanda e se consolide. A liberdade de consciência e de crença, garantida em nossa Constituição, não pode servir de guarida para atos de intolerância e de violência, e, no caso concreto, nos parece que esse direito fundamental colide com outro dispositivo elencado no mesmo artigo 5º da Carta Magna – a vedação de organização paramilitar, que configura crime previsto em nosso Código Penal (art. 288-A).

A conceituação de organização paramilitar pode ser depreendida de julgados e da doutrina jurídica, embora não haja uma definição legal clara. Podemos defini-la como associações de civis armados, organizadas a partir de ideologia política, ideológica ou religiosa, com estrutura semelhante à militar. O comportamento e uniformização dos Gladiadores revela, de forma evidente e alarmante, a estruturação de um embrião paramilitar. É certo que até agora não há evidências de que disponham de armamentos, mas igualmente não há evidências de que não os tenham. É possível que entre esses 4 mil jovens se encontrem pessoas com treinamento militar prévio, ou mesmo pessoas com porte de arma de fogo e outros tipos de armas.

Diante de tamanha incerteza sobre os objetivos dessa organização, sobre a sua natureza, o real controle que a Igreja conseguirá exercer sobre esses jovens e da possibilidade palpável de que essa alegoria se converta em ódio e violência real, CONCLAMAMOS os líderes religiosos de todas as tradições, a sociedade civil organizada, a classe política, as instituições democráticas e todos aqueles comprometidos com a consolidação do Estado Laico a se manifestarem veementemente contra a manutenção das atividades dos “Gladiadores da Fé”, organização que abertamente atenta contra o Estado Democrático de Direito e que deve ser suprimida antes que se torne uma força incontrolável, que produza agressão, dor e morte.

“Senhor, tu que és autor da vida e consumador da fé, guia-nos em nossa jornada, e nos ajuda a ficar de pé, combater o bom combate, completar a carreira e guardar a nossa fé. Diante das nossas dificuldades, não nos deixe esmorecer. Somos homens de caráter, escolhidos pelo senhor, para dar vida em favor dos perdidos e façamos com amor. Temos força, coragem e determinação para nunca fracassar no cumprimento da nossa missão. Graças ao senhor, hoje estamos aqui, prontos para batalha, e decididos a te servir, somos gladiadores do teu altar, isso é uma decisão, todos os dias enfrentamos o inferno, confiantes na tua santa proteção. Eterno é o senhor que nos ama, e a ti pertence o sucesso de nosso trabalho, pois teu é o reino, o poder, a honra e a glória para sempre, amém” – Oração proferida pelos Gladiadores do Altar, da IURD

Diante do sofrimento que vivemos, do contexto brasileiro permeado de intolerância religiosa, da herança execrada do período escravocrata e do preconceito racial, rogamos às Autoridades Brasileiras um maior direcionamento de políticas públicas para assegurar os nossos direitos enquanto comunidades religiosas e tradicionais, assim como o reconhecimento das nossas contribuições para a formação cultural do Brasil, como a efetiva implementação da Lei 10.639/03. Do mesmo modo, diante das evidências aqui apresentadas, solicitamos ao Governo Brasileiro que tome as providências necessárias para investigar rigorosamente como, por que e com qual finalidade os Gladiadores do Altar foram criados. E, caso seja constatada a incitação ao ódio e à violência física, psicológica e moral, pedimos que seja minucioso e criterioso na aplicação da Lei.

Salvador, 7 de março de 2015.

Sivanilton Encarnação da Mata
Babalorixá da Casa de Oxumarê

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Vídeo disponibilizado no Youtube:

Destaque: Imagem capturada de vídeo

Informação enviada para Combate Racismo Ambiental por Janete Melo.

 

Comments (20)

  1. Hermanos, juntense y lleven el tema a la comisión internacional de derechos humanos, denunciando al gobierno brasilero por no proteger la libertad de culto, y den datos de intendentes, senadores y diputados adheridos a la IURD. Eso obligara al gobierno feredal a actuar, ya que el escándalo sera internacional. Un gran abrazo

  2. Precisamos presionar as autoridades quanto ao nosso direito de religião. Não aprendemos com nossas raizes a julgar por causa de religião , aprendemos respeito e queremos RESPEITO>

  3. Com toda a certeza, o início dos jihadistas do Estado Islâmico deve ter sido assim…. a serpente tem de ser morta logo!

  4. Melhor prevenir que remediar. Os povos negros, sua cultura e civilização exigem e carecem de respeito, não podendo o Estado brasileiro – construido pelos negros – negligenciar mais uma vez…….Basta!!!!

  5. Primeiro que toda essa palhaçada de Gladiador não passa de simbolismo, o exército de Jesus sempre foi algo simbólico no evangelismo e sempre vai ser. E a ideia de “gladiador” não é ir matando pessoas e fodendo com todos, é mais um “massacre contra Satanás”, que ocorre quando “ganham almas” para Deus. Não faz sentido saírem matando pessoas quando o que querem é que a pessoa se arrependa dos seus pecados e se declare servo de Deus. As pessoas não terão como fazer isso se estiverem mortas, duh. Não vai haver genocídio nenhum, e é falta de informação comparar com nazismo. Segundo, tem pessoas de mente fechada nesse meio? Sim, bastante. Tem muito preconceito nesse meio? Sim, bastante. Mas não só os ditos “evangélicos” que se encaixam nisso, boa parte da população tem os mesmos preconceitos que “os evangélicos”. Então seria legal se parassem de trata-los como criaturas toscas sem noção de humanidade e panz. Mesmo porque conheço muitos deles que são tão “cools” quanto sei lá, budistas ou whatever. Enfim, “os evangélicos” não são os coitadinhos da história, tem muita coisa errada nessa religião, mas dêem uma pesquisada antes, participem de alguns cultos antes (sim, alguns, porque cada igreja é BEM diferente da outra) e parem de transformá-los em bichos de sete cabeças.

  6. Se este exercito foi criado para tirar jovens de situação de risco e para ajudar em situações catastroficas, como enchentes e desabamentos, tem todo meu apoio. Se for para entrar em templos, independente do rótulo religioso que houver, para estragar pois se julgam melhores que os outros, que sejam recebidos a pedradas, pois RESPEITO é muito bom, engorda e faz crescer. Afinal NINGUÉM é dono de VERDADE alguma. Vamos ver o que eles farão para depois tomar ou não medidas legais cabíveis, afinal a CONSTITUIÇÃO dá direito a livre culto! Que cada um reverencie a Deus da maneira que achar melhor, mas não seja pedra em nenhum caminho! Jesus disse: E vos dou um mandamento: “amar a Deus sobre todas as coisas, e ao proximo como a ti mesmo”, e não criou nenhuma Igreja ou Templo, seu templo foi a natureza.
    Magda Umbandista, Graças a Deus! Pois foi onde me encontrei.

  7. Isso é a formação de Exército Fundamentalista. Foi a assim que a KLu Klux Klan e o Nazismo começaram. Nós também estamos nos preparando e sem formar Exercito terrorista, vai ser tudo de Acordo com a nossa Constituição, que vamos Combater o Racismo, o Racismo Religioso, a Discriminação, o Preconceito, a Homofobia, todo tipo de Humilhação. A nossa defesa vai ser de acordo com o ataque.

  8. Compreendo e concordo que a IURD por muitos anos vem explorando negativamente a seu bel prazer a imagem do Candomblé e da Umbanda, mas dizer que o grupo acima apresentado é mais uma ferramenta de massacre da cultura afro-brasileira e comparar ao nazismo e tantos outros como acima, é extremismo e igualar a ignorância e arrogância deles. Não vi nada demais no vídeo apresentado, muito menos a ver com comentários aqui lidos e em outros canais. Eles tem a visão religiosa deles, e “criaram seu exército resgatar almas do inferno” dizer que eles os afrontam, não é dar força ao discurso deles, que as religiões afro, são satânicas e etc!? Ao meu ver, neste vídeo eles não os atacam, nem mesmo falam de vocês… sincera e honestamente, não compreendo o alarde.

    Att, Timótheo

  9. Isso é a formação de mais um exército “nazista” no longo da História houveram mais homens Mortos em nome de Deus do que em gurras geradas por disputas territoriais e de interesses sócio econômico. Hitler assassinou mais Judeus por intolerância religiosa do que por convicção politica. Temos que nos unir para que ñ haja um novo holocausto .

  10. Para quem tiver dúvidas, basta utilizar essa própria ferramenta (internet) e procure o que a história já nos mostrou. Não precisamos ir muito atrás, apenas um século atrás nascia o FASCISMO e o NAZISMO e o resultado foi milhões de mortes depois de uma guerra sangrenta e cruel. Ou voltemos apenas uns 50 anos, no Oriente Médio o ódio se expandiu e com motivos religiosos foi declarada uma “Guerra Santa” entre o Islamismo e o Judaísmo, com isso a guerra se expandiu e os cristãos também foram incluídos. Em decorrência temos nos dias de hoje grupos fortemente armados realizando barbarias em nome de Deus, destruindo tudo o que não é de seu gosto. Tenho a total certeza que a resposta será de que são apenas evangelistadores, homens que estão levando a palavra de Deus, mas com o simbolismo dado, realmente temos que ter muito cuidado, parem e reflitam, já temos muitos exemplos para deixarmos que isso ocorra aqui no Brasil. VALE LEMBRAR QUE QUALQUER RELIGIÃO PREGA A SEGUINTE IDÉIA: . . AMOR PAZ RESPEITO

  11. Alguma atitude, por parte das autoridades brasileiras , terá que ser tomada. Nos Morros do Rio, sem gladiadores já estavam aterrorizando a população não evangélica, quanto mais agora. E vale lembrar, que em cada favela das cidades do Brasil existem igrejinhas. Imaginem pequenas milícias.Acorda Brasil!

  12. Realmente, e o pior de tudo é que pessoas dessa mesma igreja procuram nossas casas para fazer ebós ou diversos tipos de trabalhos para q eles possam ser favorecidos e bem sucedidos. Lamentável.

  13. Forçar pessoas a dividir da mesma fé é uma agressão moral e psicológica. Isto é i adimicivel. Nós de candomblé não saímos nas ruas procurando cabeças e marginalizando outras religiões. Desejo um mundo em que cada um cuida da sua vida…

  14. Precisa haver uma maior união do povo de religiões de matriz africana para combater essa intolerancia religiosa…esperamos que as autoridades tomem providencias…. não podemos ficar de braços cruzados

  15. Sera que nos o povo de Santo vamos ver, sem fazer nada?, vamos nos deixar massacrar por este individuo e esta SEITA. vamos nos unir e exigir das autoridades providencias, antes que estes Gladiadores do Altar invadam nossos terreiros e os destruam. P eço a bença aos mais velhos, minha bença aos mais jovens que Pai Ogum esteja a nos proteger…

  16. não podemos asseitar isso de braços cruzados, espero que as autoridades tome as devidas providencias, investigando essa denuncia e punindo os responsáveis, antes que se propague e vire uma guerra santa

  17. Isto me lembra muito a facção Muçulmana denominada ESTADO ISLÂMICO… E uma postura Nazista do Partido Nacional Socialista Alemão que impôs Hitler no PODER… Como Professor de HISTÓRIA e Pesquisador de HISTÓRIA das RELIGIÕES, sou laico… E desta forma compactuo com a Casa de Oxumarê… Pois o Povo de Matriz Africana merece nosso respeito… Gostem ou não, na verdade fez e faz parte de nossa Trilogia Étnica Cultural, formada pelo Xamanismo (Índios – Nativos Brasileiros), Cristianismo (Cristãos – Europeus Colonizadores) & Povos de Matriz Africana (Candomblé, Umbanda, Quimbanda, etc – Cultos assim denominados no BRASIL de diferentes Povos de Matriz Africana que aqui se estabeleceram como mão de obra gratuita – denominada pelos COLONIZADORES como ESCRAVOS)…

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