O Racismo é um tabu em Portugal, entrevista a Mamadou Bâ

O SOS Racismo Portugal luta contra o racismo através de interpelações políticas e civis. Esta conversa parte de um encontro em Lisboa com Mamadou Bâ, membro da direção nacional da associação

por Maud de la Chapelle – Buala

Pode resumir-nos a história das imigrações em Portugal?

Portugal, historicamenente, é mais um país de emigração do que de imigração, exceto entre 1996 e 2005. Nessa época, grandes obras públicas obrigam Portugal a apelar à mão-de-obra estrangeira. As regularizações em massa, a partir de 1993, atraem africanos de outros países da Europa. A partir de 2005, com a crise, Portugal deixa outra vez de ser um país de imigração. Os migrantes vêm dos PALOP, do Senegal, da Guiné, do Brasil e da Europa de leste.

Qual é a filosofia de integração em Portugal: assimilação à francesa, comunitarismo ou anglossaxónica?

Na altura da Revolução dos Cravos em 1974, não se discutiu sobre a relação com as antigas colónias. A filosofia oficial permaneceu a do mito do lusotropicalismo*. Em Portugal, a palavra racismo é um tabu.

Como nasceu o SOS Racismo Portugal?

O SOS Racismo nasce em 1990, depois do assassinato, em 1989, de José Carvalho, um militante antirracista branco. Os skinheads de extrema-direita reivindicaram o crime.

Quais são as vossas relações com os outros SOS Racismo?

O SOS Racismo existe também em França, Austria, Itália e Noruega. Cada um tem a sua cultura própria, consoante as suas realidades nacionais. Nós tínhamos relações com SOS Racismo França, mas rompemo-las em 2001 por divergências.

Como é que vocês actuam?

Organizamos debates nas escolas. Intervimos também por meio de petições, manifestos, pondo as associações de imigrantes em rede, dando visibilidade à diversidade cultural para contrabalançar a influência da extrema-direita.

Quais foram as vossas principais vitórias?

A lei contra a discriminação racial em 1999 no seguimento de uma petição de SOS racismo. E a lei sobre a nacionalidade, em 2006. Em Portugal, não basta ter nascido no território para ter direito à nacionalidade. Há crianças imigrantes que se encontram sem nacionalidade. A lei de 2006 resolveu alguns casos, mas é incompleta.

Há outros movimentos antirracistas?

Há também a Frente antirracista. E existem imensas associações de imigrantes de carácter cultural. Também começam a surgir associações de 2ª geração mais politizadas, como a Plataforma Gueto.

Pensa que, hoje, na sociedade portuguesa, há menos racismo?

Eu não diria que o racismo diminuiu. Em contrapartida, assiste-se a mais conquistas do espaço público pelas minorias étnicas. Mas o Parlamento ainda conta apenas com um negro. Estruturalmente, o Estado e o país continuam a ser racistas. E isso não irá desaparecer enquanto não se abrir um debate nacional sobre o racismo, sem crispação nem tabu.

*O lusotropicalismo

Teoria do antrpólogo brasileiro Gilberto Freyre, do princípio do século XX: Portugal seria por essência uma nação mestiça. Esta retórica persiste no imaginário de numerosos portugueses, que recusam abordar a questão do racismo, percebido como ausente da sociedade «por essência».

Foto: Mamadou Bâ

Comments (1)

  1. Não discuto os argumentos de Mamadou, pois ele, sem dúvida, está bem mais informado que eu sobre os aspectos gerais da questão.
    Entretanto, tenho vivido por longos períodos em Lisboa desde 2006. Somados, já são quase três anos. Os últimos dois períodos já chegam a quase 8 meses, vividos em um bairro de imigrantes. Andamos por todas as ruas, a qualquer hora, ouvindo pessoas a falar línguas do extremo oriente, da Índia, Paquistão e Bangladesh, de Angola, Moçambique e Guiné, de vários países com população de origem árabe, do leste europeu e do Brasil.
    Durante todo esse tempo, nunca vi ou ouvi falar de manifestações racistas, o que significa que elas não são comuns. É o que vejo nas ruas. Isto não invalida as reivindicações de Mamadou, mas me parece que o problema não é tão grave.

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