Doutrina de guerra francesa inspirou tortura da ditadura brasileira, diz jornalista

Em livro sobre o DOI-Codi, Marcelo Godoy aponta como brasileiros importaram da França táticas de combate contra vietnamitas na Indochina e argelinos da Frente de Libertação Nacional

Opera Mundi

A Oban (Operação Bandeirante), que mais tarde originou o DOI-Codi — principal centro de tortura e morte durante a ditadura militar (1964- 1985) —, foi influenciada por estratégias de guerra francesas, chamada de Doutrina da Guerra Revolucionária. No livro A Casa da Vovó: uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar (Alameda, 612 págs, R$ 69), o jornalista Marcelo Godoy explica como essa tática de enfrentamento a opositores chegou ao Exército brasileiro.

A Doutrina da Guerra Revolucionária surge durante o conflito dos franceses na Indochina contra vietnamitas (décadas de 1940, 50 e 60) e também na Argélia contra a Frente de Libertação Nacional (décadas de 1950 e 60). No pensamento dos militares da França, eles não combatiam apenas guerrilheiros, que lutavam com armas pela independência de seus países.

“Existia um forte elemento ideológico por trás dos guerrilheiros, tanto vietnamitas quanto argelinos: a ideologia comunista. A Doutrina da Guerra Revolucionária se estrutura na ideia que os guerrilheiros haviam transformado a política em guerra. Portanto, o centro da estratégia não era mais um conflito bélico, mas a ideia de que uma ideologia poderia se expandir”, analisa Godoy.

Durante a década de 1950, militares brasileiros viajaram a Paris para estudar na Escola Superior de Guerra francesa. Nesse período, tiveram contato com a Doutrina da Guerra Revolucionária. Houve identificação imediata, pois os militares brasileiros precisavam saber “qual era a próxima guerra a combater”, explica Godoy.

“Após o fim da Segunda Guerra Mundial, não havia mais um combate claro para os brasileiros. Quando conheceram a Doutrina Revolucionária, disseram ‘essa é a nossa Guerra’, onde existe um inimigo interno — os grupos de resistência armada — e onde a guerra não começa através de um tiro ou um ato bélico. Pelo contrário, a guerra se inicia com um primeiro panfleto distribuído, de um grupo que pretender chegar ao poder“, explica.

Mais tarde, a Doutrina da Guerra Revolucionária se amplificou ainda mais no Brasil quando o Exército passou a fazer cursos em bases militares norte-americanas — oficiais dos EUA também haviam ido a Paris para aprender sobre a doutrina francesa.

Como a estratégia francesa chegou ao DOI

Criado a partir de uma operação semiclandestina instituída pelo governo — a Oban — o DOI-Codi se transformou no principal instrumento da ditadura militar para combater as organizações de esquerda.

De acordo com o jornalista, a experiência na França forneceu alicerces para a estratégia do Exército brasileiro de torturas e mortes de guerrilheiros da esquerda durante o regime de exceção.

“A partir de 1969, o DOI é constituído para combater os grupos da esquerda armada no Brasil, usando o modelo francês. Ou seja, uma estratégia militar com táticas policiais, com a participação de militares para lutar nessa guerra, que eles imaginavam estar combatendo”.

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