Com Syriza, a Grécia continua atrelada à Troika, à OTAN e ao mercado

Por Achille Lollo, de Roma para o Correio da Cidadania

Pouco antes do Natal, o influente jornal alemão, Handelsblatt, publicava um editorial onde eram citadas as declarações do carismático líder do Syriza (Partido da Esquerda Radical), Alexis Tsipras, provocando o desencanto em muitos setores da sociedade grega que, ao votar no novo partido, acreditavam que com ele a Grécia poderia reconquistar a soberania e reconstruir a economia depois dos desastres provocados pela “Troika” (União Europeia, FMI e BCE).

No editorial do Handelsblatt, Alexis Tsipras dava a entender, bem claramente, que acabou a fase dos protestos de rua e das palavras de ordem contrárias à União Europeia, visto que com a transformação do movimento em partido a prioridade foi dotar o Syriza do necessário pragmatismo político para gerenciar o futuro governo de coalizão que Alexis Tsipras deverá formar após as eleições de 25 de janeiro.

Por isso, para tranquilizar o mercado e, sobretudo, os tecnocratas da União Europeia, Alexis Tsipras declarou ao Handelsblatt: “O governo liderado pelo Syriza respeitará todas as obrigações que a Grécia assumiu, enquanto membro efetivo da Eurozona, visando alcançar o equilíbrio orçamentário e procurando atingir os objetivos fixados no âmbito da União Europeia”.

Depois, no dia 20, isto é, às vésperas das eleições, Alexis Tsipras, para ganhar o voto dos moderados e dos indecisos, e assim alcançar um majoritário 35%, recorreu ao jornal conservador britânico Financial Times para prometer que “o futuro governo chefiado pelo Syriza vai manter todos os compromissos que a Grécia assumiu anteriormente com a União Europeia em matéria orçamentária e para eliminar o déficit. Ao mesmo tempo, pretendemos introduzir na Grécia um novo contrato social para fechar o ciclo da austeridade e, consequentemente, alcançar a estabilidade política e a segurança econômica”.

Os “brokers” do mercado adoraram as declarações de Tsipras, enquanto em Bruxelas o poliglota presidente do BCE, Mario Draghi, comentava alegremente em francês: “Enfin, Alexis c’est pás um enfant terrible (afinal, esse Alexis não é um garoto mau!). Consequentemente, a bolsa de valores de Atenas voltou a subir, depois da recaída no fim de novembro, quando a revista alemã Der Spigel, alinhando-se à posição dos falcões do Parlamento Europeu, publicou uma reportagem sobre a possível saída da Grécia da Eurozona, enfocando, por isso, a antiga militância comunista de Alexis Tsipras e as vertentes esquerdistas (maoístas e trotskistas) do novo partido Syriza como elementos fundamentais para impor ao novo governo a decisão de abandonar a União Europeia e voltar à inflacionadíssima dracma, a antiga moeda da Grécia.

A provocativa reportagem do Der Spigel não teve efeitos e foi desmentida até por Ângela Merkel, visto que os emissários da BCE e, sobretudo, da Comissão Europeia estavam negociando “em off” com Alexis Tsipras o futuro programático da Grécia, do momento que o governo do direitista Antonis Samaras estava com os dias contados. Não é casual que o presidente do BCE, Mario Draghi, foi citado em todos os noticiários das TV europeias dizendo que “haverá uma flexibilização orçamentaria para aumentar a liquidez em cada país da União Europeia, o que permitirá a economia respirar com novas fontes de financiamentos”.

Imediatamente, Alexis Tsipras se alinhava às posições de Mario Draghi, explicando que o novo curso da Grécia não vai desatender as regras fixadas em Bruxelas, visto que “o governo liderado pelo Syriza vai renegociar a dívida e alongar os tempos para seu pagamento, de forma a permitir a economia sair da austeridade para assumir o crescimento”.

A crise econômica e a evolução do Syriza

Em 2008, a crise econômica global atacou profundamente a economia da Grécia, que não estava minimamente preparada para reagir como fizeram outros países da União Europeia. Pelo contrário, a crise se aprofundou e tornou-se sistêmica ao multiplicar as nefastas consequências desse processo, isto é: especulação, recessão, corrupção, fraudes, evasão fiscal, perda da soberania, economia ilegal (trabalho negro, contrabando e narcotráfico) e, sobretudo, o desemprego, que em 2009 atingiu 9,65% da população ativa.

Este contexto evoluiu ao ponto de desagregar por completo a economia da Grécia, que com as rígidas medidas de austeridades impostas pela “Troika” implodiu. Por isso, hoje, 26,4% da população ativa grega está desempregada. Porém, na computação dos efeitos da crise se deve somar mais 6% de trabalhadores gregos que renunciaram a procurar emprego pelos canais oficiais, do momento que trabalhavam sem contrato. A metade desse “exército de reserva” não recebe mais o subsídio desemprego ou outras formas de auxílio econômico, a não ser a ajuda alimentar das igrejas e dos inúmeros grupos de “mútuo socorro solidário”, que surgiram sobretudo em Atenas, Salônica, Patrasso, Peristeri e Larissa.

A Grécia conta com uma população de quase 11 milhões, dos quais 4 milhões vivem em regime de pobreza. Outros dois milhões de gregos sobrevivem no âmbito da pobreza absoluta e um milhão e meio já está rebaixado ao nível zero, isto é, vivem em condições abaixo da pobreza. Por isso tudo, para os estrategistas de Bruxelas a evolução política e econômica da Grécia se tornou um pesadelo, do momento que o Partido Comunista da Grécia (KKE) e a Frente Militantes de Todos os Trabalhadores (PAME), incentivadores da ruptura política com a União Europeia e a OTAN, poderiam fazer explodir a qualquer momento a rebelião popular.

Por absurdo, todas as vezes que o PAME conclamou as forças da esquerda para se manifestar unitariamente nas greves gerais houve sempre uma neta dissensão com a nova esquerda (Synaspismos, Akoa, DEA e KEDA), que depois, em 2004, com a formação do Syriza (coalizão da esquerda radical) manifestou abertamente sinais de hostilidade política, aprofundando a prejudicial ideologia anticomunista.

Um processo que a imprensa helênica e a europeia exploraram “ad hoc”, contribuindo ao fortalecimento do mito do Syriza, apresentado como a formação política mais radical da esquerda grega, chefiado por lideranças que haviam rompido com o marxismo-leninismo do KKE, juntamente a outras de origem maoísta, trotskista, ecologista e socialdemocratas que questionam a política financeira da União Europeia sem desejar a ruptura.

Foi nesse âmbito que Alexis Tsipras, em 2006, concorreu à prefeitura de Atenas liderando a lista “Anohiti Poli” (Cidade Aberta). Durante a campanha eleitoral, Tsipras prometeu um amplo programa de medidas radicais em favor dos pobres, tornando-se, assim, o novo líder da então Coalizão da Esquerda Radical (Syriza).

Esquerda ou Socialdemocracia?

A complexa evolução da crise econômica que atacou a União Europeia nos últimos dois anos e a atrelagem da Grécia à Alemanha foram os elementos políticos do chamado “pragmatismo levantino”, com o qual Alexis Tsipras direcionou a transformação do Syriza em um novo partido socialdemocrata, que nas eleições antecipadas de 25 de janeiro deverá enxugar ainda mais o antigo partido socialista reformista (PASOK), além de conquistar o voto dos moderados que ficaram descontentes com o partido direitista de Samaras e, sobretudo, dos indecisos da classe média, que querem recompor seus privilégios econômicos.

Por isso, Alexis Tsipras, ao fechar a campanha eleitoral na praça Omionia, em Atenas, declarou: “O medo acabou, a Grécia e a Europa vão mudar… Domingo vamos escrever uma nova história sem virar página. Simplesmente vamos mudar o tempo, onde o Syriza vai assumir a responsabilidade histórica de abrir caminhos para uma política alternativa na Europa… A Grécia deixará a experiência neoliberal para seguir um modelo de proteção social e de crescimento, realizando a renegociação da dívida sem ações unilaterais. O nosso partido vai encontrar o meio para por fim à catástrofe da austeridade”.

Filtrando as palavras de Tsipras, resulta evidente que o Syriza, por um lado, mesmo com a maioria absoluta no Parlamento, vai fazer um governo de coalizão com o novo partido de centro-esquerda “To Potami” (O Rio), criado pelo jornalista Stavros Theodorakis, que no governo do direitista Samaras foi nomeado presidente do Banco da Grécia e que, segundo algumas fontes, se entende muito bem com o presidente do BCE.

Por outro lado, o novo governo liderado por Alexis Tsipras, para diluir a promessa de realizar reformas estruturais radicais, deverá recorrer aos programas emergenciais para poder controlar e atenuar as pressões das bases eleitorais que, de imediato, vão exigir medidas radicais para acabar com os programas de austeridade da União Europeia e com a agenda financeira imposta pela “Troika”.

Se considerarmos que, em dezembro de 2012, o Comitê Central do Syriza aprovou uma moção que reafirma a manutenção da Grécia na União Europeia e, portanto, assume a participação no esquema estratégico da OTAN, é praticamente impensável que o novo governo irá em direção de uma ruptura política com Bruxelas. Também está fora de discussão esperar que o governo do Syriza vá rejeitar a famosa agenda de austeridade imposta pela Comissão Europeia, inclusive porque o Banco da Grécia tem até o dia 25 de fevereiro para pagar uma parcela de sua dívida, usando para isso a última cota de 1,8 bilhão de euros do pacote financeiro fixado pela “Troika” em 2013. Se o Banco da Grécia não efetuar este pagamento no fim de fevereiro, as agências de rating e os institutos financeiros oficializarão o default (bancarrota) do país.

Por isso, o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schaeuble, no dia 18 de janeiro, no momento em que todas as agências de pesquisas e de sondagens eleitorais gregas e europeias garantiam a vitória do Syriza, declarou com a máxima tranquilidade: “As novas eleições na Grécia não mudarão absolutamente nada na dívida pública. Qualquer governo eleito deverá respeitar e assumir os compromissos de seus predecessores”.

De fato, Alexis Tsipras garantiu a realização imediata de programas emergenciais para retirar da indigência e da pobreza extrema um ou até dois milhões de gregos e assim revitalizar a economia com o consumo. Algo que, de longe, faz lembrar a assistencial “Bolsa Família” do presidente Lula. Programas que não modificam o “status quo” dos títulos da dívida, dos quais 80% estão em mãos da “Troika” e apenas 10% na posse dos bancos gregos.

Por outro lado, o Syriza nunca questionou a metodologia do pacote de ajuda financeira da “Troika” (254,4 bilhões de euros), dos quais 81,3 bilhões serviram para pagar as dívidas contraídas com os bancos alemães, franceses e britânicos; 48,2 bi para recapitalizar os bancos gregos e as filiais dos bancos estrangeiros operantes na Grécia; 40,6 bi para pagar os juros dos institutos financeiros; e 34,6 bi para reembolsar as dívidas dos privados.

Praticamente 81% da ajuda financeira (204,7 bilhões de euros) foram desviados para o setor financeiro e apenas 4% (11,7 bilhões) foram destinados a cobrir as “necessidades de caixa” que a corrupção e as fraudes realizadas durante o governo de Antonis Samaras conseguiram esgotar em breve tempo.

Para finalizar a experiência neoliberal, impor um modelo de proteção social, redefinir o crescimento da economia e ao mesmo tempo realizar a renegociação da dívida, o Syriza deveria aprovar de imediato uma tríplice reforma: fiscal, tributária e patrimonial, para fazer pagar o custo da dívida todos aqueles que se beneficiaram: bancos, multinacionais, industriais, latifundiários, especuladores e grande parte da classe média. Além disso, Alexis Tsipras deveria propor uma lei extraordinária para reduzir o orçamento das Forças Armadas, que nesses anos de crise nunca baixou.

É claro que, hoje, o Syriza não é mais a Coligação da Esquerda Radical de 2004. Tornou-se um partido socialdemocrata que quer ficar no poder. Por isso, deverá garantir o controle social com a implementação de eficazes medidas emergenciais que atenuem o peso das medidas de austeridade. Por outro lado, deverá responsabilizar-se pelo reforço da lucratividade dos financiamentos efetuados pelo BCE, pelas novas normas de competitividade que serão introduzidas na economia (privatização e flexibilização), pela sistematização dos serviços públicos e, dulcis in fundo, por regulamentar, definitivamente nas costas dos gregos, o pagamento dos 254,4 bilhões de euros que a “Troika” emprestou em 2013.


Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo” e colunista do “Correio da Cidadania”.

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