Sobre racismo, colorismo, pigmentocracia (ou chame do que quiser)

Gilza Marques* – População Negra e Saúde

“Dedico esse texto às minhas irmãs pretas de pele escura”

Acho que eu nunca tinha me dado conta da hierarquia de cores existente no âmbito dos grupo negros até me mudar pra Brasília. Só recentemente eu percebi que alguma coisa estava me incomodando muito, eu só não sabia o que era. Era o tal do colorismo que eu percebo aqui. Com essa polêmica da Globeleza, resolvi escrever sobre. Sem querer magoar ninguém, falemos de pigmentocracia.

Em Salvador, as pessoas com as quais eu me relacionava tinham, em sua maioria, a pele preta e um cabelo que não forma cachos. Eu sou do grupo das mulheres pretas de pele escura do cabelo 4c (o que é muito diferente de ter cabelo 3b, ou 4a e a pele mais clara). Igualmente a Naiara Justino, sou do grupo das pretas consideradas pretas demais.

Todas as poucas referências negras que eu via na TV não me contemplavam. Quando Halle Berry ganhou o Oscar, eu pensei: “mas ela não se parece comigo!” (muito diferente do que senti quando a ganhadora foi Lupita). Idem Camila Pitanga. Idem Thaís Araújo. Acho que a primeira vez que realmente me vi na TV brasileira foi com Valdinéia Soriano. Meu coração bateu forte quando a vi. Estava me vendo. (Óbvio que existe a Zezé, mas me refiro a mulheres pretas mais jovens. Não era nem nascida quando Zezé estava no auge).

A hierarquia das cores sempre existiu. Escravizadxs de pele mais clara valiam mais, e eram alocados na casa grande. Com isso não estou dizendo que sua vida era mais fácil. Só estou dizendo que há diferenças (e privilégios) desde aqueles tempos até hoje. A rejeição a Naira é a prova disso. Já perceberam como os poucos homens negros que estão com mulheres negras escolhem parceiras negras mais claras que eles? São as negras de pele mais clara que estão na TV, são as negras de pele mais clara as protagonistas de filmes americanos e divas pop (Beyonce, Rihanna, Alicia Keys). Tenho a impressão, porém, que fenômeno oposto acontece com os homens (Lázaro Ramos, Fabrício Boliveira, Érico Brás, Denzel Washington, Will Smith…). Com isso, poderíamos inferir que o colorismo atinge mais às mulheres?

Minha mãe é preta da pele escura do cabelo 4c e olhos mel. Todo mundo elogiava seus olhos, e por isso, quando criança, eu queria ter olhos iguais. Até lentes de contato eu usei. Só depois de muito tempo é que percebi que os excessivos elogios aos olhos mel de minha mãe são, na verdade, um elogio ao traço branco que ela carrega. Um elogio à marca do colonizador estuprador (cara, o racismo é cruel demais!). Na impossibilidade de ser branca, o racismo apresenta às minas de pele mais escura tentativas de parecer menos preta. Desde a base mais clara, a estratégias da câmera fotográfica. Tem também os pseudo-cachos dos permanente afros e mais 300 mil artimanhas. O racismo nos hierarquiza.

Partilhando impressões sobre esse assunto com algumas minas pretas de pele clara, também percebo uma certa angústia. Não é fácil carregar na pele, no cabelo e nos olhos o estupro sofrido pela bisavó ou a tentativa de branqueamento através do casamento inter-racial. Quando se tem consciência disso, é osso. É um assunto dolorido pra todo mundo.

Mas eu escrevi tudo isso pra deixar uma frase para Naiara Justino e para todas as minhas irmãs pretas de pele escura, do olho escuro, do cabelo 4c que, como eu, estão magoadas com o colorismo (sem entretanto, querer rivalizar com as irmãs de pele clara. Nossxs inimigxs nós sabemos quem são).

É uma frase do personagem Omoro Kinte do livro “Negras raízes” de Alex Haley (um livro lindo que me fazia chorar a cada 2 parágrafos). Kunta Kinte pergunta a seu pai, Omoro Kinte, por qual motivo as meninas da sua comunidade esfregavam fuligem nos lábios e passavam um caldo de folhas socadas para que a palma da mão e a planta dos pés também ficassem pretas. Omoro responde:

“QUANTO MAIS NEGRA É UMA MULHER, MAIS BONITA ELA É”

S2 Saudações pretas.

*Fonoaudióloga

Foto: Lupita Amondi Nyong’o, atriz mexicana quieniana.

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