Código florestal estadual e os riscos que ele traz

charge de Jean Galvão
charge de Jean Galvão

Por Ulisses Capozzoli – blogdasciam

A preocupação manifestada por ambientalistas quanto à lei ambiental aprovada nesta semana pela assembleia legislativa de São Paulo faz todo sentido, levando em conta condições intimamente associadas à estocagem de água indispensável para abastecimento de mananciais e alimentação de fontes como, rios, riachos e ribeirões.

O que está sendo chamado de Código Florestal Paulista, para diferenciá-lo das normas federais, foi aprovado na quarta-feira passada (11/12) e, na interpretação de pesquisadores ambientais, deve comprometer ainda mais a cobertura vegetal especialmente às margens de fontes, fluxos d’água e represas.

Teoricamente, a compensação pela redução de cobertura vegetal em determinadas áreas seria feita por adensamento de outras.

Ocorre, no entanto que, se isso satisfaz soluções legais, – articuladas a partir de consensos e interpretações para mediar interesses – não significa que funcionem na Natureza.

No dia seguinte à aprovação do código na assembleia, o governador do Estado, Geraldo Alckmin, defendeu as propostas e argumentou que a proteção de matas no sul de Minas Gerais, fundamentais para assegurar o abastecimento de Cantareira, por exemplo, é estratégico e justificaria o expediente de compensações.

Que a proteção de rios que vertem do sul de Minas Gerais para as bacias do Piracicaba-Alto Tietê são fundamentais para o abastecimento da cidade de São Paulo e de uma ampla porção do estado é indiscutível.

Mas essa não é a essência da discussão.

Até porque uma iniciativa não exclui a outra.

Equivale a dizer que preservar a cobertura vegetal em torno de nascentes e fluxos d’água do Sul de Minas Gerais, que abastecem São Paulo, não implica em fragilizar ambientes dentro das fronteiras paulistas e intimamente associadas à produção e oferta de recursos hídricos.

A crise de água potável que afeta o estado de São Paulo neste momento tem sido justificada, pelo tortuoso discurso político, como um desarranjo natural: a pior estiagem dos últimos 84 anos. Uma ocorrência fora do controle humano.

Um argumento como este pode satisfazer interlocutores pouco exigentes, dispostos aos argumentos da lógica fácil. Mas não basta para um raciocínio necessariamente mais amplo, sob pena de complicações adicionais numa situação que, por si só, já é complexa e altamente preocupante.

Impactos previsíveis

Que o aquecimento global por gases de efeito estufa está produzindo alterações climáticas na Terra é uma situação que só um venusiano, que esteja chegando agora ao planeta, poderia alegar que desconhece. Mas que mudanças climáticas implicam, claramente, em redistribuição do regime de chuvas até mesmo nosso hipotético venusiano compreenderia sem dificuldades.

A questão, por trás de uma situação como essa, é que as administrações públicas conduzem o barco como faziam nossos antepassados, no século 18, quando se acreditava que o Sol pudesse ser habitado. A ciência continua restrita a certo exotismo, parte do noticiário da mídia e de um fazer acadêmico distante do real.

Nada que impacte a administração de uma cidade, estado ou País.

Daí o possível desconhecimento e o visível descaso com as previsões envolvendo mudanças climáticas.

Em países como os Estados Unidos, mesmo pequenas cidades vêm adotando cautelas e procedimentos para amenizar alterações climáticas relacionadas tanto à falta como excesso de chuvas ou outros fenômenos da Natureza.

Por aqui, no entanto, o assunto passa ao largo das preocupações.

Tanto assim que desmoronamento de terras em áreas de risco, alagamento de regiões previsíveis, incêndios em reservas estratégicas e outras ocorrências indesejáveis continuam como se fossem a vontade de Deus.

Se for acatado pelo governador, o conteúdo votado pela assembleia legislativa será um retrocesso do ponto de vista ambiental e uma ameaça o conjunto da sociedade. Uma bomba relógio prevista para explodir no futuro imediato.

Uma das mudanças indesejáveis previstas pelo código estadual é a redução do entorno de 50 metros das nascentes de rios para apenas 15 metros. O entorno mais amplo está previsto no Código Florestal federal.

Quanto à margem de rios, a mata ciliar tende a ter não mais que 5 metros de largura.

Matas ciliares, desde a truculência ambiental do regime militar, foram vistas como algo dispensável, um luxo de países ricos, ao longo da margem de rios.

Estudos de baixa qualidade técnica e ambiental chegaram a sugerir que matas ciliares sugariam água desses cursos, um efeito deletério para justificar sua eliminação.

Proteção subestimada

As matas ciliares, no entanto, como os cílios que protegem os olhos de humanos e outros animais, são indispensáveis.

No caso dos rios, têm, entre suas funções, proteção das margens, segurança contra assoreamento de leitos, alimentação de peixes e embelezamento paisagístico.

Para a burocracia de gabinete, no entanto, essas são condições dispensáveis. Como uma faixa adicional de terras, pretendem oferecer a produtores rurais um hipotético benefício, manobra típica dos chamados “homens práticos”.

A verdade, no entanto, é que, quando os rios reclamarem com violência as áreas que lhes pertencem por força da Natureza, os produtores rurais serão os primeiros afetados. As águas turbulentas levarão seus implementos, arrastarão o húmus de suas terras, invadirão suas moradias e os abrigos de seus animais.

Quando isso acontecer, os homens de gabinete responsabilizarão mais uma vez a imprevisibilidade da Natureza, os “acidentes naturais” e lavarão suas mãos com a tranquilidade de um hipócrita personagem bíblico.

A exportação dos reflorestamentos de São Paulo para outras áreas, o argumento de compensação ambiental votado pela assembleia, esconde uma carta na manga que observadores menos atentos não conseguirão enxergar.

É mais barato fazer isso fora de São Paulo e esta é a estratégia camuflada num discurso aparentemente coerente, prático e responsável. Mas que, na essência, é irresponsável, atrasado e contrário aos procedimentos da Natureza.

O projeto aprovado pela assembleia é de autoria do deputado Barros Munhoz (PSDB) e resultou de uma longa costura de interesses, em que cada ponto foi meticulosamente analisado.

Considerado à luz do aquecimento global, das mudanças climáticas e da crise atual de água potável, na cidade e estado de São Paulo – fato, não possibilidade remota – tem tudo para ser um movimento retrógrado, uma solução imediatista, não um procedimento que leve em conta o estado do conhecimento científico quanto à fascinante complexidade da Natureza.

Nossos filhos e netos lamentarão por nós.

Mas aí pode ser tarde demais.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Lara Schneider.

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