Munduruku, ribeirinhos e pescadores se unem contra Complexo Hidrelétrico do Tapajós

Com mensagem gigante, índios Munduruku e ativistas protestam contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no oeste do Pará. Foto: Marizilda Cruppe, Greenpeace
Com mensagem gigante, índios Munduruku e ativistas protestam contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no oeste do Pará. Foto: Marizilda Cruppe, Greenpeace

Por Renato Santana – Enviado a Itaituba (PA), Assessoria de Comunicação do Cimi

“Me disseram que o leilão da primeira usina ficou para o ano que vem, mas não consultaram a gente”, diz cacique Juarez Saw Munduruku. O ribeirinho Francisco Firmino, mais conhecido como Chico Caititu, reage: “Onça não avisa não quando ataca. A gente sabe quando ela está por perto pela catinga forte da danada”. Convencidos das manobras do governo federal para erguer sete usinas no rio Tapajós e em um de seus afluentes, o Jamanxim, ribeirinhos e indígenas fortalecem a cada dia uma aliança contra o projeto, que compõe o complexo hidrelétrico. A eles se unem ainda trabalhadores e trabalhadoras, pastorais, organizações ambientais, coletivos e movimentos sociais de Belém, Altamira, Santarém, Itaituba e Jacareacanga. O Pará e a Amazônia estão mais uma vez na alça de mira de empreendimentos megalomaníacos, tão grandes quanto as violações aos direitos humanos e da natureza que proporcionam.

Durante as últimas semanas, mobilizações contrárias ao complexo hidrelétrico se intensificaram. Os munduruku realizam a autodemarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, que deverá ser inundada pelas usinas, e ocuparam ainda a sede da Funai de Itaituba. O Greenpeace, em parceria com os indígenas, divulgou ao mundo um protesto pedindo o Tapajós Livre.

Nos programas televisivos e radiofônicos regionais, o assunto é alvo de matérias e comentários. “Muita gente me procura e pergunta se essas usinas realmente serão uma coisa boa. Quem tem parentes ou anda por Altamira sabe que não. Belo Monte foi um desastre para a cidade. Nos municípios do Tapajós não será diferente, num maior ou menor grau”, explica padre Edilberto Sena, integrante do movimento Tapajós Vivo. Morando em Santarém, o religioso está convicto de que com as usinas se intensificará a entrada de mais mineradoras, latifúndios e madeireiras na floresta afetando de forma contundente as populações tradicionais. Não se trata, portanto, apenas de gerar energia. “Existe uma luta história aqui, que vem desde a Cabanagem (1). Precisamos reviver estas alianças e resistir”, defende.

No final do mês de novembro, esta aliança promoveu uma caravana de barcos rumo à comunidade de São Luiz do Tapajós, às margens do rio e próxima a Itaituba. No local pediram um Tapajós Livre de barragens. O governo pretende erguer a primeira usina do complexo, de mesmo nome do povoado ribeirinho, pouco acima da comunidade. O leilão a que se referiu cacique Juarez será para tal usina. “A Amazônia está morrendo de inanição. Suas veias e vísceras estão abertas. Os povos estão sendo pisados. Deixaram o papel de sujeitos da história para dar lugar aos grandes empreendimentos. Não podemos ficar parados. Somos guardiões e não donos da floresta”, afirma o Bispo do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Erwin Kräutler durante ato político da caravana. Para o bispo, há quase meio século no Xingu, não resta alternativa: é preciso resistir.

“Eu acuso o governo de desrespeitar e passar por cima da gente, tratando os povos da Amazônia como uma categoria rebaixada de pessoas. Aqui pretendem explorar à exaustão os recursos naturais como se fosse um quintal, uma província do próprio país. Primeiro foi a expansão da fronteira agrícola, depois de retirada da madeira, a extração de minérios e agora a questão energética. Nunca isso foi bom para o povo daqui”, ataca Kräutler. Companheira de lutas do bispo no Xingu, Antônia Melo, principal referência do movimento Xingu Vivo Para Sempre, lembrou, em carta endereçada ao encontro, que a UHE Belo Monte só levou desgraça à população de Altamira, nenhuma comunidade foi consultada e as promessas do governo federal não se concretizaram. A tendência da novela se repetir no Tapajós é grande.

Antes do monstrengo começar a ser erguido no Xingu, o ministro da Presidência da República Gilberto Carvalho afirmou que o governo não abriria mão de Belo Monte, mas que não repetiria os mesmos erros apresentados nas construções das barragens de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO). Conforme o ministro, o Estado chegaria antes.

Recentemente, também em entrevista à imprensa, Carvalho disse que o governo não abrirá mão do complexo de usinas no Tapajós, mas que não será cometido os mesmos erros de Belo Monte, repetindo o discurso: o Estado chegará antes.

“Dizer que isso é fato consumado viola o direito dessas populações tradicionais e viola o próprio processo de consulta prévia. É também um desrespeito à própria Justiça, pois a decisão judicial determina a consulta prévia, e queremos que ela seja feita de forma verdadeira”, afirma o Procurador da República no Pará, Felício Pontes. O procurador lembrou ainda do assassinato de Adenilson Kirixi Munduruku, em 2012, durante operação da Polícia Federal. Um delegado atirou nas pernas do indígena e depois na nuca, de acordo com exame cadavérico realizado a pedido do Ministério Público Federal (MPF): “Adenilson foi executado e execução é assassinato”, diz Pontes.

Conforme trecho do manifesto da caravana (leia na íntegra abaixo), “(…) Para essas absurdas obras o governo federal falsifica diálogos, violenta a constituição nacional (como foi a dita desafetação de 10 mil hectares de floresta do Parque Nacional da Amazônia, feita por medida provisória), a ausência de consultas prévias e audiências púbicas de faz de conta. Nos momentos em que o povo Munduruku manifestou resistência, o governo enviou 200 militares da Força Nacional, armados de metralhadoras e helicópteros numa demonstração, sem rodeios, da ditadura do governo dito democrático”.

MANIFESTO CONTRA AS HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA: ESTE RIO É NOSSA VIDA NINGUÉM TEM DIREITO DE VIOLENTÁ-LO

Movimento Tapajós Vivo e Pastoral Social da Diocese de Santarém

A bacia hidrográfica da Amazônia (do Rio Tapajós) é um dom de Deus e da mãe natureza. É patrimônio do povo. Nossos antepassados cuidaram dela, usufruíram dela e sempre a preservaram. A mãe natureza tem sido generosa com todos que dela precisam. O Rio Tapajós, por exemplo, é estrada, cozinha, banheiro e beleza para todos que o procuram com bons modos.

Infelizmente nos últimos 70 anos começou uma onda de violências tanto aos Grandes Rios, como às florestas de seu entorno e a seus povos tradicionais. Aqui na bacia do Tapajós primeiro foram os garimpos de ouro, com os desmanches de barrancos, suas corruptelas e derrame de mercúrio venenoso; em seguida vieram as balsas com seus mergulhadores e, mais recente, chegaram as dragas, verdadeiros dragões que violentam intensamente o belo Tapajós, prejudicam os ribeirinhos e também o povo Munduruku. O Tapajós que já foi azul e transparente hoje está barrento e sujo. Poluído e envenenado.

Mais grave do que as violências dos garimpos, chega o chamado, pelo governo federal, Complexo Tapajós. Um conjunto destruidor de sete mega barragens, sendo a primeira com 36 metros de altura e sete quilômetros de extensão a barragem de São Luiz do Tapajós. Mas não só, o tal complexo Tapajós inclui 12 barragens no Rio Juruena e quatro barragens no Rio Teles Pires, ambos no Mato Grosso, mas estes formam as nascentes do rio Tapajós.

Para essas absurdas obras o governo federal falsifica diálogos, violenta a constituição nacional (como foi a dita desafetação de 10 mil hectares de floresta do Parque Nacional da Amazônia, feito por medida provisória), a ausência de consultas prévias e audiências púbicas de faz de conta. Nos momentos em que o povo Munduruku manifestou resistência, o governo enviou 200 militares da Força Nacional, armados de metralhadoras e helicópteros numa demonstração, sem rodeios, da ditadura do governo dito democrático. Como a presidente já afirmou uma vez – “o que tem que ser feito será feito, doa a quem doer”. Na Amazônia, os que se dizem “representantes do povo” ignoram os 30 milhões de habitantes que aqui vivem: ribeirinhos, indígenas, quilombolas, migrantes, moradores de periferias das cidades. Estes são tidos apenas obstáculos ao crescimento do Brasil. Para eles interessa a Amazônia dos minérios, das madeiras, do agronegócio e dos rios com potência para gerar energia hidroelétrica. Isto não ético, não é lícito e é imoral.

Por tudo isso, nós participantes desta ação político-religiosa realizada exatamente na região onde o governo pretende levantar a barragem São Luiz, trazemos as vozes de todos os habitantes que poderão ser altamente prejudicados e que não puderam estar aqui neste momento. Em nome de todos e todas, denunciamos ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional, denunciamos à Organização das Nações Unidas, (ONU) à Organização dos Estados Americanos, (OEA) à União das Nações da América do Sul, (UNASUL) à Organização Internacional do trabalho (OIT) esses crimes hediondos programados contra os povos da Amazônia e em especial aos povos tradicionais da bacia do rio Tapajós.

Exigimos do governo brasileiro, respeito aos nossos direitos humanos, respeito à Mãe Natureza, respeito à Constituição Nacional e respeito ao nosso Rio Tapajós. Pare com essas hidroelétricas destruidoras de nossas vidas.

Não aceitamos tais violências e vamos resistir unidos: Povo Munduruku, Ribeirinhos, pescadores, Moradores das comunidades ameaçadas e moradores das cidades servidas pelo belo rio Tapajós. Conosco vários aliados que mesmo não vivendo aqui na região, são solidários e defensores dos direitos humanos de todos os povos.

Subscrevem este manifesto o Movimento Tapajós Vivo e a Pastoral Social da Diocese de Santarém

(1)   Cabanagem: revolta social ocorrida entre 1835 e 1840, durante o Império, quando indígenas e negro tomaram o poder do então chamado Grão-Pará

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